O resgate dos 1004 da lista do Vladimir Herzog


04/02/2021


O resgate dos 1004 da lista do Herzog

Por Norma Couri, diretora de Inclusão Social, Mulher e Diversidade da ABI

Esta é a história da lista completa dos 1004 jornalistas que contestaram a conclusão do inquérito Policial Militar instaurado em novembro de 1975 para apurar o “suicídio” de Vladimir Herzog dia 25 desse mesmo mês. Começou com a reedição do livro Dossiê Herzog: Prisão, Tortura e Morte no Brasil, publicado em 1979 por Fernando Pacheco Jordão O livro não só inclui a lista publicada como matéria paga n’O Estado de São Paulo em 1976 como é dedicado aos 1004 signatários. Víuva de Fernando, Fátima Pacheco Jordão, em parceria com o Instituto Vladimir Herzog,  pediu a Mauro Malin e Cristina Konder para coordenar a 7a edição do livro para sair agora, 45 anos depois da morte de Herzog. Os dois jorna listas levaram 8 meses para apurar os nomes, acrescentar alguns que haviam sido esquecidos na publicação das primeiras reproduções e pedir um breve depoimento sobre o momento em cada pessoa assinou a lista.

Foi uma volta aos escombros da ditadura, do medo das represálias, do perigo da exposição que só sabe quem viveu aqueles anos obscuros. Revelou  a coragem extrema  de todos. O maior cronista de gastronomia do Rio de Janeiro, por exemplo, assinou o nome completo que muita gente desconhecia, Roberto Marinho de Azevedo Neto, famoso como Apicius pela coluna no Jornal do Brasil. Zuenir Ventura assinou o nome todo, Zuenir Carlos Ventura Algumas pessoas se escudaram no sobrenome menos divulgado. Belisa Ribeiro assinou Belisa Contino.

Na busca pelas identidades muita gente se perdeu porque em 1976 não havia Internet e a localização foi para o espaço, Sem contar com os cerca de 200 que já morreram. O trabalho de busca teve de ser um a um, na unha,  Algumas pessoas  haviam mudado não só a identidade e o registro civil mas a profissão: um deles passou de jornalista a pregador evangélico. Luis Paulo Cunha escreveu um ensaio contextualizando a mídia e os jornais parceiros da ditadura, o que tornava impossível colher as assinaturas. O que acabou constando da ficha policial de muito jornalista  como Vilma Amaro relatou ao retornar do exílio entre o Chile e a  Venezuela.. Para João Guilherme Vargas Neto foi mesmo um ato de coragem integrar o documento que permitia rastrear os  inimigos da ditadura. Pelos relatos, Mauro Malin e Cristina Konder descobriram os riscos. Carlos Fehlberg, signatário, havia s ido secretário do presidente Médici durante quatro anos, e Carmem Coaracy era setorista do Superior Tribunal Militar na sucursal de Brasilia.

Na época, 201 mulheres assinaram, Dorrit Harazim, Judith Patarra, Eliana Cantanhede, Lilian Newlands, Heloneida Studart,enée Caelo Branco, Regina Echeverria e Laerte Coutinho, se o contarmos hoje no gênero feminino que assumiu. Cartunistas como Chico Caruso, Jaguar, Henfil, Mollica, Nani. Jornalistas famosos como Alberto Dines, Carlos Castelo Branco e dois ex-presidentes da Associação Brasileira da Imprensa assinam a lista: Maurício Azedo e Prudente de Morais Neto. Assim como  José Castelo, Miguel Jorge, Mino Carta,  Augusto Nunes,  Marcos Sá Corrêa, Moisés Rabinovici, Ignacio de Loyola, Juca Kfouri, Eric Nepomuceno , Roberto Pompeu de Toledo.

E algumas surpresas: Olavo de Carvalho está entre os signatários, na época ligado a José Dirceu. Rui Mesquita Filho assinou. E Jean Claude Bernadet e Mário Quintana, ambos trabalhando em jornal. Mario Marona ,que era estudante no Rio Grande do Sul vivendo na época o choque dos trotskistas com os comunistas, enviou uma foto dele, com Mario Quintana e o editor do jornal.

Paulo Markum, Diléia Frates, Marco Antonio Rocha, Luis Weiss, Sergio Gomes não puderam assinar porque estavam presos ou respondendo a inquérito. Como Rodolfo Konder e Maria Inês Duque Estrada. Pelo mesmo motivo, a diretoria do Sindicato se absteve.  Mas alguns estão enviando depoimentos para constar no livro de Fernando Pacheco Jordão.

Mauro Malin e Cristina Konder acreditam ter resgatado 70 páginas de depoimentos, que, na lista divulgada ontem, dia 3 de fevereiro, podem ser lidos com um simples toque nos nomes grafados em azul. Um belo trabalho do resgate da coragem  e fibra da profissão. Vale a pena aguardar o livro.