Antonio Olinto: homem com coração de menino


22/09/2009


Antonio Olinto na infância

Parafraseando Antonio Olinto: Falar de Antonio Olinto é fácil, falar de Antonio Olinto é difícil. Homem, menino, sábio, transparente, desconfiado, como bom mineiro. Foi o ser humano mais puro, no sentido literal da palavra.

Comecei a trabalhar com Zora e Antonio Olinto há mais de vinte anos. Ela ainda estava entre nós quando fizemos “Bodas de Porcelana”. Ela brincava e, ao mesmo tempo, me impunha a responsabilidade de continuar a sua missão de cuidar, de ser o cão de guarda do “Piau”, como ela carinhosamente chamava Olinto.

Quando perdemos Zora, fiz o seguinte desabafo no Jornal de Letras
—Adeus, Zora. Eu era uma pedra bruta. Fui sendo lapidada pelo carinho, amor e ensinamentos dos dois”.

Zora, mulher guerreira, sabia dizer não com firmeza e estava sempre pronta para as batalhas que enfrentou, e foram muitas. Ainda jovem, militou em partidos políticos e, com o filho recém-nascido Roberto, de sua união com Rubem Braga, foi para a cadeia durante o regime militar. Foi salva pelo jurista e acadêmico Evandro Lins e Silva. Quando soube do falecimento do amigo devido a um tombo, chamou Antonio Olinto e disse:
—Viu? Evandro não tinha uma Beth ao lado dele.

Mulher sábia, quando sentiu que, devido à osteoporose, não poderia mais acompanhar Antonio Olinto, avisou:
—Beth, não vou mais poder viajar com o Piau como fazíamos. Você agora é quem vai acompanhá-lo, cuidar dele. 

Deu a ordem, mas supervisionava, passava instruções, cuidava de tudo na casa e em nossas vidas.

Ao lado de Antonio Olinto viajou o mundo, coletando dados, peças e histórias. Mulher vibrante, sua estada nas Embaixadas de Lagos e Londres guardou histórias. Sempre à frente de seu tempo, destoava da austeridade do Itamaraty, andando pelas ruas de Lagos e de cidades vizinhas conversando com os descendentes de brasileiros que haviam retornado para a África após a escravidão.

“Ave Zora, Ave Aurora”, o livro de poesia que Antonio Olinto escreveu de um só fôlego, depois de sua partida, nos leva a uma viagem no tempo. São trinta e quatro poemas contando o que viram, o que sentiram, enfim, tudo o que viveram ao longo de cinqüenta anos de feliz união.

Em 2007, através de um projeto patrocinado pelo Sesc-RJ, conseguimos tornar o sonho de Antonio Olinto realidade, com a exposição de Arte africana, primeiro no Sesc do Flamengo, depois no Sesc Madureira.

Quando entramos na exposição, sentimos Zora em cada objeto. Tudo lembrava o apartamento de Copacabana, o cuidado com que ela catalogou mais de duzentas peças africanas, os tecidos tradicionais, livros, fotos tiradas em quase todo o mundo, a máquina de escrever de Antonio Olinto. Com que emoção vimos sua peça “Exu, o cavaleiro da encruzilhada”, ser lida, quase dramatizada por jovens atores, que conseguiram passar para a platéia a mensagem da mulher pioneira, que, já em 1990, vislumbrava a violência e a decadência humana do século XXI.

Eu não entendia muito bem quando as pessoas diziam que eu era uma privilegiada. Agora, com o passar dos anos, e na minha condição de avó, sei o que é.

Quando conheci Zora e Antonio Olinto, minha filha Tatiana tinha cerca de sete anos. O casal levou a menina ao mundo maravilhoso dos livros. Com o nascimento da Lyah, minha neta, Antonio Olinto olha para a poltrona em que Tatiana ficava por horas lendo ou atenta a tudo o que o avô emprestado dizia e fazia.
—Vejo aquela menina sentada. Ela agora já é mãe, e eu bisavô”, comenta Olinto, com seu sorriso de menino. Adeus meu menino, adeus.