Jornalistas LGBTQIA+ e a urgente descolonização do jornalismo


17/05/2024


A propósito do Dia Internacional pela Luta Contra a Homofobia, a Diretoria de Mulheres e LGBTQIA+ da ABI convidou o jornalista e professor da ESPM-SP, Francisco de Assis para escrever um artigo sobre a atuação de jornalistas LGBTQIA+ no jornalismo.

Como profissional de mídia e ativista do movimento, Assis destaca, dentro do jornalismo, o que chama de “comunidade de combate” – uma ação que “desestabiliza as formas tradicionais e faz ver os vícios resultantes de rotinas produtivas controladas e permeadas por constrangimentos”. Enfim, uma troca que fortalece “o bom jornalismo”.

JORNALISTAS LGBTQIA+ E A URGENTE DESCOLONIZAÇÃO DO JORNALISMO

Por Francisco de Assis (jornalista e professor da ESPM-SP)

O Dia Internacional Contra a LGBTfobia – celebrado em 17 de maio, data em que a homossexualidade foi retirada da lista de doenças classificadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1990 – é efeméride que remete à luta da população LGBTQIA+ contra as violências a que está cotidianamente sujeita, inclusive as de natureza simbólica, expressas em discursos circulantes no meio social, muitos dos quais endossados pela imprensa. Para jornalistas que pertencem a esse grupo, as implicações de sua identidade de gênero e/ou orientação sexual no trabalho que desempenham resultam em uma série de enfrentamentos, e o principal deles talvez seja o desafio de descolonizar os modos tradicionais de produção jornalística.

A mídia – especialmente a hegemônica – se estrutura em parâmetros que não raramente excluem ou invisibilizam experiências alheias aos padrões normativos. Raramente encontramos, por exemplo, matérias que façam uso de linguagem inclusiva (também chamada de linguagem neutra) para se referir a pessoas que não se enquadram na forma binária masculino/feminino. Ou, ainda, pouco vemos de esforço para ultrapassar as regras gramaticais que estabelecem status prevalente ao masculino.

A questão, no entanto, vai além e se estende a percalços na própria atividade da categoria, no âmbito da qual é comum que suas subjetividades sejam desconsideradas ou, pior, sejam reconhecidas apenas como uma espécie de “cumprimento de cota”, a fim de dar às empresas uma feição de lugar aberto às diversidades.

Um jornalismo que respeita as LGBTQIA+, fora e dentro das redações, precisa necessariamente ser descolonizado, rever esquemas antigos e restritos. E isso só se faz com ações afirmativas, batalhadas, evidentemente, por quem tem lugar de fala. Costumo dizer que jornalistas LGBTQIA+ formam uma comunidade de combate, e isso é bom para o jornalismo. É bom porque sua atuação desestabiliza as formas tradicionais e faz ver os vícios resultantes de rotinas produtivas controladas e permeadas por constrangimentos; é bom porque denuncia preconceitos e assédios, por vezes normalizados, que atingem seu mundo do trabalho; é bom porque permite a uma parcela sub-representada da sociedade se identificar com os mediadores da informação de atualidade; é bom porque incentiva a desconstrução de padrões estereotipados (como modos de escrever, falar e se apresentar); é bom, enfim, porque reforça a responsabilidade da profissão com a dignidade e os direitos fundamentais, os quais devem ser extensivos a todes.

Descolonizar o jornalismo é uma demanda urgente, principalmente se quisermos mantê-lo como atividade distinta por seu caráter social e atenta ao espírito da época. Respeitar, estimular e voltar a atenção à presença das LGBTQIA+ em seus espaços ajuda a resguardar o que o campo pode oferecer de melhor.