Tangerini indaga: qual o sabor de Minas?


27/01/2009


Em crônica publicada na edição de novembro do jornal O Trem, editado em Minas Gerais, o jornalista e escritor carioca *Nélson Tangerini manifestou interesse em saber de mineiros eminentes, como Afonso Romano de Santana e Fernando Brant, qual o sabor de Minas Gerais de que falava o escritor Fernando Sabino.

Tangerini procura a resposta após um relato que ouviu em Itabira da poetisa Amanda Fonseca Duarte acerca de uma visita de Fernando Sabino à sua casa. Compositor, fotógrafo e professor, Tangerini contou a história na crônica transcrita a seguir, publicada na edição de novembro passado pelo O Trem sob o título “Fernando Sabino”. Eis o texto:

“Quando visitei a terra de Carlos Drumond de Andrade pela primeira vez, fiquei conhecendo a poetisa Amanda Fonseca Duarte, até então com 80 anos de idade, de Itabira e de Minas Gerais.

Tão encantado fiquei com sua “prosa” e a poesia que passei a trocar correspondências com ela. Numa das cartas, ela enviou-me algumas poesias suas.

Quando voltei pela segunda vez a Itabira, fui visitá-la. Soube, então, que tinha livros de poesias publicados. Pediu-me, porém, segredo máximo, que não contasse a ninguém que ela era uma poetisa.

Foi na minha segunda ida à cidade de Drummond que Dona Amanda me contou um fato muito interessante, verídico, garantiu-me a itabirana, que acontecera certa vez com ela.

Um homem de terno preto, chapéu preto e óculos escuros subia lentamente a Rua Tiradentes, onde mora — e perto de onde morou o poeta. Apreciava, talvez, o casario espremido entre as novas e audaciosas construções que vão dando nova cara, menos mineira, à cidade do gauche itabirano.

Talvez tivesse frases prontas em sua mente — não frases dele, mas do poeta Itabira — para tudo o que via: “Minas não há mais”, “Itabira é apenas uma fotografia na parede”…

Dona Amanda, sentada numa cadeira, na calçada, como é de seu costume, o avistara desde quando ele dobrou a curva da rua e ela pode vê-lo envolvido em pensamentos e poesia.

Ela pensou: “O que Waldick Soriano estaria fazendo em Itabira?” Sim, foi isto mesmo o que pensou Dona Amanda, uma senhora muito divertida e espirituosa.

O homem de terno preto, chapéu preto e óculos escuros parou em frente à sua porta e ela pôde ver quem era o “claro enigma”.

Olharam-se por alguns instantes. E abriram sorrisos uma para o outro.
“A senhora me conhece?”, perguntou ele.
“Sim”, respondeu a itabirana, “o senhor é o Fernando Sabino”.
“Como a senhora me conhece?”, continuou.
“Leio seus livros e suas crônicas no jornal”, respondeu a poetisa.
“Sou mineiro”, prosseguiu ele.
“Eu sei”, disse Dona Amanda.
“A senhora poderia me fornecer um copo d’água?, perguntou o escritor.
“Pois não”, respondeu a bondosa senhora.
“Mas eu queria que a água não fosse gelada. E que fosse de filtro de barro. Quero sentir o sabor de Minas”, prosseguiu.
“Meu filtro é de barro”, respondeu a itabirana.
Nesse instante, Fernando Sabino olhou para dentro da casa e pediu permissão para entrar.
“Pois não”, disse Dona Amanda.

O escritor mineiro pediu licença e entrou. “A senhora permite que eu veja todos os cômodos?”
“Pois não”, disse a senhora, que foi lhe mostrando sala, quartos, cozinha, banheiro … Sabino, sempre muito educado, pedia licença e entrava.

Enquanto dialogava com o consagrado escritor, a poetisa pensava, intrigada: “Sabor de Minas Gerais…”

“É uma típica moradia mineira”, concluiu Sabino, depois de muito meditar.
Bebeu toda a água ofertada por Dona Amanda e lhe disse: “Que água gostosa! Tem sabor de Minas Gerais”.

O escritor agradeceu pela água, retirou-se e prosseguiu em sua caminhada em direção à casa onde morou Drummond.

E Dona Amanda Fonseca Duarte ficou a meditar: “Sabor de Minas Gerais…”

Também eu, apaixonado por Minas Gerais, estou agora a meditar sobre a frase de Fernando Sabino: “Que sabor terá Minas Gerais?”

Respondam-me, Affonso Romano de Sant’Anna, Fernando Brant, Milton Nascimento, Olavo Romano e Carlos Herculano Lopes.

Como os mineiros trabalham em silêncio, tal vez nunca respondam. Eles, sim, sabem o sabor de Minas Gerais tem. Mas jamais o dirão.” 

*Nelson Marzullo Tangerini, carioca, é escritor,
 jornalista, compositor, fotógrafo e professor.