“Murilo dialoga com a História”, diz Bernardo Cabral


10/12/2008


Ao saudar o jornalista e acadêmico Murilo Melo Filho por seus 80 anos, na solenidade realizada em 4 de dezembro na Academia Brasileira de Letras, o ex-Ministro e ex-Senador Bernardo Cabral apontou-o como uma “dessas pessoas excepcionais que, sozinho diante da sociedade, percorreu um longo diálogo com a História”.

Contou Bernardo Cabral que conheceu Murilo Melo Filho no Amazonas, seu Estado — “já lá se vão 50 anos, Bodas de Ouro de Amizade —, “onde Murilo se viu às voltas com a missão de produzir uma reportagem para a Manchete sobre a Amazônia, da qual resultou uma peça até hoje, considerada irretocável”.

Foi este o discurso de Bernardo Cabral, que ingressou na ABI em 1967, afastou-se em razão da longa militância na vida pública e retornou à Casa neste ano de 2008:

Senhor Presidente Cícero Sandroni,
Senhores acadêmicos,
Colegas da mesa-redonda, jornalistas Villas-Bôas Corrêa e Maurício Azêdo, estimados amigos
Senhoras e senhores,
Amigos e admiradores do acadêmico Murilo Melo Filho:

Lá vem ele. Chegou.

Deixara para trás sua querida cidade Natal.

Jovem de 18 anos, maleta nas mãos, não fazia idéia do que era Zona Sul ou Zona Norte.

Ao caminhar, com os tios que o esperavam, uma lembrança não lhe saía da mente: sua amada Mãezinha, sentada na beira da cama, chorando copiosamente, pronunciando as palavras, com intensa emoção: ‘Nunca mais vou te ver, meu filho.’

E alí estava ele, na Cidade dita Maravilhosa, sem nenhuma carta de recomendação para conhecidos ou políticos.

Ao seu redor aqueles prédios imensos.

Parou. Abriu os olhos para a beleza do Rio de Janeiro.

Extasiou-se.
Nem por isso o filho mais velho de Hermínia e Murilo — irmandade de sete irmãos — esquecera da sua determinação: submeter-se a concurso público e lograr êxito.

Conseguiu. Primeiro, como datilográfico do IBGE.

Depois, Ministério da Marinha e, a seguir, sua grande vocação: a de ser homem de imprensa e, como repórter, ingressou no Correio do Norte.

O começo, duríssimo. Repórter policial, às voltas com casos e causos, foi amadurecendo, até que deu seqüência em outros órgãos: Tribuna da Imprensa, com Carlos Lacerda e Hélio Fernandes; Jornal do Commercio, com Elmano Cardim, San Thiago Dantas e Assis Chateaubriant.

Era pouco para ele. Quis ser repórter freelancer e ingressou na revista Manchete, criando a festejada seção ‘Posto de escuta’, e, na mesma época, dirigiu e apresentou na TV Rio o programa político ‘Congresso no ar’. O sucesso foi tão estrondoso que ficou no ar, ininterruptamente, durante mais sete anos.

Por essa época, nossos passos se cruzaram. Em Manaus, no meu Amazonas — já lá se vão 50 anos, Bodas de Ouro de Amizade —, onde Murilo se viu às voltas com a missão de produzir uma reportagem para a Manchete sobre a Amazônia, da qual resultou uma peça até hoje considerada irretocável.

Já no atribulado quinqüênio de 1960 a 1965, o encontrei vivendo em Brasília, testemunhando todos os acontecimentos em centenas de reportagens e fabricando tempo para construir a sede da Bloch Editores e da Manchete e ainda ser professor de jornalismo na Universidade de Brasília (UNB), como convidado de Darcy Ribeiro.

De regresso ao Rio de Janeiro, foi eleito Diretor-executivo das Empresas Bloch e reeleito durante sucessivos mandatos pela Assembléia dos Acionistas, tendo sido de sua responsabilidade a parte política da organização, além de problemas administrativos relacionados não apenas com a Manchete, mas também com as outras 15 revistas de circulação nacional. Pena que não mais existam.

Notem os que me ouvem que por enquanto tenho me voltado para a parte jornalística de sua vida. Sempre nessas missões acompanhou o período Vargas e vários ex-presidentes brasileiros em inúmeras viagens oficiais ao exterior.

Foi o primeiro jornalista brasileiro a cobrir a guerra do Vietnã em 1967 e a guerra do Camboja em 1973, tendo chegado a Saigon e Phnom-Penh, via Tóquio. Em audiências e entrevistas, esteve, dentre outros, com De Gaulle, Kennedy, João XXIII, Frondizi, Fidel Castro, Eisenhower, Golda Meir, João Paulo II, Selassié, Ben Gurion, Indira Gandhi, Guevara, Sukarno, Perón, Elizabeth II, Moshé Dayan, Salazar, Hiroito, Spinola, Nixon, Giscard d’Estaing, Reagan, Adenauer, Franco, Allende, Kruschev, Ho-Chi-Min e Anuar el-Sadat. Conviveu, pois, com quase todos os líderes que fizeram a História em época recente. Conhece quase o mundo todo. Foi 32 vezes à Europa, 27 aos Estados Unidos, duas à Ásia, quatro à América do Sul e duas à África.

Viu os picos gelados de Zermat, na Suíça, e as planícies imensas da Califórnia, nos Estados Unidos, os desertos americano de Nevada e africano do Saara, os templos sagrados de Angflor e de Kyoto, os lugares exóticos de Bagcoc e de Phnom-Penh, as geleiras de Anchorage, no Pólo Ártico, e as tórridas plantações de cacau, na Costa do Marfim, o frio de Leningrado e de Kiev e o calor da Galiléia e do Mar Morto, o misticismo do Vaticano e de Jerusalém, as ruas do Harlem, em Nova York, e do Cairo, no Egito.

Com tanta vivência e conhecimento, tinha uma dívida a saldar com a sociedade, que era apor em livros tudo que aprendeu, e o fez de forma brilhante. Entre outros, lançou ‘O desafio brasileiro’, seu primeiro livro sozinho, com prefácio do então Ministro João Paulo Reis Velloso, que vendeu 80 mil exemplares em 16 edições sucessivas, ganhando com ele o Prêmio Alfred Jurzykowski, desta Academia, como o Melhor Ensaio do Ano. A versão espanhola, ‘El desafio brasileño’, foi lançada em Madri, pela Editora Pomaire, com 10 mil exemplares.

Na seqüência deste instigante tema, escreveu ‘O modelo brasileiro’, com prefácio do professor, Ministro e meu saudoso amigo Mário Henrique Simonsen, que vendeu 15 mil exemplares em três edições e lhe granjeou o Prêmio Juca Pato, da Associação Paulista de Escritores.

Estes livros permaneceram durante várias semanas como os best-sellers nas livrarias do País e foram adotados na cadeira de Estudos e Problemas Brasileiros de várias universidades, às quais o autor compareceu para debates com estudantes e professores.

No ano de 1997, lá estava ele, incansável, lançando o livro ‘Testemunho político’, com prefácio do ex-Presidente e Senador José Sarney e apresentações do professor Arnaldo Niskier, do escritor e jornalista Carlos Heitor Cony e do acadêmico Barbosa Lima Sobrinho.

Mais do que vivências de um consagrado repórter, Murilo oferece uma admirável contribuição analítica, um testemunho político intenso, transmitido com correção e coragem de fatos que se encadeiam harmoniosamente no decorrer do mesmo tempo, agora longo, que o tenho por amigo.

É que Murilo é dessas pessoas excepcionais que, sozinho diante da sociedade, percorreu um longo diálogo com a História. Essa a razão pela qual os homens de bem — como é o caso de Murilo — quando julgam o que foi a sua vida ao longo da existência, pagam o tributo da sua responsabilidade e guardam consigo — como dizia o meu saudoso pai — ‘as cicatrizes orgulhosas do dever cumprido’.

É nesse sentimento de orgulho que a sua companheira de todos os instantes, a sua querida mulher Norma, os filhos Nelson, Fátima e Sérgio, além dos netos Janaína e Bernardo, guardam dele a figura do profissional que, por cultivada ética, sempre mereceu o respeito de todos.

Senhor Presidente,
Senhores Acadêmicos,
Ilustres mestres Maurício Azêdo e Villas-Bôas.
Diletos amigos do Murilo:

Por tudo isso é que nesta Academia ele se sente em casa — altivo e humilde à frente da Biblioteca Rodolfo Garcia, da qual foi idealizador e que conta com acervo de 70 mil volumes, em instalações de 1,3 mil m² — à sombra que Machado de Assis propicia a todos. E é aqui — e não haveria lugar mais apropriado — que sendo um cidadão do mundo jamais deixou de ser aquele bom menino nascido no seu sempre venerado Rio Grande do Norte, e que continua extasiado, até hoje, com as belezas do Rio de Janeiro.

Parabéns, querido amigo Murilo. Até os próximos 80 anos.”