CPI das milícias é tema de debate na ABI


17/02/2009


                     José Reinaldo Marques

  Presidente Maurício Azêdo e Marcelo Freixo

Em sessão especial do Conselho Deliberativo da ABI, na tarde desta terça-feira, dia 17 de fevereiro, o Deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ) fez um balanço sobre a CPI das Milícias por ele presidida na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

A mesa que coordenou a sessão foi formada pelo Presidente da ABI, Maurício Azêdo, o Presidente do Conselho da Casa, Pery Cotta, o 1º Secretário Lênin Novaes e o convidado especial da reunião Deputado Marcelo Freixo. O encontro ocorreu na Sala Belisário de Souza, localizada no 7º andar da sede da ABI, que ficou lotada pela presença dos Conselheiros da entidade.

Indagado por um conselheiro se encontrou alguma dificuldade para a condução dos trabalhos da CPI, Marcelo Freixo fez questão de ressaltar a colaboração da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembléia Legislativa do Rio:
— A Alerj colaborou muito para a realização da CPI. Eu a considero atualmente o grande centro de debate político do Rio de Janeiro, superando inclusive a Câmara Municipal.

A CPI das Milícias foi aprovada em junho de 2008, e o fato que ajudou na sua materialização foi a violência sofrida por uma equipe de reportagem do jornal O Dia, torturada por milicianos em uma favela carioca. O caso chocou as autoridades e a sociedade de maneira geral, o que facilitou a tramitação da CPI, cujo relatório final levou 150 dias para ser concluído. O pedido para sua instalação foi apresentado pelo Deputado em fevereiro de 2007. 

Lênin Novaes, Pery Cotta e Deputado Marcelo Freixo

Poder paralelo

Marcelo Freixo disse aos Conselheiros da ABI que as milícias devem ser encaradas como organizações criminosas e por isso combatidas com firmeza pelo Estado:
— Milícia é crime, falar em milícia que deu certo é um debate ao qual eu me recuso a comentar. Eu não abro mão do estado de direito. Nenhum grupo criminoso pode substituir o Estado.

De acordo com Marcelo Freixo, o Estado não pode permitir que grupos criminosos assumam o que é da sua responsabilidade. Quando fez o pedido de instalação da CPI das Milícias, usou como justificativa o fato de que havia fortes indícios de que “o crime organizado dentro do poder público — dominando territórios, extorquindo moradores, monopolizando serviços e promovendo um assustador aumento de homicídios — já se tratava de maior ameaça ao estado democrático de direito”.

Marcelo Freixo expôs a gravidade da atuação das milícias no Rio de Janeiro que, em suas palavras, constitui “a maior ameaça ao estado de direito, pois agem dentro do poder constituído”:
— Esses criminosos estão no aparelho de segurança do Estado — diz Freixo. — Os milicianos quando dominam uma região mostram o distintivo e trazem o discurso da ordem, por isso o maior golpe que podem sofrer é serem desligados da polícia, pois perdem esse falso discurso.

Sobre a questão de que os milicianos constituem um poder paralelo, o Deputado rebateu:
— Não existe poder paralelo, o que acontece é que o crime está dentro do Poder Público disputando espaço. É a máquina pública servindo a interesses privados, declarou Marcelo Freixo. 

Estratégia de combate

Marcelo Freixo disse que 200 milicianos foram indiciados no relatório final da CPI das Milícias. E ressaltou a sua preocupação com a ação do Poder Público contra este tipo de crime que ele considera que ainda é muito tímida:
— Não há um planejamento muito claro, com prazos e metas a serem cumpridos. É possível enfrentá-los, mas, para tanto, tem que haver vontade política. E a pressão da sociedade civil é fundamental para que isso aconteça.

O Estado, segundo Freixo, abriu mão de sua soberania sobre diversas áreas da cidade, as deixando permissivas às “tiranias privadas e públicas”:
— O próprio discurso do Governador (Sérgio Cabral Filho) mostra que o aparato policial entra nessas áreas como se estivesse preparado para uma guerra, o que gera conseqüências muito graves. Hoje, o número de pessoas mortas a tiro no Rio de Janeiro constitui um genocídio, principalmente contra jovens negros e pobres. Nós precisamos repensar o conceito de cidade para retomar a lógica da ordem. 

Debate nacional

Para Marcelo Freixo, o debate sobre as milícias deve ser expandido a nível nacional, e não apenas ficar restrito ao Rio de Janeiro:
— Ninguém pode garantir que as milícias não existem em outras partes do País, pois a maioria dos outros Estados oferece as mesmas condições para que elas surjam, como a baixa remuneração dos policiais.

Dentre as iniciativas que o ajudaram a levar adiante a CPI das Milícias, Marcelo Freixo citou a criação do “Disque Milícia”. O Deputado falou também sobre a moralização da Alerj nos últimos anos:
— Há dois anos atrás, se eu dissesse que a Alerj ia cassar o mandato do Deputado Álvaro Lins e de duas deputadas envolvidas no esquema “bolsa-fraude”, ou que iríamos indiciar 200 pessoas no relatório final da CPI das Milícias, com certeza contestariam minha sanidade mental. Hoje, a Alerj é o centro político do Estado.

Maurício Azêdo, por sua vez, disse ser confortante o fato de a Alerj não ser mais um “centro de negócios escusos”, o mesmo não podendo ser dito sobre a Câmara Municipal que disse passar por um momento de “apagada e vil tristeza”, evocando versos de Camões. 

Imprensa

Marcelo Freixo criticou o comportamento dos meios de comunicação, dizendo que foram omissos ao tratarem o assunto, pois durante um bom tempo permaneceu na imprensa a idéia de que as milícias constituem um mal menor do que o tráfico de drogas, versão que ele contesta veementemente, dizendo que “onde tem milícia, tem lucro e morte”.

O Deputado, porém, enalteceu a atuação do jornal O DIA na total colaboração com a CPI das Milícias, sendo endossado pelo Presidente da ABI, Maurício Azêdo, ao término do encontro:
— Gostaria de homenagear o Deputado Marcelo Freixo, a quem conheci em solenidade ocorrida na OAB-RJ logo após a tortura sofrida pela equipe de O Dia na favela do Batan — disse Azêdo. — Na ocasião, nos causou muito boa impressão pela firmeza em sua exposição e pela disposição de ir a fundo, como realmente foi, neste caso das milícias no Rio de Janeiro. Também gostaria de homenagear a atuação dos jornalistas de O Dia e o excelente trabalho que o Alexandre Freeland está fazendo à frente do jornal, ao rodar uma edição corajosa denunciando a tortura sofrida por sua equipe na mencionada favela.