Inovação e ousadia nas artes editorias


06/08/2008


José Olympio Pereira Filho nasceu em Batatais, interior de São Paulo, em 1902. Aos 16 anos, tendo cursado apenas o Primário, com a ajuda do padrinho, o então Governador de São Paulo Altino Arantes, conseguiu emprego na Casa Garraux, livraria onde conheceu grandes intelectuais e escritores, como Mario de Andrade, Oswald de Andrade e Menotti Del Picchia. Fascinado pelos livros, em 1931 ele comprou o acervo do escritor e jurista Alfredo Pujol e fundou a Livraria José Olympio Editora, tendo como primeiro título já um sucesso de vendas, “Conhece-te pela psicanálise”, do norte-americano J. Ralph. Em 1934, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde a livraria virou célebre ponto de encontro de intelectuais e literatos e transformou-se em uma das maiores editoras do século XX, especialmente entre as décadas de 30 e 50. 

Sensível e atento ao mercado editorial, José Olympio — ou J.O., como era conhecido — implementou projetos surpreendentes à época. Reuniu em um único selo grandes escritores nacionais e estrangeiros e lançou e popularizou importantes nomes da literatura brasileira, como Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, João Cabral de Melo Neto, Vinicius de Moraes, Rubem Braga, Fernando Sabino, Antonio Callado, Otto Lara Resende, Ariano Suassuna, Cícero Dias, Clarice Lispector, Aurélio Buarque de Hollanda, Lygia Fagundes Telles e Nélida Piñon.

Trajetória em livro

A trajetória do editor e de sua livraria é contada no recém-lançado “José Olympio: o editor e sua Casa”, organizado pelo neto de J.O., Marcos da Veiga Pereira, em um trabalho de lapidação e pesquisa executado ao longo de três anos. Uma exposição homônima está em cartaz na Biblioteca Nacional, até o próximo dia 23, trazendo rica iconografia, livros, documentos raros e extensa troca de mensagens e dedicatórias entre o editor e escritores, além de inúmeras capas que estampam a preocupação de J.O com o projeto gráfico, executado em sua editora por artistas como Santa Rosa, Luis Jardim, Poty, Cícero Dias, Di Cavalcanti e Portinari. A mostra e o livro traçam um panorama da história das artes editoriais no País e resgatam o contexto literário e cultural da época.

José Olympio com Getúlio Vargas

Politicamente eclética, a José Olympio publicava comunistas como Jorge Amado e Graciliano Ramos, integralistas como Plínio Salgado, intelectuais de oposição ao regime e o próprio Getúlio Vargas, que lá editava seus discursos. Precursora no uso de técnicas modernas de marketing, a editora inovou com os anúncios das novas publicações nas quartas-capas dos livros, na elaboração de campanhas publicitárias — desde o começo dos anos 40, caminhões e aviões circulavam pela cidade divulgando diferentes títulos —, nos adiantamentos de direitos autorais, nas grandes tiragens, nas vendas por crediário e de porta em porta e na abertura de espaço para poetas modernistas que, na ocasião — como era o caso de Carlos Drummond de Andrade —, tinham pouca ou nenhuma saída comercial, incluindo nomes do regionalismo nordestino.

Histórias de autores 

Habitué do espaço onde se discutia da política à literatura, Drummond escreveu em uma crônica que J.O. referia-se à editora como a “Casa”, refletindo nela os próprios sentimentos: “a Casa ficou magoada”, “a Casa está feliz” e assim por diante. O ambiente afetuoso e informal atraía ilustres colaboradores, como Aurélio Buarque de Hollanda, na função de copidesque, e Jorge Amado, que passou por várias funções, inclusive a de vendedor. Em carta enviada em 1936 a J.O, o escritor baiano ressaltou seu pioneirismo: “Você revolucionou o mercado de livros, fez pelo livro no Brasil o que ninguém fez até hoje, inclusive obrigar os editores a tomarem vergonha e serem honestos.” 

Graciliano Ramos, que trabalhou como tradutor na livraria, sintetizou o local: “Está aí um lugar onde se encontra excelente e abundante material para um romance, que poderia ser editado ali mesmo. Move-se diariamente em redor daquelas mesas uma boa parte da literatura nacional.” Graciliano, aliás, era muito assediado na livraria por escritores iniciantes, e certa vez rasgou um conto que considerou ruim na frente do autor, o jornalista Joel Silveira. 

A dedicação de J.O. estendia-se também aos títulos estrangeiros, privilegiando autores de grande sucesso e obras clássicas como “A mulher de trinta anos”, de Honoré de Balzac; “Orgulho e preconceito”, de Jane Austen; e “Destino da carne”, de Samuel Butler; e biografias de artistas como Nijinsky, Charles Chaplin, Isadora Duncan e Sarah Bernhardt. 

Estudos sobre o País

Em outro segmento, criou a Coleção Documentos Brasileiros, série de estudos sobre a origem e formação social do País, abrangendo os aspectos histórico, etnográfico, folclórico e antropológico, inicialmente sob a direção de Gilberto Freyre, seguido pelo historiador Octavio Tarquínio de Sousa e por Afonso Arinos de Melo Franco:
— Não existe na história da indústria editorial brasileira uma empresa tão abrangente quanto a José Olympio. A editora criou e desenvolveu uma impressionante quantidade de linhas editoriais, entre elas as de poesia, ensaios, memórias e literatura brasileira, estrangeira e infantil — diz Marcos da Veiga Pereira.

Para organizar sua obra-homenagem, Marcos vasculhou o depósito que abrigou durante anos o que resta do acervo da editora, em Bonsucesso. E encontrou fotos, livros e documentos preciosos:
— Impressiona a clareza de meu avô em relação à importância da empresa que criara. Todo o material que reuni foi sendo catalogado ao longo de anos. Os eventos da Casa sempre eram documentados por fotógrafos e havia uma preocupação dele em manter este acervo para o futuro, como a edição de um livro ou uma exposição, conforme acontece agora. É um privilégio e uma emoção comemorar o sucesso no presente reconhecendo as glórias de um passado tão marcante.

Em razão da concorrência crescente do mercado que, ironicamente, ajudou a desenhar, José Olympio fechou sua livraria em 1955 e passou a se dedicar a livros didáticos, iniciando nova fase de sucesso, em que sua editora figurou entre as maiores empresas brasileiras. Na década de 70, a crise do papel corroeu a autonomia da José Olympio, que passou às mãos do Grupo Record.

Contudo, o legado de J.O. foi abraçado por seus descendentes. O filho Geraldo Jordão Pereira, morto no início deste ano, criou a editora Salamandra e, em 1998, fundou a Sextante, hoje comandada por seus filhos Marcos e Tomás da Veiga Pereira.