O nosso adeus ao mestre Ricardo Azoury


04/07/2022


Fotógrafo profissional desde 1977, Ricardo Azoury faleceu neste fim de semana em Petrópolis, no Rio de Janeiro, após um acidente de carro na entrada de Itaipava.

Ricardo Azoury, aborda intimamente o Brasil desde 1977, seja fotografando para as mais importantes publicações, seja, mais recentemente, filmando documentários.

Fundou, no inicio do anos 80 a emblemática agência fotográfica F4, marco do foto jornalismo independente brasileiro. Representado por ela, publicou nas mais reputadas revistas e jornais, no Brasil e no Mundo, tais como Geo, Newsweek, New York Times, L’Express, Fortune e Scientific America.

Ricardo Azoury (à esquerda) e a turma da F4/ Foto: Juca Martins

Com formação em Belas Artes pela UFRJ, teve suas imagens expostas em coletivas ou individuais no Rio, na galeria fotográfica Funarte e no Centro Cultural Banco do Brasil; e, em São Paulo no Itau Cultural, Fundação Bienal, Museu da Imagem e do Som e faz parte do acerto da Coleção Pirelli do MASP.

Em 2005 , participou da coletiva Viagem aos Brasis, no Carreau du Temple (Paris).

Entre 2010 e 2014, fotografou e dirigiu diversos webdocs para o site Brazil in Focus, e o média-metragem Montanhas da Amazônia sobre as expedições de biólogos do Jardim Botânico RJ. Em 2017 fez sua estreia como diretor em TV com a série documental: Arqueologias – em busca dos primeiros brasileiros.

A ABI se solidariza com todos os seus familiares e amigos.

Ricardo Azoury; o novato que não se acovardou

Por Marcelo Auler, conselheiro da ABI

Em 1977, o jovem Ricardo Azoury (1956) iniciava-se como repórter fotográfico após freqüentar um cursinho da Revista Manchete. Eu, com três anos de profissão, continuava um estagiário naquela redação mesclada de profissionais competentes assim como de pessoas sisudas… Mas ali vivenciamos um belo aprendizado.

No Espírito Santo o então governador biônico Elcio Álvares, decidiu enfrentar o ecologista Augusto Ruschi (1915/1986) e pensou em lhe tomar a Estação Biológica de Santa Lúcia, pra ali instalar uma fábrica de palmito. Tratava-se de uma área de 279 hectares com que Ruschi mantinha íntima relação desde pelo menos 1930 para estudos e pesquisas de flora e fauna. Ali havia 600 mil orquídeas, 20 mil árvores e 320 espécies de animais, e os beija-flores, dos quais o biólogo era um especialista.

Na defesa do Parque nas mãos do professor da UFRJ seguiram para Santa Tereza (ES) algumas caravanas de estados diferentes. Eu e Azoury cobrimos a preparação de uma que sairia do Rio, freqüentando reuniões noturnas bastante chatas. A princípio fomos avisados que a ida ao Espírito Santo com as caravanas ficaria a cargo de outra equipe.

Na hora H, porém, decidiram que eu iria e me mandaram escolher outro fotógrafo. Temiam encarregar um novato da missão e ele não dar conta do recado. Preferi consultá-lo, lembrando que ele poderia estar colocando em risco o emprego, mas Azoury foi claro: “se é para testar, testem logo. Se for para demitir, demitam logo”. Eu então defendi sua ida comigo, o que prevaleceu.

Ao sairmos, provoquei o então editor-chefe da revista, Roberto Muggiati, perguntando qual a foto que ele queria para a abertura da matéria (página dupla). Ele então desenhou um homem de perfil recebendo com um beija-flor lhe beijando os lábios. Azoury, por óbvio, ficou preocupado.

No nosso encontro com Ruschi eu expus o problema: “professor, o emprego deste rapaz está em jogo”. Ele, imediatamente, acalmou-nos. Isso é fácil.

Na verdade, foi bastante trabalhoso, pois precisávamos recolher os potes com água doce que ficavam em torno da casa principal, deixando apenas um em um viveiro. Alia aprendíamos as aves. Depois de fechá-las no viveiro, retirávamos o pote com água lá de dentro e recolocávamos todos os de fora.

Ruschi entrava naquela enorme gaiola, tendo na boca uma pequena cápsula, em cuja ponta estava um bico de plástico igual aos dos potes. Ali as aves iam adoçar a boca, buscando a água com açúcar.

Não satisfeito com o equipamento de Azoury, Ruschi resmungou muito e foi na sua residência buscar um flash mais potente, para garantir a qualidade final do material. Repetimos toda a operação. Coube-me segurar o Flash maior que não se adaptava à máquina. Ali, oficialmente, Azoury me promoveu a seu “flasheiro”.

A foto, como não podia deixar de ser, fez sucesso e Azoury permaneceu na Manchete muito mais tempo do que eu, demitido em julho de 1978.

Vá em paz, querido Azoury. Obrigado por termos convivido ainda que muito menos do que eu gostaria, pois nossas vidas profissionais nos separaram.

Um beijo, garoto.