Helio Fernandes morre aos 100 anos


10/03/2021


Helio Fernandes FOTO: Ana Helena Tavares

Jornalista desde a adolescência, Helio Fernandes foi proprietário da “Tribuna da Imprensa”, e um dos jornalistas mais perseguidos pela ditadura militar. Ele tem duas datas de nascimento: 17 de outubro de 1920 e 11 de janeiro de 1921. Faleceu por volta das 3 horas da madrugada, de causas naturais, segundo informações da família.

O presidente da ABI, Paulo Jerônimo, lamenta a morte do sócio mais antigo da ABI

“Com  mais de 80 anos de atividade profissional e cem anos de idade, Helio Fernandes era o sócio mais antigo da ABI. Testemunha da  história do Brasil, era conhecido pelo estilo combativo de fazer jornalismo. Nos últimos anos, mesmo longe das redações, Hélio não abandonou o  instinto de notícia e a capacidade de análise crítica, expressos  em seus artigos nas redes sociais.   Descanse em paz”.

Hélio Fernandes recebe vacina (FOTO: Ana Carolina Fernandes)

Por Ana Tavares, jornalista, membro da Comissão da Diretoria de Assistência Social

Na madrugada desta quarta-feira, 10 de março, faleceu de causas naturais, aos 100 anos, o jornalista Hélio Fernandes. Ele morreu “sereno e em paz”, segundo a filha Ana Carolina. Hélio, que por décadas comandou a Tribuna da Imprensa, era sócio da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) desde 1968 e exerceu até o fim a função de repórter, usando, para isso, um site e as redes sociais.

Apaixonado pela profissão, “esse homem mereceria um velório na ABI”, como comentou, num grupo de zap, o jornalista Luiz Carlos Taveira, membro do Conselho Deliberativo. Infelizmente, devido à pandemia, isso não será possível. O velório será uma cerimônia rápida, reservada à família e amigos próximos, a ser realizada nesta quarta, dia 11. O corpo será cremado, atendendo a seu desejo.

Hélio teve longevidade tanto na vida quanto no jornalismo, pois iniciou na profissão muito cedo. Aos 13 anos começou a trabalhar na revista O Cruzeiro, permanecendo ali até os 16 e tendo como companheiro de trabalho seu irmão Millôr Fernandes. Depois, foi chefiar a seção de esportes do Diário Carioca e, em seguida, dirigiu a revista Manchete.

Cobriu a Assembleia Constituinte de 1946. Ali conheceu o jornalista Carlos Lacerda de quem ficou muito próximo. Durante a campanha de Juscelino Kubistheck à presidência da República, em 1955, Hélio foi seu assessor de imprensa. Por conta disso, viajou o mundo e costumava contar que, nessa época, “conheceu reis e rainhas”. No entanto, logo que JK foi eleito, Hélio partiu para a oposição. Em parte, porque discordou da construção de Brasília e da mudança da capital para lá.

A Tribuna da Imprensa, jornal fundado por Carlos Lacerda, foi para as mãos de Hélio a partir de 1962. Sempre controverso e sem medo de colecionar desafetos, ele foi preso pela primeira vez em 1963, durante o governo João Goulart por ordem do general Jair Dantas Ribeiro, então ministro da Guerra. Nesse caso, após 11 dias preso, foi liberado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sendo o único jornalista até hoje julgado pelo STF estando presente no julgamento.

Em 1966, redigiu um manifesto por uma frente ampla, idealizada por Juscelino, Lacerda e João Goulart. No mesmo ano, porém, Hélio teve os direitos políticos cassados e teve interrompida sua candidatura a deputado pelo então Movimento Democrático Brasileiro (MDB).

Após o AI-5, Hélio foi preso em várias ocasiões, estando, sem dúvida, entre os jornalistas mais vezes preso na história do Brasil As prisões incluíram períodos de desterro na ilha de Fernando de Noronha e confinamento em Pirassununga/SP. Sobre este último, foi lançado em janeiro de 2021 o documentário “Confinado”, disponível no Youtube.

Ao longo dos anos 1970, a Tribuna sofreu inúmeras intervenções, apreensões de material impresso e foi muito censurada, mas Hélio não aceitava negociar com os censores. É o que nos mostra, por exemplo, a fala do general Hugo Abreu, que foi ministro de Geisel, registrada em seu livro de memórias ”O outro lado do poder”. Perguntado por que a Tribuna foi censurada Abreu responde: “ah, bom, porque eu não consegui falar nunca com o jornalista Hélio Fernandes. Eu telefonava e ele mandava dizer que não estava. Uma vez eu telefonei e ele mandou um recado perguntando se eu podia telefonar dentro de cinco anos”.

Em 1981, a tradicional sede da Tribuna na rua do Lavradio foi alvo de atentado à bomba. Mesmo assim, a exemplo do que ocorreu outras vezes, Hélio conseguiu rodar o jornal e o colocou para circular no dia seguinte. É possível, portanto, dizer muita coisa de Hélio Fernandes, mas não se pode deixar de dizer que foi incansável.

A seguir, depoimento do jornalista e ex-conselheiro da ABI, Daniel Mazola, muito amigo de Hélio:

“Helio Fernandes é um monumento à liberdade de imprensa, fez do jornal Tribuna da Imprensa sua trincheira das lutas democráticas e de resistência ao regime totalitário. Foi preso e excluído da cidadania, mas ressurgiu ainda mais altivo, destemido e incansável, merecendo a definição de jornalista catedrático da democracia brasileira. Está ao lado de grandes nomes como Gonçalves Ledo, Líbero Badaró, Frei Caneca, Barbosa Lima Sobrinho, Ruy Barbosa e José do Patrocínio. Helio Fernandes sempre tratou a informação de forma crítica e independente, expondo e debatendo todas as mazelas do sistema. Assim como o mestre, entendo que só com direito a informação plural e diversa, poderemos propor e construir uma democracia real e um verdadeiro projeto de nação. Tive o prazer de conhecê-lo e a honra de editar seus artigos por quase 2 anos. Mestre Helio, você foi gigante! Meus sinceros sentimentos à família e um forte abraço nos três filhos, Isabela, Carolina e Bruno, e dois netos, Felipe e Leticia. Helio Fernandes Presente!”