Brasil: refúgio de torturadores?


05/04/2012


No último fim de semana realizou-se em Porto Alegre, por iniciativa da Comissão de Justiça e Direitos Humanos, presidida por Jair Krischke, e com o apoio da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul e da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, o V Encontro Latinoamericano Memória, Verdade e Justiça, no qual a ABI foi representada pelo jornalista Mário Augusto Jakobskind, membro de sua Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos.

Importantes revelações foram feitas por defensores dos direitos humanos do Brasil, Argentina, Uruguai e Chile, que mereceriam divulgação mas foram totalmente ignoradas pela mídia local e nacional.

Um fato ficou claro no Encontro, o de que se continuar em vigor a impunidade de crimes imprescritíveis, inclusive os chamados crimes continuados, cujos corpos de vítimas não apareceram até hoje, e os crimes ainda estão em curso, o Brasil corre o risco de se transformar em paraíso de torturadores de outros países, que poderão se sentir estimulados para escapar aos rigores da lei em seus países e obter refúgio numa terra de impunidade a torturadores.

Argentina faz justiça

O Deputado argentino Remo Carlotto, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Deputados da Argentina que prestou uma série de informações relevantes sobre a nova lei de comunicação sancionada pela Presidente Cristina Kirchner depois de quase dois anos de discussão pela sociedade argentina. A lei que dá espaço em pé de igualdade ao setor comunitário, estatal, público e ainda o privado.

Carlotto também falou sobre a recente modificação do estatuto de propriedade da empresa responsável pelos papéis de imprensa no país. Ele lembrou que o Estado ditatorial argentino simplesmente prendeu, torturou e matou os antigos proprietários da empresa que os produzia e a entregou ao grupo “Clarin”. Agora, segundo o parlamentar, o Estado democrático faz justiça retirando o poder do grupo que conseguiu o favorecimento da ditadura.

O caso chileno

O Deputado Hugo Gutiérrez, do Chile, fez uma retrospectiva das lutas e mobilizações em seu país que culminaram no indiciamento e prisão de notórios torturadores da época da ditadura do General Augusto Pinochet.

Gutierrez lembrou que tudo isso aconteceu apesar de que no Chile segue vigente a lei de anistia promulgada, como no Brasil, ainda pela ditadura. Segundo o parlamentar, tudo foi feito para manter impunes os responsáveis por violações dos direitos humanos, mas a persistência dos defensores dos direitos humanos em não se calar e agir judicialmente através de apelações e recursos, sobretudo depois da prisão do ditador Pinochet em Londres, em 1998, resultou em que hoje 1.200 militares estejam processados e cem deles presos já cumprindo pena. Mesmo o atual governo de direita de Sebastián Piñeda teve de aceitar essa realidade.

Gutiérrez, que antes de ser eleito deputado era advogado vinculado às organizações de direitos humanos, lembrou também que essas organizações sempre foram muito ativas a elas se deve o fim da impunidade, independentemente de que a lei de anistia da ditadura esteja em vigor.

Congresso não pode calar

O Brasil esteve representado nas várias mesas de debates, entre outros, pela Deputada Luiza Erundina (PT-SP) e pelo Deputado Chico Alencar (Psol-RJ). Este fez duras críticas pelo fato de a Comissão da Verdade ter deixada de ser também de Memória e Justiça

Luiza Erundina, membro da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, enfatizou a necessidade de o Congresso não se calar e de se posicionar nessa questão, porque vários parlamentares foram cassados e vítimas do arbítrio vigente, inclusive com o desaparecimento de Rubens Paiva.

Como reforço para a Comissão da Verdade, ainda não instalada, a parlamentar do PSB lembrou a criação da Comissão da Verdade, Memória e justiça, já em ação na Câmara dos Deputados.

A ABI sugeriu que essa comissão ouça o depoimento do cientista político e também jornalista Luiz Alberto Moniz Bandeira, que quando esteve preso no Centro de Informações da Matinha (Cenimar) constatou a presença de assessores norte-americanos instruindo oficiais em interrogatórios. A sugestão fui aceita pela Deputada.

Aplausos para Modesto

O advogado, Conselheiro da ABI e ex-Deputado Modesto da Silveira foi muito aplaudido depois do anúncio de que foi seu nome aprovado pelo Conselho da ABI e encaminhado à Presidência da entidade para ser indicado como um dos sete integrantes da Comissão da Verdade a serem escolhidos para realizar os trabalhos de investigação.

Etapas da democratização

O jurista Paulo Abrão, Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, lembrou da primeira e segunda fase do processo de consolidação da democracia no Brasil, representadas pela idéia de liberdade que resultou, entre outros avanços, na volta dos exilados e em seguida a reparação e direito de cada um de receber o pedido de desculpas do Estado brasileiro, até chegar finalmente à fase atual, a terceira, que culminará com a instalação da Comissão da Verdade.

Do Rio de Janeiro foi painelista também Vitória Grabois, do Grupo Tortura Nunca Mais, que fez um histórico das atividades da entidade a primeira a exigir a apuração da verdade dos fatos ocorridos durante a ditadura, a punição de torturadores e a exigência de o Estado brasileiro esclareça de uma vez por todas onde estão os restos de desaparecidos políticos, entre os quais os da Guerrilha do Araguaia. Vera Vital Brasil, do Comitê do Rio de Janeiro da Verdade, Memória e Justiça, revelou os esforços da entidade que integra para que a Comissão da Verdade cumpra realimente os objetivos propostos.

Macarena Gelman, neta do poeta e jornalista argentino Juan Gelmanm, contou a sua história como vítima dos anos de ditadura, quando seus pais foram assassinados e ela foi entregue a uma família uruguaia vinculada à repressão. Ao ser descoberta e localizada, Macanena engajou-se na luta pelo esclarecimento do caso e o assassinato dos seus pais.

Ainda sem desculpas

No último dia 21 de março, o Governo do Uruguai, hoje presidido pelo ex-guerrilheiro tupamaro José Pepe Mujica, reconheceu em ato público na Assembléia Nacional a grave violação dos direitos humanos cometida pelo Estado.

Agora, os movimentos de defesa dos direitos humanos querem que o Estado uruguaio peça desculpas pelas barbáries cometidas durante a vigência da ditadura. Representantes de movimentos dos direitos humanos presentes, entre eles o jornalista Roger Rodriguez e Baldemar Torroco, da Associação de Ex-Presos Políticos Uruguaios, esclareceram que, ao contrário do que tem sido divulgado e repetido com freqüência, o Estado uruguaio ainda não pediu desculpas às vítimas da ditadura.