Plantão de notícias na Constituinte


30/10/2008


Agência Câmara

No dia 5 de outubro de 1988, o Deputado Ulysses Guimarães, Presidente da Assembléia Nacional Constituinte, declarava promulgada o que chamou de “Constituição Cidadã”. Apesar de algumas opiniões em contrário — como a do Senador Marco Maciel, que considera o documento “uma obra inacabada, que pressupõe reformas políticas” —, a nova Carta trouxe ao País avanços significativos, a começar pela estabilidade política, que levou à retomada do Estado de Direito, e o fim da censura.

 Sérgio Dutti

 Leopoldo Silva

Ao se avaliar os resultados da Constituinte, é importante lembrar também o papel cumprido pelos meios de comunicação nos 19 meses que duraram as votações no plenário do Congresso Nacional Constituinte, informando a Nação sobre os debates de uma das mais importantes transições políticas da História do País. O jornalista Tarcísio Holanda, membro do Conselho Deliberativo da ABI, diz que, além de refletir o conflito ideológico, a imprensa também influiu nas decisões, a favor do avanço social:
— Essa Constituinte é acusada de assegurar mais direitos do que deveres, o que rigorosamente é verdade. Mas para um País que tem um desnível social tão alarmante, acho que o trabalho foi edificante. Pela primeira vez a elite brasileira se preocupou com a maioria marginalizada da população do País. E a imprensa soube traduzir esse sentimento. Foi um momento marcante na História do Brasil, de tensos mas importantes debates ideológicos.

Participar daquele momento teve sabor especial para muitos jornalistas, como o repórter-fotográfico Leopoldo Silva, que trabalhava no Jornal do Brasil:
— Mesmo muito jovem, eu tinha a consciência de que a gente estava fazendo História, sentia que, com o meu trabalho, estava contribuindo para a documentação da História do Brasil. Fiquei muito empolgado com a oportunidade de presenciar o processo de transição do País depois de um longo período na obscuridade, com a ditadura militar. 

Estréia

                    Sérgio Dutti

                              Gisele Arthur

Gisele Arthur, atualmente Gerente de Relações Governamentais de uma empresa de telefonia, em Brasília, fez sua estréia jornalística na Constituinte como freelancer do JB, a convite do editor de Política Franklin Martins, hoje Ministro da Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto (Secom). Ela conta como era o clima entre os colegas na Câmara, ao fim dos trabalhos:
— Foi um dia muito especial. Já era madrugada, não me lembro da hora. Estávamos todos no plenário, porque o Dr. Ulysses disse que ia tocar o projeto até acabar, e realmente foi até o fim. Quando terminou, ele estava eufórico e nós, jornalistas, pedimos que ele se juntasse ao grupo, para que fizéssemos uma fotografia.

Gisele conta ainda que as únicas votações que não acompanhou foram as do sistema tributário, cobertas pela editoria de Economia, e a do mandato presidencial, devido a uma gripe muito forte que a manteve em casa. E ressalta que há 20 anos, se não havia o suporte tecnológico atual, o acesso às fontes era mais fácil:
— A gente passava por um corredor e dava de cara com os líderes das comissões de votação. O contato direto com os parlamentares era muito importante para o nosso trabalho. Também chamava a atenção a riqueza dos debates e discursos em plenário. Mesmo na defesa de pontos de vista diferentes, situação e oposição procuravam se ouvir mutuamente.

 Arquivo Câmara

 Alcenir Guerra

Um desses discursos marcantes, conta a jornalista, foi o de Alcenir Guerra, defendendo a licença-paternidade proposta por Rita Camata:
— O Deputado contou o drama da mulher dele para tomar conta sozinha do seu bebê e emocionou os presentes. Todos acham que a emenda só foi aprovada por isso, assim como o voto sobre o direito de greve, que, para surpresa geral, foi defendido na tribuna pelo militar conservador Jarbas Passarinho, então Senador.

Gisele diz que o único capítulo cujo desfecho não teve consenso foi o da Comunicação, cuja relatoria era da Deputada Cristina Tavares:
— A briga foi grande durante a votação, devido à atuação dos empresários do setor, e acabou não havendo acordo. Para encaminhar a emenda para a Comissão de Sistematização, a minuta teve que ser “ajeitada”.


Exclusivas

                              Arquivo Câmara

                                        Ulysses Guimarães


No âmbito parlamentar, a Assembléia Nacional Constituinte teve a participação de muitas figuras interessantes, como o esperto e experiente Ulysses Guimarães, que foi um dos grandes articuladores da nova Carta e criou, por exemplo, um expediente chamado fusão, com o qual misturava assuntos completamente díspares. Foi assim que, no meio do capítulo sobre o setor pecuário, ele pôs uma proposta do então Deputado Ronaldo Cezar Coelho (RJ) sobre o pagamento de compensação, por parte do empregador, de 40% do FGTS em caso de demissão involuntária do trabalhador. O artifício rendeu nota exclusiva do JB na coluna “O que foi aprovado ontem”, que Gisele produzia com Rita Tavarez:
— O JB foi o único que publicou a notícia. No dia seguinte, o editor me telefonou e perguntou se eu tinha certeza da aprovação da emenda, porque ou a gente tinha dado um grande furo, ou uma tremenda barriga. Liguei para a casa do Dr. Ulysses para me certificar do assunto. Ele caiu na gargalhada e falou: “Ah, então você viu, minha filha?” E continuou a rir.

Entre tantas histórias, Gisele acha que a mais interessante foi a do resultado da votação da emenda do parlamentarismo, cuja sessão foi coordenada pelo Senador Afonso Arinos de Melo Franco (PFL-RJ). Tarde da noite, andando no corredor do Congresso, ela encontrou o Senador José Fogaça (PMDB-RS) com um rolo de papel nas mãos e contou que estava desolada, porque voltava para a redação sem ter conseguido uma cópia do documento. Num gesto inusitado, ele falou: “Estou vindo do gabinete do Afonso Arinos e tenho aqui a minuta. Se você quiser, eu lhe empresto para tirar uma cópia, contanto que me devolva amanhã.”

Naquele momento, Gisele não sabia que tinha sido a única repórter a conseguir a minuta. No dia seguinte, os jornalistas de Política foram cobrir o velório de Carlos Drummond de Andrade (morto em 17 de agosto de 87), sabendo que seu amigo Afonso Arinos estaria lá. No fim da cerimônia fúnebre, o Senador foi cercado pelos repórteres, que queriam saber da votação, e alegou que precisava consultar sua minuta, que não estava em seu poder:
— Eu, muito exibida, peguei a minha cópia, que na verdade era a dele, e disse: “Está aqui, Senador.” As atenções se voltaram para mim — conta a jornalista. — Ele pegou o papel, guardou e foi embora, dando por encerrada a entrevista. Fui atrás dele, pedi a minuta de volta e ele retrucou: “Que emenda, menina? A que eu fiz?” Fiquei num dilema. Como ia explicar ao jornal que não tinha mais o documento? Pois não é que mais tarde, no Congresso, ele mudou de idéia? Veio na minha direção e disse: “Olha moça, a senhora tem razão, trata-se da minha emenda sim, só que essa cópia deve ser a sua mesmo, porque o meu original está sobre a minha mesa.” E me devolveu o papel. 

 Sérgio Dutti

 José Maria Trindade

Desafios

Ao lembrar o ambiente de trabalho nas duas Casas legislativas nos anos 80, o atual Presidente do Comitê de Imprensa da Câmara dos Deputados, José Maria Trindade, diz que a primeira dificuldade era técnica, mas que isso só é perceptível hoje, por causa da nova tecnologia:
— Não havia celulares, internet, não tínhamos computadores à nossa disposição, só um 286 para atender a Câmara inteira. O trabalho era físico, braçal mesmo. Muitas emendas eram coladas no texto datilografado. Várias vezes presenciei o relator Bernardo Cabral fazer emendas literalmente em cima das pernas, sentado numa cadeira.

No Comitê de Imprensa, havia telefones fixos e os repórteres usavam as velhas máquinas de escrever para redigir as matérias. Uma prática comum entre os veículos era mandar seus motoqueiros pegar as laudas e os filmes para levar às redações:
— Para evitar o trâmite burocrático e ganhar tempo, sem que os motoqueiros tivessem que passar pelo serviço de identificação da Câmara, passávamos os envelopes com o material pela janela lateral do prédio. Hoje o setorista tem ainda à sua disposição a intranet, que é atualizada a cada sessão e transforma a notícia em algo quase banal. Antigamente, a gente colhia a informação ali, na hora, no fim das votações das emendas. E quem tivesse mais agilidade para fazer a matéria chegar à redação no fechamento ganhava a página do dia seguinte. Só então o próprio repórter ia descobrir se havia conseguido o feito.

Outra estratégia muito usada era a produção de dois textos, segundo Trindade:
— Eu mesmo fiz muito isso, o “foi aprovado (…), não foi aprovado (…)”. Terminada a votação, ligava para o editor e dizia qual texto devia liberar. É bom lembrar também que poucas rádios e TVs mantinham correspondentes em Brasília e que os sites de notícias não existiam. Os jornais reinavam e conseguiam a melhor performance.

O número menor de repórteres no Congresso proporcionava uma proximidade dos jornalistas com os parlamentares hoje quase impossível de acontecer, com mais de 300 profissionais disputando notícias no plenário. Ainda assim, Trindade acha que, de modo geral, os veículos podiam ter explorado melhor a Assembléia Nacional Constituinte:
— O trabalho que resultou na Constituição proporcionou grandes debates sobre diversos assuntos de interesse geral e a votação era aberta. Entretanto, acabou predominando a pauta política. 

Rádio, Centrão e bastidores

André Dusek, Luiz Queiroz, Gisele Arthur, José Maria e Leopoldo

Membros 
da ABI na Constituinte