“A Revolta da Chibata” encenada na ABI


18/11/2010


A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) celebra o centenário da Revolta da Chibata apresentando o espetáculo “João Cândido do Brasil — A Revolta da Chibata”, de César Vieira, com o grupo Teatro Popular União e Olho Vivo (TUOV), dirigido pelo autor, que conduzirá, no Auditório Oscar Guanabarino, as homenagens ao filho do líder da rebelião, Adalberto Cândido , funcionário da ABI há mais de cinco décadas; à Maurício Azêdo, Presidente da ABI; Wadih Damous, Presidente da OAB-RJ; Marco Morel, historiador; Joel Rufino dos Santos, historiador, professor e escritor; Sergio Mamberti, Presidente da Funarte;  CTO(Centro de Teatro do Oprimido), UMNA(Unidade de Mobilização pela Anistia), UNE(União Nacional dos Estudantes), Grupo Tortura Nunca Mais, e ao MODAC(Movimento Democrático pela Anistia). A entrada é franca.
 
Segundo César Vieira, um dos fundadores do TUOV, a ideia de realizar o espetáculo na ABI surgiu durante uma conversa com Maurício Azêdo:
—A ABI, que é a Casa dos Jornalistas do Brasil, representa toda a luta do povo brasileiro em busca de uma sociedade igualitária e livre. É uma honra nos apresentarmos na Casa da Resistência Democrática, e, na mesma ocasião, homenagear entidades e personalidades que marcaram com suas atitudes a busca pela redemocratização do Brasil. Foi de uma conversa com o Presidente Maurício Azêdo que o projeto brotou. Conheço Maurício Azêdo há muitos anos, de suas atividades de resistência à ditadura e suas qualidades de luta.
 
Sobre o TUOV, César Vieira explica que o objetivo principal do grupo teatral é a troca de experiências culturais com o público das camadas populares da Grande São Paulo:
—Já realizamos cerca de 3,5 mil apresentações para um público de quase quatro milhões de pessoas. Os espetáculos sempre foram encenados nas ruas, praças, igrejas, e clubes de futebol de várzea, visando à troca com a população marginalizada, e para colocar no palco o homem brasileiro comum. O grupo já representou o Brasil em 16 festivais internacionais de teatro, percorreu 28 países da América, África e Europa, e recebeu os mais importantes prêmios da cultura nacional e internacional.
 
A fundação do TUOV data ao ano de 1966, quando jovens da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo decidiram discutir os problemas da cultura nacional:
—Nosso objetivo era norteado, principalmente, pelo fato de as artes estarem totalmente fora do alcance do público popular. Assim foi fundado o TUOV, que, pelas suas atividades, pode ser considerado uma utopia que deu certo, diz o fundador, que destaca a atuação do grupo teatral durante a ditadura militar:
—Fui advogado de cerca de 800 cidadãos brasileiros vítimas da ditadura, entre os quais, Luis Inácio Lula da Silva, Augusto Boal, Sebastião Salgado. Em 1973, fui preso por exercer atividades em defesa de presos políticos.
 
César recorda que o grupo teatral teve outros três integrantes presos, e sofreu censura violenta contra o seu trabalho vinculado à arte popular:
—Posso dizer, sem heroísmo, que é melhor acender uma vela do que amaldiçoar a escuridão. Quando eu enviava as peças para a censura elas eram proibidas sem serem lidas, porque eu era advogado de presos políticos. Decidi, então, abandonar o meu nome que é Idibal Pivetta, e passei a adotar o nome artístico de César Vieira. A partir distoo, os espetáculos foram liberados ao longo de dois anos. Contudo, após este período foram proibidos totalmente. O grupo paralisou as atividades durante cinco meses em 1973. Hoje, nós podemos comemorar 44 anos de resistência.
 
A atual formação do TUOV reúne 25 pessoas. Além de César Vieira, estão no grupo há mais de 30 anos, Neriney Moreira, José Maria Giroldo e Wiel Martinez. Entre os atores, que têm, em média, 25 anos, há advogados, professores, bancários, entre outras profissões. Alguns integrantes atuam como coordenadores dos setores de dramaturgia, música, cenário, figurino, registro em vídeo e mídias eletrônicas.
 
—Não exigimos formação para as pessoas que querem se engajar no grupo. No período da fundação, a maior parte dos atores vinha da classe média. Hoje, o maior número é de cidadãos das camadas populares. Desenvolvemos uma atividade em que o artista popular é ao mesmo tempo público e platéia, explica César.
 
Graciela Rodriguez, responsável pelo setor de cenário, figurino e documentação, confirma esta vocação do TUOV:
—Como artista plástica e cientista social, sempre busquei entender as contradições da nossa sociedade. A partir da minha entrada no TUOV, há duas décadas, minha obra ficou vinculada ao grupo. Em 2002, fomos convidados a dar subsídios para a escola de samba Camisa Verde, de São Paulo, que trazia enredo sobre a Revolta da Chibata. A partir do contato com dezenas de mulheres populares, filmei o documentário “Fala Mulher”, que vem sendo aplaudido por levantar questões importantes como o preconceito contra mulher negra. O ator Oswaldo Ribeiro, que representa o personagem de João Cândido na peça, também é um exemplo da relação do TUOV com as questões sociais. Oswaldo exerce forte liderança na periferia de São Paulo, especialmente nos problemas relacionados à área habitacional. Ele é João Cândido no palco e na vida.
 
Atualmente, o grupo está em cartaz com três espetáculos que se referem a centenários de fatos e pessoas, como os cem anos da Revolta da Chibata, do Corinthians, e do nascimento do compositor Adoniran Barbosa. O próximo projeto está relacionado à atuação dos Pracinhas na Segunda Guerra Mundial.

—Conseguimos nos sustentar através da tática “Robin Hood”: vendemos o espetáculo para entidades que podem pagar e utilizamos a verba para apresentá-lo em locais onde não podem nos pagar. Participamos ainda de programas de fomento ao teatro.
 
Rebelião
 
“João Cândido do Brasil — a Revolta da Chibata” estreou em novembro de 2000, no Teatro Municipal de Santo André, em São Paulo, totalizando, desde então, 350 apresentações nas comunidades populares da Grande São Paulo. Em formato de musical, a peça narra a trajetória do marinheiro negro gaúcho João Cândido Felisberto que liderou em 1910, no Rio de Janeiro, uma rebelião de marinheiros, em sua maioria negros, para conquistar melhores condições de vida na Marinha de Guerra do Brasil.
 
—João Cândido lutou por melhores condições para os marujos, melhor alimentação, soldo e, principalmente, pelo fim dos castigos corporais, inclusive os chibatamentos que eram aplicados como punição a marinheiros tidos como faltosos. Essa revolta obrigou o então Presidente da República Marechal Hermes da Fonseca a conceder os pedidos feitos pela marujada e dar aos participantes plena e total anistia. Assim que os revoltosos entregaram as armas, foram presos, torturados e, muitos, assassinados, não cumprindo o Governo com os compromissos que havia assumido, sublinha César.
 
Em artigo para a “Coleção TUOV — 40 anos”, Iná Camargo Costa, grande estudiosa do teatro brasileiro, aplaude o espetáculo:
—”João Cândido do Brasil” é mais uma prova de que no Brasil o teatro épico está vivo e passa bem: abram alas, que a luta dos marinheiros que passar!
 
Antônio Cândido, um dos maiores intelectuais do país, mais importante crítico literário brasileiro, com aplaudida atuação na imprensa, escreveu sobre o trabalho de César Vieira:
—O autor de “João Cândido do Brasil” ilumina um dos dramas mais heróicos e sombrios de nossa história contemporânea, contribuindo para reescrevê-la sem as deformações impostas pelos grupos dominantes. Assim foi que, lentamente, com dificuldade, Palmares deixou de ser nos livros didáticos um feito de Domingos Jorge Velho para se tornar o que foi: a epopéia de Zumbi e sua gente. Do mesmo modo, a revolta baiana dos alfaiates, explosão do povo oprimido, custou a sair do esquecimento a que fora relegada e passou a existir como capítulo importante das nossas lutas sociais. Quer dizer que a verdade dos oprimidos pode acabar se sobrepondo à ideologia mutiladora dos opressores. Para isso contribui esta peça de necessária radicalidade, que mostra mais uma vez a força humanizadora do Teatro Popular União e Olho Vivo.