Griô: a importância da memória


05/12/2023


Por Tiago Pestana, historiador, integra a Diretoria de Igualdade Étnico-Racial da ABI

O jornalista Rubem Confete, o griô, como foi referenciado no Acervo Jornalista Gustavo de Lacerda, lançado pela ABI, em parceria com a PUC-Rio, nos traz a experiência de vida e simplicidade de uma grande carreira, repleta de dificuldades, lutas e conquistas, como ele mesmo expressou: “A vida é uma festa e a festa é nossa!”.

A palavra griô traz muitos significados, você conhece sua origem? Quem eram eles e quais funções exerciam?

Griô, palavra que remete aos que guardam a memória dos acontecimentos, tal como, os significados e valores que devem ser cultivados para a compreensão da vida. No Brasil, os povos trazidos do continente africano, foram responsáveis, por meio da tradição oral e da ressignificação das histórias de seus antepassados, por recriar a memória de seu povo. Através da oralidade, foi possível a perpetuação dos costumes africanos, fornecidos por diferentes grupos, mesmo diante de condições adversas instituídas pela experiência traumática da escravidão. Neste sentido, a palavra griô significa, também, a função do indivíduo na sociedade, poderemos observá-la, em um dos seus significados no passado, na vida de Dūgā, um griô do Mali que viveu no século XIV.
Um peregrino marroquino viajou ao Império do Mali, entre os anos de 1352-1353, de nome Ibn Battuta, adentrou a prestigiosa capital do Império, Niane, e teve a oportunidade de conhecer Dūgā, o griô da Corte do Mansa Sulayman, governante, naquele tempo.

Dūgā foi descrito como um homem muito rico, vestindo roupas feitas de seda fina (zardajāna), um turbante muito bem adornado, equipado com um sabre que descansava em uma bainha feita de ouro. Além disso, o griô, prestava a função de intérprete do governante, sendo o único, em audiências, que tinha a permissão de falar diretamente com ele.

Os laços entre os clãs de griôs e governantes no Mali eram de profunda aliança e confiança. A prática de mentir era muito mal vista por aquela sociedade, pois a memória era tida como sagrada, assim como, era utilizada como mecanismo de resolução de disputas. O griô era a voz do passado e o juiz do presente, apoiado na tradição. Um griô, recebia de seu clã, múltiplos ensinamentos através de histórias e palavras de sabedoria.

Cumpridor de sua posição social, Dūgā, sentava-se em uma cadeira alta, lugar em que seu instrumento o aguardava, o balafo (comumente utilizado entre os griots). Ele, então, cantava poemas, contando ao som do balafo, a história dos clãs e seus feitos de batalha, fornecendo a experiência do passado para os ouvintes presentes.

A resistência da prática da função, permitiu que a tradição dos griôs sobrevivesse a grandes adversidades, durante penosos séculos, sendo constantemente ressignificada, praticada por griôs e griotes, mulheres. Como expressou o griô maliano Sotigui Kouyaté:

“Eu sou um “griot”, antes de qualquer coisa, e o “griot” é a memória do continente africano. Da parte da África do Oeste é a biblioteca e é, também, o guardião das tradições e dos costumes, encarregado da organização de todas as cerimônias. Ninguém se torna “griot”. Nasce-se “griot”. É de pai para filho. Mas há também as “griotes”, as mulheres. São muito poderosas. Quando elas estão, os homens se calam” – disse Kouyaté.

Conhecer um pouco sobre o griot Dūgā, ou mesmo, as situações presenciadas por Ibn Battuta, são marcos históricos da África Ocidental que devem ser, cada vez mais, explorados e compreendidos, pois, apesar do longo apagamento e negação da sua história, perpetuaram-se na sociedade e na cultura, apresentando-se, no presente, como chaves para a compreensão do passado.

“A vida é uma festa e a festa é nossa!” – Rubem Confete.