As queimadas, vistas do alto


07/08/2009


Colaboração de Paulo Ramos Derengoski, jornalista e sócio da ABI.

O biturbo Bandeirante sacoleja violentamente a mais de 900 m de altura, parecendo um pássaro frágil e doente, perdido em meio à fumaça branca e venenosa que sobe das terras negras: o Brasil está em chamas…

Deixamos para trás o Rio das Mortes e inflectimos lentamente sobre a Serra do Roncador, mas no horizonte já não se desenham montanhas azuladas. Nem sequer há horizontes: só fumaça, fumaça, fumaça…

Daquelas alturas o vasto Planalto Central, já em transição para a floresta amazônica, parece uma grande massa morta, petrificada. Observadas do alto, entre a neblina seca e cega, as serras se acachapam, perdem o relevo e até mesmo os rios pertencem ao reino das imobilidades. Somente o véu – transparente e opaco – da fumaça determina as distâncias. Do alto eu sei que as manchas sangrentas de fogo sobre o lençol das cinzas são flores traiçoeiras…

Elas indicam a passagem dos ventos. E quando sopra o vento é que o fogo se alastra! Então os sertões ardem de vez – torcidos e retorcidos como as tripas do demônio – labaredas que viram chamas, fogo que vira fogaréu. É o grande incêndio que se alastra, incontrolável e indomável, sobre as terras de dentro – the backlands.

É voando que se vê o verde da floresta virar deserto. Verde-folha agora é vermelho-e-negro. O deserto parece um vasto mar de fogo: sobrevoamos Be-Ra-Zil, capital mundial da devastação e do crime ecocídio.

Grandes queimadas: visões. Tenebrosa visão de planalto e planícies castigadas pelo machado de pedra do tempo. Terras ignotas, até há pouco em estado de selvageria brutal, território livre dos homens nus, de repente nada mais são pouco que cinzas, dando a sensação de que algo misterioso ali um dia existiu, antes de desabar para sempre sobre suas próprias entranhas infernais, envolvidas sob a barba escaldada de Ucaí – o diabo do fogo para os índios. Afogadas em suas lavas quentes, viscosas, frias, mortais…

Voando num pequeno avião, perdido no vasto território das nivens de fumaça da destruição, eu penso:

– Teremos, nós brasileiros, o direito de destruir de tal maneira a natureza, patrimônio da humanidade?

As gerações do futuro responderão…

O primeiro semestre no Brasil é a época da derrubada das grandes árvores da floresta amazônica e do cerradão confinante. As terras de dentro – the backlands – estão encharcadas pelas águas das grandes chuvas de verão. Isso facilita o trabalho dos gigantescos tratores de esteiras e motoniveladoras que arrancam toda a vegetação pela raiz, estraçalhando os troncos mais grossos, despedaçando a galharia arrastada por pesadas correntes. Feita a salada, como nas velhas receitas da vovó (ou seria do Tio Sam?), é só deixar secar…

O segundo semestre será a época das queimadas.

A terra já estará seca e o entulho vegetal em ponto de combustão. Mas se ainda restar algo verde, basta espargir sobre ele, em aviões agrícolas, algum desfolhante químico qualquer – desses de comprar nas lojas agropecuárias sem receituário. E se ainda não for suficiente, sobre os monturos restantes mete-se o lança-chamas!

Lentamente o foguinho se transformará em chama, em labareda, em fogaréu. BR>
Aí vem a primeira network televisiva e faz (de avião) a reportagem a cores. Os ecologistas voltam a entrar em cena. Entidades internacionais protestam. Explode uma capa de revista. Cientistas advertem o efeito-estufa. Velhos entreguistas dizem que agora a “Amazônia é nossa”. Tudo em vão. Até que a floresta desapareça sob cinzas de devastação, envolta pela baba escaldante de Ucaí, o deus do fogo dos índios. E se cumpra a profecia: o que já foi mar e um dia se transformou em sertão – voltará a ser mar (verde mar-morto). Sob ele está enterrado, numa curva qualquer do grande rio que descia dos Andes, nosso coração.

Voando num pequeno avião perdido no vasto território das nuvens de fumaça da destruição, penso:

– Teremos nós (brasileiros) o direito de destruir de tal maneira a Natureza e o patrimônio da humanidade?

Cientistas provam: as queimadas são mais prejudiciais em terrenos sobrados – por facilitarem a erosão – do que em áreas planas. Mas os predadores nem isso sabem…

Iludem-se os que acham que o homem um dia reconstituirá tudo aquilo que hoje está sendo destruído: o fogo afasta toda e qualquer possibilidade de regeneração das florestas.

Parece mentira que se destrói a maior floresta tropical do mundo, na Amazônia, para plantar capim. Alias, todos esses “capins” que são plantados na Amazônia depois das queimadas são importados da África. O colonião,as braquiárias. Tudo vem de fora o que concorrerá ainda mais para alterar nosso meio ambiente, criando novas espécies de pragas e invasoras.

Com o fogo, o ecossistema inteiro fica comprometido. Destroem-se variedades do mundo animal, ninhos de pássaros, microfauna, microflora. Finalmente chegará a desertificação.

Até o húmus da terra é consumido, com temperaturas abrasadoras de centenas de graus ao nível do solo!

A lista dos dez mais da poluição

Durante os últimos dez anos eles mantiveram um recorde absoluto e nada invejável: foram os destacados campeões da poluição. Envenenaram rios, destruíram costas marítimas, empestearam o ar, contaminaram alimentos, sujaram as ruas, estragaram o solo, arrasaram florestas, mataram peixes, animais, pássaros e gente.

Além de agentes poluidores, são acima de tudo motivos de grandes lucros para quem os lança sem critério nem fiscalização sobre a frágil camada de vida que envolve o nosso (nosso?) planeta… Ei-los:

1. Dióxido de carbono – Esteve presente na combustão de todos os produtos carbonados, saindo de fábricas, indústrias, usinas elétricas e até aparelhos de aquecimento doméstico. A emanação crescente desse gás poderá contribuir para elevar a temperatura da superfície terrestre – e provocar catástrofes ecológicas e geoquímicas inimagináveis.

2. Monóxido de carbono – Resulta da combustão incompleta de materiais fósseis, tais como petróleo e carvão utilizados na metalúrgica, refinação, motores e combustão, etc. Mas é um gás venenoso, com capacidade para afetar completamente o equilíbrio térmico da estratosfera, caso continue em produção crescente.

3. Dióxido de enxofre – Provém de emanações fabris, veículos diversos, combustíveis domésticos etc. Geralmente está associado ao ácido sulfúrico. Ao poluir o ar, ataca árvores e plantas, agrava afecções respiratórias e chega a impregnar pedras calcáreas, tijolos, construções, até mesmo certos tecidos.

4. Óxido de nitrogênio – Deriva de todos os motores a explosão. Aviões a jato, fornos, incineradores, queimadas florestais – e também do emprego descontrolado de certos fertilizantes. Além, é óbvio, das grandes plantas industriais, É causador de grandes nevoeiros e afecções respiratórias.

5. Fosfatos – Encontram-se nos esgotos, mas têm sua origem em detergentes, defensivos e pesticidas. Estão presentes em todas as águas que escorrem de plantações excessivamente tratadas com fertilizantes químicos – e são muito comuns nas regiões onde se pratica a pecuária intensiva. É um dos grandes fatores de degradação das águas dos lagos e dos rios.

6. Mercúrio – Sai de baixo que este é violento! Origina-se basicamente nas indústrias de papel, nas fábricas de cloro – álcalis, de tintas e em todas as atividades petroquímicas, da mineração ao refino. Revela-se cada vez mais um forte contaminante de alimentos, principalmente peixes e crustáceos; perigosíssimo para o sistema nervoso humano.

7. Chumbo – Tem suas fontes principais nos aditivos antidetonantes da gasolina. Mas também se origina nos dejetos das indústrias petroquímicas, nos pesticidas e nas usinas de refinação de chumbo. É um terrível veneno que se acumula aos poucos no organismo, afetando as enzimas e prejudicando todo o metabolismo celular. Tem a capacidade de ficar armazenado – eternamente – nos sedimentos marinhos e na água doce.

8. Petróleo – O nosso velho conhecido ouro negro é considerado o sangue da sociedade de consumo, embora seja o fel que escorre das descargas e lavagens de navios – tanques petroleiros, dos acidentes das plataformas marítimas – e das próprias refinarias (e “pólos”) que hoje se espalham por todos os lados. Polui praias, asfixia rios, mata a vida aquática.

9. Pesticidas – Utilizados na agricultura de escala, são tóxicos ao escorrer para os rios e para o mar, matando peixes, crustáceos, animais e aves. Contaminando atualmente muitos dos alimentos absorvidos pelos homens e envenenando as pastagens para bovinos. Alguns pesticidas são comprovadamente cancerígenos. Outros acabam com insetos úteis, provocando desequilíbrio ecológico – e o aparecimento de novas e surpreendentes enfermidades.

10. – Radiações – Estão ligadas à utilização da energia nuclear, principalmente se voltada para fins bélicos. Pois é de se esperar que a energia nuclear para fins pacíficos venha a ser controlada por organismos competentes. Caso contrário poderá causar brutais malefícios orgânicos – e comprometer o próprio futuro genético da humanidade se usada acima de certas doses. Alem disso, os países que utilizarem a energia atômica indiscriminadamente, sem controle, poderão transformar-se em busca-pés atômicos em caso de guerra, pois se forem suspeitos de produzir artefatos nucleares certamente serão visados pelos foguetões de múltiplas ogivas atômicas…

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Paulo Ramos Derengoski, jornalista e sócio da ABI, é Diretor do Patrimônio Histórico de Lages, Santa Catarina, onde é radicado. É também membro do Conselho Curador da Empresa Brasileira de Comunicação-TV Brasil. Seu endereço: Caixa Postal 526, Cep 88.502-970, Lages, SC.