Jornalistas depõem sobre Raul Ryff


16/09/2011


“Ele foi um excelente colega e amigo na Redação da Pesquisa do JB”, diz Argemiro Ferreira, que foi editor do semanário Opinião por indicação de Raul Ryff, cujo centenário a ABI comemorou em ato realizado no dia 11 deste mês. Também depuseram sobre Ryff os jornalistas Romildo Guerrante e Leda Nagle, seus companheiros no Jornal do Brasil.
 
Eis os depoimentos:
 
De Argemiro Ferreira: “Ele foi um excelente colega e amigo na Redação da Pesquisa do JB (lá estive, trabalhando ao lado dele, durante dois periodos, pois saí no final de 1968 para trabalhar na “Manchete”, e voltei mais de um ano depois). E também nos víamos (na praia, por exemplo) fora do JB.

Com ele vivi um episódio importante da minha vida – o que me levou a aceitar o convite para ser editor-chefe do semanário “Opinião”, no lugar de Raimundo Pereira. Ryff foi ligado ao ex-deputado Rubens Paiva e ao Fernando Gasparian, criador do jornal. Apresentou-me aos dois – um na praia, não muito tempo antes de Paiva ser assassinado pelo regime militar; o outro, na própria redação do JB, onde trabalhávamos.

Mais tarde, ante uma crise que ameaçava a sobrevivência de “Opinião”, Ryff sugeriu meu nome ao Gasparian, para ajudar a salvar o jornal, então o único de oposição à ditadura. Foi em fevereiro de 1975. Troquei o JB pelo “Opinião”, onde eu ficaria um ano e meio. 

Não voltei mais ao JB depois disso. Durante algum tempo nos encontrávamos muito na praia (eu morava em Ipanema, altura de Barão da Torre com Montenegro (hoje Vinícius) onde eu morava; ou então no início do Leblon, junto ao Jardim de Alá, onde ele morava (Rubens Paiva tinha casa na praia ali perto e às vezes os dois caminhavam juntos rumo ao Arpoador).

Mesmo depois de ter deixado o JB pela segunda vez, continuamos amigos – e eu fui um dos entrevistadores dele para reportagem publicada no “Pasquim” – entrevista feita, se não me engano, na casa do Ziraldo. Acho que o Ryff fez questão da minha presença, o que me deixou muito feliz.

A memória dele era ótima, contava muitas histórias. Minha lembrança é de que foi excelente entrevista. Ele estava de bom humor e parecia ter gostado. Infelizmente não tenho mais a entrevista em meus arquivos (gostaria de uma cópia, caso a Maysa possa conseguir). Ryff fez boas revelações, algumas divertidas, cobrindo o período iniciado em 1935 – e até antes.

Uma das revelações pitorescas: o pai dele, ao vir para o Brasil (Rio Grande do Sul), fez questão de tornar-se totalmente brasileiro – e até de deixar de lado a língua que falava antes na Suiça. Por isso, lamentava Ryff, ele próprio só aprenderia francês bem mais tarde. O português era a única língua falada em casa.

Outra: Ryff nunca pertencera formalmente ao PC. E como nunca entrou, disse, também nunca saiu. Mas certamente foi aliado às posições do partido em 1935. Alguma coisa pode estar no livro publicado por ele poseriormente, mas ali limitava-se mais ao tema a que se propôs, “O fazendeiro Jango no poder” (guardo com orgulho um exemplar, com dedicatório carinhosa).

Infelizmente estivemos distantes nos seus últimos anos, embora eu tenha trabalhado brevemente com o filho dele na TVE. Eu também tinha grande admiração pela mulher dele, Beatriz Bandeira Ryff, que só conheci brevemente. Ouvi histórias fascinantes sobre ela, contadas por ele – inclusive sobre sua atuação combativa, quando esteve presa depois do golpe de 1935 (Graciliano Ramos falou dela nas Memórias do Cárcere).”

De Romildo Guerrante: “Conheci o Raul Ryff em circunstâncias especialíssimas. Fui trabalhar no Banco do Brasil em Goiânia,em 1962. Dois anos depois, tendo entrado no ativismo sindical na turbulência que precedeu o golpe de 64, virei diretor social do Sindicato dos Bancários, a convite do presidente Haelmo Hass Gonçalves, uma das figuras mais carismáticas entre os líderes bancários. Com o golpe, o sindicato foi fechado, houve tempo apenas para esconder alguns livros. Um dia, o Haelmo (que suponho viva em Belém) me chamou para irmos toda a diretoria visitar os líderes bancários que estavam refugiados na Embaixada da Iugoslávia, em Brasília. Eu fui cheio de medo, Haelmo parecia nada temer (foi preso poucos meses depois, quando eu já estava de volta ao Rio, se não me engana a terrível memória). Lá na Embaixada, tive a alegria de não só ser apresentado ao Ryff, como ao Almino Afonso,o ministro de Jango que mais admirava. O monolito deu alguns giros e eu voltei a encontrar o Ryff no JB, pouco mais de 20 anos depois, quando retornei ao jornal pelas mãos do gaúcho Lutero Soares, depois de bater cabeça em muitas assessorias. A lembrança do Ryff é muito gostosa Quando tinha alguma dúvida, ia lá na Internacional para ouvi-lo. Tinha enorme paciência e todo o tempo do mundo para explicar o que quer que fosse. Figura das mais fantásticas da nossa história comum no JB. Merece todas as homenagens.”
 

De Leda Nagle:
“Conheci o Ryff no meu primeiro dia de estágio no Jornal do Brasil, na Avenida Rio Branco, no começo dos anos 70.  Não era só o primeiro dia como estagiária.  Era a primeira vez que vinha ao Rio de Janeiro pra ficar mais de 24 horas. Era o meu sonho: conhecer o Jornal do Brasil. Era a primeira vez que eu entrava numa redação de um jornal de verdade. Jornal grande, como a gente falava lá em Juiz de Fora, de onde eu vinha. Nenhum jornalista, no dia-a-dia de uma Redação, presta atenção a uma estagiária. Comigo também foi assim. Me mandaram sair com o primeiro repórter que apareceu .  Apavorada, perdida, com vergonha, me achando a pessoa mais cafona do mundo, coração aos pulos, fui e voltei sem entender quase nada. Foi aí que ele me apareceu. Lindo, bochechas rosadas, bigodes fartos e cabelos brancos. Foi a primeira pessoa que falou comigo prestando atenção em mim. Olhando pra mim. Me mostrou o Departamento de Pesquisa, me chamou pra almoçar. Daquele dia até o último dia do estágio, encontrar Raul Ryff, conversar com ele, ouvir suas histórias, receber seus sorrisos e seus conselhos foram as melhores coisas que me aconteceram naquela temporada. Voltei pra Minas e quando retornei ao Rio para trabalhar mesmo encontrei várias vezes o Ryff.  Sempre o mesmo querido Ryff, com seu sorriso generoso, seu olhar carinhoso e suas histórias deliciosas. Raul Ryff, uma saudade gigante, uma doce lembrança.”
 

De Sílvio Ferraz:
“Se hoje tivéssemos homens com seu caráter e ética, o país e nós todos estaríamos muito melhor.”