45 Mostra de Cinema: O inferno transgênero em 78 minutos


12/11/2021


Por Norma Couri, Diretora de Inclusão Social, Mulher e Diversidade

Destaque da 45 Mostra de Cinema Internacional de São Paulo

A vida de uma mulher transgênera pode ser resumida nos 78 minutos do filme iraniano Na Prisão Evin que nunca mostra o rosto de Amin/Amen, rodado numa casa que não é real, com personagens que não são o que parece, numa história que se revela uma armadilha para ela. Na Prisão Evin , de Mohamed Torh-Beig; Mehdi Torab-Beig, é dos filmes mais intrigantes da 45 Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, destaque da seleção de filmes focados na comunidade LGBTQIA+, como Madalena ( (Mariano Marcheti, Brasil), SexExplicação (Alex Liu, Estados Unidos) e Transversais( Emaerson Maranhão, Brasil).

Tudo o que conhecemos de Amin/Amen de 19 anos é uma voz forte, masculina que precisa amaciar para conseguir seu objetivo, uma operação para ser a mulher que sempre acreditou ser (“estou trancada no meu corpo”). Mas como não pode bancar a operação de mais 30 milhões no Irã ela acredita que o estranho Naser poderá bancá-la, com algumas condições.

Pela voz de Amin/Amen, pelas respostas às perguntas que lhe fazem, está traçada a trajetória dos transgêneros em países perigosos como o Brasil: o medo da polícia, o preço do hospital, a rejeição nos banheiros femininos/masculinos, a ridicularização nas ruas, a distância da família. Nas perguntas, a vida de incertezas e depressões. “Já quis ser outra pessoa?”. “Você disse uma vez que queria se matar?”. “Está pensando que ía ser fácil?”. “Você está paranóica?”.

Amen cai na arapuca. Informa que não tem família por perto, conta da vergonha social, de  como perdeu o emprego depois que o patrão a obrigou a tirar a roupa e descobrir que ele não era uma menina. Foi embora sem receber os três meses de trabalho.

Viajou para a Grécia ilegalmente para fugir do Serviço Militar e foi fugindo da família e de todos até chegar a Teerã para tentar se encontrar mas esbarrou na ajuda errada. É deprimente ver como Amen vai de engano a engano do começo ao fim, trancada num quarto e entupida de remédios que supostamente apagarão suas impressões digitais para que não seja presa mas acabam tirando o sentido de tudo. Amen nem sabe onde está aprisionada, quem são as reais pessoas que a “ajudam” ou quanto tempo está ali.

Perde a identidade, confiscam-lhe os documentos, sugam-lhe a história de vida e o desejo de mudar de sexo, apostam na sua insegurança e na incerteza que a sociedade reserva para transgêneros.

O engodo é que ela deveria simular a voz de Anna, filha do mecenas Naser que vai pagar sua operação, apenas para ludibriar pela voz a avó cega de que ela é a filha recém-saída do hospital psiquiátrico. Assim garantiria da avó a posse de uma herança de 300 bilhões que só seria destinada à neta e a mais ninguém. Se fizer isso, terá a operação e deverá ir embora do Irã para sempre.

Tarde demais Amen descobre que a garota matou o namorado e está presa. Tenta descobrir mais e é ameaçada, “você está paranoica”, “você quer ser presa?”, “não pense que irá para a ala das meninas”, “você será a boneca dos presidiários…”, “aposto que fará a cirurgia e se arrependerá feito cachorro”.

“Há quanto tempo estou aqui?”, ela pergunta. Três dias, três meses, um ano… não dá para saber. Desconfia “não sei se você é médico mesmo, porque tudo acontece nesta casa e não no seu consultório?”. E a resposta, “considerando sua condição, você nem poderia entrar no meu consultório”, “vou dar uma remédio para você ficar igual à Anne”, “para onde você iria com esse visual?”.

A simbologia com uma ovelha morta é a troca com Deus para conseguir o desejo nos céus, no caso de Amen, a operação. E quando no final ela descobre porque na verdade foi operada e perdeu a liberdade, a personalidade, e o resto, tudo o que vemos dela é o reflexo de sua nova pele num espelho partido. Provavelmente, é o que ela vê também.