Tania Carvalho: a vendedora de palavras


28/01/2010


Ela pode ser considerada a jornalista predileta de 10 entre 10 artistas das telenovelas e do teatro brasileiro. E não é para menos. Tania Carvalho soma em seu currículo a autoria de 12 biografias da Coleção Aplauso, publicada pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Entre elas estão as de Tony Ramos, Ney Latorraca, Aracy Balabanian e Tônia Carrero. E Tania lançou mais um livro da Coleção Aplauso este mês: ’Os Reis dos Musicais – Charles Möeller e Claudio Botelho’, que homenageia os 20 anos de trabalho da dupla na realização de espetáculos. 

— Escrever “Os Reis dos Musicais” aconteceu por uma proposta do Rubens Ewald Filho, que é o coordenador da coleção. Ele ama musicais, é da mesma cidade do Charles, coisas de santistas… Eu adorei a idéia, porque também adoro musicais e sou fã de carteirinha da dupla.

Camelô de ideias e textos

Nascida em Niterói, Tania Carvalho gosta de dizer que é carioca, porque desde os três anos de idade mora no Rio de Janeiro. Formada em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, ela define com bom humor a profissão que exerce há quase 40 anos e que a fez escrever 18 livros:
— Sempre brinquei que jornalista é um camelô de palavras, letras, ideias e textos. Depois de muitos anos de experiência em redações, assessorias de imprensa, mercado editorial e produção, hoje sou exatamente isso: uma vendedora de palavras. A quem interessar possa, escrevo livros, cartas de amor, memorandos, bulas de remédios, conteúdo para sites, roteiros para cinema e televisão e o que mais vier. Tudo ligado à palavra me interessa, me intriga, me desafia e me satisfaz.

Tania Carvalho começou a trabalhar no início da década de 70 na Revista Manchete. Em 1974 ganhou o prêmio Rondon de Jornalismo por uma reportagem realizada na Amazônia com jovens estudantes cariocas realizando trabalho voluntário na região. Ao sair da Manchete, Tania foi para um desafio totalmente diferente: trabalhar na gravadora cultural Discos Marcus Pereira, que fez o mapeamento musical do Brasil, gravou pela primeira vez Cartola e tirou do limbo o clarinetista Abel Ferreira, entre outros mestres do choro. Lá Tania fez de tudo: assessoria de imprensa, produção, foto de capa de disco. Segundo ela, “foram anos alegres e deles sobrou algo muito especial: uma música composta especialmente por Abel Ferreira para mim, a valsa Tania”.

Logo depois, voltou para o jornalismo e trabalhou em diversas publicações como Última Hora, Revista do Rock, Mais, Cláudia, Criativa, Desfile. E uma característica marcou essa trajetória: sempre fazia perfis de artistas. Acabou se tornando especialista no assunto.

— Posso dizer que entrevistei quase todos os ídolos da MPB, televisão e teatro ao longo deste tempo – Elis Regina, Tom Jobim, Fernanda Montenegro, Milton Nascimento, entre mais de 300, recorda.

Recordista em Leitura de Novelas

Em 1974, Tania Carvalho foi para a TV Globo para fazer pesquisa na novela Duas Vidas. Em 1977, passou a integrar a equipe pioneira do Departamento de Divulgação da emissora, que criou uma publicação semanal, parâmetro para todas as outras posteriores. E durante 14 anos, Tania conviveu diariamente com os mitos das telenovelas brasileiras. Em 1999, ela voltou para a TV Globo, escrevendo resumos de todas as novelas, que eram distribuídos para a imprensa, trabalho que realizou por quase dez anos.

— Gosto de dizer que podia concorrer a uma vaga no Guinness como a pessoa que mais leu capítulos de novela. Num cálculo por alto nesses anos todos, digamos que foram 20 mil capítulos, 800 mil páginas, se diverte.

Nas Asas do Correiro Aéreo

Lalo de Almeida

O avião stearman no Jalapão, uma das etapas do livro Nas asas do correio aéreo

E no currículo de Tania ainda consta produção e coordenação, entre 1995 e 1997, de dois congressos internacionais de dança de salão, numa parceria entre o Centro de Dança Jaime Arôxa e a JZ, empresa especializada em congressos.

Mas a palavra mais uma vez se fez mais forte na vida da jornalista. Assim, em 2001, ela se embrenhou pelo país a bordo de um monomotor, para refazer a rota dos pilotos do Correio Aéreo Nacional, o CAN, que nos anos 30 desbravaram o Brasil Central. Desta aventura, ao lado do piloto e coordenador Isio Bacaleinick e do fotógrafo Lalo de Almeida nasceu o livro Nas Asas do Correio Aéreo, lançado no final de 2002. E ela conta que foi um dos momentos mais emocionantes de sua carreira.

— Passei a maior parte da minha vida entrevistando famosos, por isso mesmo o que mais me tocou na minha carreira foi entrevistar anônimos, pessoas do povo, quando fiz a enorme pesquisa para esse meu primeiro livro. Entre dezenas de outros depoimentos o que mais me tocou foi de Seu Pedro do Correio, um homem do Brasil central, que andava centenas de quilômetros por mês para entregar cartas em regiões do Brasil Central que não eram alcançadas nem mesmo pelos aviões do CAN. Trecho do livro dedicado ao nosso personagem. Veja se não é fantástico? “Seu Pedro veio da roça e começou a trabalhar como estafeta em 1947, substituindo um tio que era funcionário dos Correios; mais tarde, com a morte do tio, em 1955, acabou ocupando definitivamente o posto. Por dezoito anos ele cumpriu a mesma rotina: duas vezes por mês andava seiscentos quilômetros para ir e voltar para Araguacema. No dia primeiro de cada mês, pegava a correspondência, quatro dias depois estava em Araguacema. “Parava 24 horas lá e já vinha de volta, chegando na minha casa lá pelo dia 12.” No dia 15, seu Pedro partia de novo para sua caminhada, retornando somente no dia 27. “Eu ia de pé. Quando a mala tinha menos de 20 quilos, eu carregava assim (faz o gesto de quem coloca um grande peso nas costas). Se fosse mais pesada, eu alugava um burro. Nos pés, me garantia com alpercatas de couro: era muita, muita pedra”. Nos trezentos quilômetros que separam Pedro Afonso de Araguacema, havia somente três casas, e o estafeta fazia o possível para conseguir pernoitar em uma delas, para não ser obrigado a dormir no mato. “Era tudo amigo, era uma vida sem precipícios. Se fosse hoje, não podia mais viajar assim.”

Biografa dos Famosos

Depois dessa primeira experiencia literária, Tania Carvalho não parou mais. Em 2003 lançou “Irene Ravache – Caçadora de Emoções”, primeiro livro da Coleção Aplauso. Depois disso, escreveu outras biografias como as de Paulo José, Tony Ramos, Ney Latorraca, Aracy Balabanian, Carlos Zara, Pedro Paulo Rangel, Betty Faria, Rosamaria Murtinho, entre outros. Mesmo a jornalista tendo se tornado amiga pessoal de todos eles, não houve um critério para filtrar as informações biográficas. 

— Prefiro dizer que não usei filtros. Sentei com eles, conversei por muitas e muitas horas e depois arrumei tudo isso para virar um livro. E cada um se mostrou do seu jeito, com sua própria linguagem, jeito de falar. Cada livro é único, assim como são únicas as pessoas. 

Ainda no ramo dos livros, através de sua empresa TC-TEXTOS, a jornalista faz trabalhos como ghost-writer, escreve biografias encomendadas e livros especializados, por exemplo, em administração pública. Em 2008, em um tempo recorde de 23 dias, fez especialmente para ABTRA o livro Histórias do Cais, em comemoração aos 200 anos de Abertura dos Portos.

E a versatilidade de Tania não para por aí: durante três anos foi debatedora do programa Sem Censura, comandado por Leda Nagle na TV-Brasil. Atualmente, faz parte do grupo de criação Empoeirados, especializado em escrever roteiros para cinema e televisão. E escrever uma novela? Tania dá boas risadas e desconversa:

— Imagina! Quarenta páginas por dia de ficção. Só na próxima encarnação, quem sabe!

Quantos livros mais Tania Carvalho vai lançar e quais são seus planos literários são questões que ela escapa de uma resposta direta e argumenta:
— Definitivamente, eu não faço literatura. Isso é para o coleguinha Miguel Sousa Tavares e seu incrível “Equador” (o livro que amaria ter escrito) e tantos outros maravilhosos escritores. Sou apenas uma jornalista exercitando a sua profissão em livros… Se antes escrevia 20 laudas para um perfil de revista, hoje escrevo 150. Mas continuo igualzinha: curiosa, atenta e uma boa ouvinte… Não são essas características dos jornalistas? — finaliza.