Hoje é Dia de Livro


27/09/2022


Por Maria Luiza Busse, diretora de Cultura da ABI

Por quem os sinos dobram

“A morte de qualquer homem me diminui porque sou parte do gênero humano. Por isso não perguntes por quem os sinos dobram, eles dobram por ti”. Referência clássica do livro escrito em 1940, o romance de Ernest Hemingway impacta da primeira à última linha pelo estilo direto, sem floreios, repleto de diálogos, e permeado da mais profunda emoção. O jornalista Hemingway cobriu a brutalidade e os horrores da batalha, e a atuação resistente das Brigadas Internacionais inspirou a criação do personagem norte-americano Robert Jordan, especialista em explosivos que lutou ao lado do governo democrático. Também povoam as páginas os experientes guerrilheiros ciganos, Anselmo, Pablo, Pilar, e Maria, a beleza que encantou e apaixonou Jordan desde o primeiro encontro. Todos unidos pelos laços da causa maior de livrar e Espanha do fascismo. O título por quem os sinos dobram foi retirado do poema homônimo do inglês John Donne, escrito em 1624: “Nenhum homem é uma Ilha, um ser inteiro em si mesmo; todo homem é uma partícula do Continente, uma parte da terra. Se um Pequeno Torrão carregado pelo Mar deixa menor a Europa, como se todo um promontório fosse, ou a Herdade de um amigo seu, ou até mesmo a sua própria, também a morte de um único homem me diminui, porque eu pertenço à Humanidade. Portanto, nunca procures saber por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti”. Editora Bertrand Brasil.

Faça como Hemingway, vai pra Cuba!
Rogério Bitarelli Medeiros*

Em Cuba, a presença de Ernest Hemingway ainda é palpável, e os cubanos ainda prestam homenagem ao homem e à sua lenda. porque se Paris é uma festa, Havana também é.

Em uma entrevista concedida em sua casa em Finca Villa Vígia,, em San Francisco de Paula, nos arredores de Havana, logo após receber o Prêmio Nobel de Literatura, Ernest Hemingway disse que era o primeiro cubano “Sato” a receber o prêmio. Este adjetivo é cubaníssimo e não está no dicionário da Real Academia Espanhola, mas na fala cotidiana, usada principalmente nas províncias orientais e centrais. O uso do adjetivo “sato”, por Hemingway, mostra que ele tinha uma profunda relação com os cubanos comuns, e como escritor sabia ouvir e assimilar as suas expressões idiomáticas e gírias, de modo que poderia muito bem ter usado no momento certo.

O mito em torno de Hemingway é sentido em sua obra e em várias lendas. Mas foi em Cuba que o autor deixou um legado onde transparece sua verdadeira personalidade. A ilha inteira foi sua casa de escritor, entre a pesca e idas aos bares como La Bodequita del Medio e El Floridita. Desde a Primeira Guerra Mundial, Hemingway oscilou entre seu trabalho como correspondente de guerra e a constituição do mito literário que rapidamente o cercará. Ele  trabalhou como correspondente de guerra  durante a Guerra Civil Espanhola (1936–1939). Esta experiência inspirou uma de suas maiores obras, Por Quem os Sinos Dobram. Ao fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), se instalou em Cuba. Em 1953, ganhou o Prémio Pulitzer de Ficção com O Velho e o Mar e, em 1954, o prêmio Nobel de Literatura.  No mesmo ano, Hemingway demonstrou a intenção de doar ao povo cubano sua medalha de ouro do Prêmio Nobel. Para não entregá-la ao governo do ditador Fulgêncio  Batista, ele fez a doação ao santuário de El Cobre, uma pequena cidade perto de Santiago de Cuba, onde está localizada a imagem de Nossa Senhora da Caridade, a padroeira do país.

Antes de fazer reportagens sobre os combates na França ocupada, durante a Segunda Guerra Mundial, Hemingway patrulhou o litoral cubano a bordo de seu iate Pilar na busca de possíveis submarinos alemães. Porém, o FBI – Agência Federal de Investigação dos Estados Unidos – via com desconfiança sua colaboração, por considerá-lo um simpatizante do comunismo. Esta experiência inspirou seu livro As ilhas da Corrente, que viria a ser lançado postumamente em 1970.

Ernest Hemingway nasceu em Oak Park, Illinois, em 21 de julho de 1899, e morreu em Ketchum, Idaho, em 2 de julho de 1961. Abalado por grave enfermidade, suicidou-se em Ketchum, em Idaho, em 1961. Há ainda versões que defendem que Hemingway não se suicidou, mas que teve um acidente com a arma enquanto a manejava. Fidel Castro disse em certa ocasião que lia Por Quem os Sinos Dobram na Sierra Maestra: “Ensinou-nos muito sobre a tática de guerrilha.” O autor que simpatizara com a causa comunista na Guerra Civil de Espanha, saudara efusivamente o derrubada da ditadura de Fulgêncio Batista em Cuba. Onze meses após a tomada do poder comandada por Fidel Castro, em novembro de 1959, declarou aos jornalistas, no aeroporto de Havana, que a revolução fora o melhor acontecimento em Cuba.

O primeiro encontro entre Fidel Castro e Ernest Hemingway ocorreu em maio de 1959 durante uma cerimônia numa marinha no oeste de Havana. As fotos que registraram esse encontro (e que estão expostas na marinha) revelam que, em seus rostos sorridentes, havia simpatia, amizade e respeito. Mesmo não sendo amigos, até porque não houve muito tempo (os revolucionários de Sierra Maestra assumiram o poder em 1959 e Hemingway morreu em 1961), a admiração entre o escritor e o revolucionário cubano era mútua. Certa vez, em uma coletiva de imprensa, o Nobel de Literatura disse que a revolução cubana foi uma das melhores coisas que poderia ter acontecido ao povo cubano. Mais tarde, Fidel foi o principal entusiasta para a criação de um museu em homenagem a Hemingway, na casa onde ele viveu.

Contrariando determinadas biografias, sabe-se em Cuba que o então embaixador dos Estados Unidos, Philip Wilson Bonsal, obrigou o escritor a abandonar a ilha. Ele já havia chamado a atenção do FBI muitos anos antes, devido ao seu apoio ao governo republicano (ou seja, socialista) durante a Guerra Civil Espanhola e por seu empenho político de lutar contra forças fascistas ao longo de sua vida. A vigilância do FBI deve ter aumentado nos últimos tempos da vida de Hemingway, com o seu declarado ativismo e apoio financeiro à revolução cubana.

Hemingway foi um dos principais escritores do século XX. Ganhou o Prêmio Pulitzer em 1953 por  O Velho e o Mar e, no ano seguinte, o Prêmio Nobel de Literatura pelo conjunto de sua obra. Suas raízes definitivas em Cuba ocorreram em abril de 1939. Sua nova companheira, Martha Gellhorn, aspirava um lugar mais isolado que o Hotel Ambos Mundos, no centro histórico de Havana, onde estavam hospedados, expostos à curiosidade e as interrupções de muitos amigos. Ela começou a procurar este refúgio e encontrou Finca Vigía, em San Francisco de Paula, que se encontrava em estado de abandono.

Hemingway não gostava do lugar, porque parecia muito longe, preferindo passar o tempo em Havana, ou em seu barco Pilar. Martha Gellhorn então reconstruiu a casa, e Hemingway passou a gostar depois de redecorá-la, e se estabeleceu na residência. Em dezembro de 1940, ele adquiriu a propriedade. Nenhuma o cativou tanto como este casarão inspirado na arquitetura colonial espanhola no alto de uma colina verdejante. O escritor já conhecia Cuba desde 1928, quando, aos vinte e nove anos de idade e depois da “festa móvel” parisiense, se deixou fascinar pela Finca Vigia onze anos mais tarde, em 1939. Foi quando escreveu Por Quem os Sinos Dobram no quarto 511 do Hotel Ambos Mundos, no coração desse relicário histórico e arquitetônico chamado de Habana Vieja.

A afeição escritor por Cuba foi registrada em muitas descrições e trechos de suas obras. Em As Ilhas da Corrente (1970), ele faz uma observação detalhada da Rua San Isidro, o bairro das docas de Atarés, o bairro de Jesús María, as colinas de Casablanca. “Do outro lado da baía – escreve – viu a antiga igreja amarela e o amontoado de casas, rosas, verdes e amarelas… e por trás de tudo isso, as colinas cinzentas próximas a Cojímar”.  Hemingway descreveu até mesmo os cheiros de Cuba; o cheiro de farinha armazenada na Velha Havana, o cheiro de madeira nas caixas de contêineres recém-inaugurados, o cheiro de café torrado e o cheiro de tabaco. Seu grande espaço vital era a Corrente do Golfo, que cruza em frente à Havana. Este também é o cenário de O Velho e o Mar, em 1951, obra em que revela sua afinidade com a pesca e a convivência diária com os pescadores que viviam nas vizinhanças.

Com sua experiência de pescador, Hemingway defende que um homem pode ser destruído, mas nunca derrotado. Este é um livro que trata de temas que serão sempre atuais: velhice, sofrimento, amizade, respeito e liberdade. Uma obra que aborda os sentimentos humanos mais profundos. Em 1960, vindo de Cuba, retornou aos Estados Unidos para ser hospitalizado na clínica Mayo, pois estava muito doente. Lá os jornalistas o abordaram e Hemingway declarou sucintamente: “Nós, pessoas honradas, acreditamos na Revolução Cubana”. Essa foi sua despedida.

Em 2010, Cuba e os Estados Unidos assinaram em Havana um acordo de cooperação para ajudar a preservar a obra e o legado do escritor. O acordo foi assinado pelos representantes dos EUA, Finca Vigía Foundation Inc., e o Conselho Nacional do Patrimônio Cultural de Cuba, cujo objetivo principal é o de “contribuir para um melhor entendimento sobre a vida e a obra de Hemingway”. Nos arquivos de filmes e vídeos se encontram verdadeiros tesouros da Televisão Cubana. Entre uma dessas joias está armazenada uma entrevista com Juan Manuel Martínez, quando a Academia Sueca o havia agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura, em 28 de outubro de 1954. O cenário em que a entrevista foi feita não era outro senão a sua residência, Finca Vígia e hoje Museu Ernest Hemingway, em San Francisco de Paula, a casa do escritor americano durante a sua estadia em Cuba, entre 1939-1960.

A entrevista original, filmada em película sonora, com filme de 16mm e mantida nos arquivos, é curta. O jornalista fez apenas três perguntas. No primeiro momento da entrevista, Hemingway se declarou como “o primeiro cubano sato a receber este prêmio”.  Segundo o articulista Eduardo Pardo Cernadas no blog La pluma del Tocororo este adjetivo é cubaníssimo e não está nos dicionários, O uso do adjetivo “sato”, por Hemingway, mostra que ele tinha uma profunda relação com os cubanos comuns, e como artista sabia ouvir e assimilar as suas expressões idiomáticas e gírias, de modo que poderia muito bem ter usado no momento certo. É provável que a nenhum estrangeiro residente em Cuba, até mesmo os que falam a língua espanhola, mesmo os muitos “aplatanados” (acriolados estrangeiros), jamais lhes surgiriam espontaneamente, como ocorreu com o famoso escritor, em meio a uma resposta improvisada, o uso de tal expressão lapidar e sintetizadora para manifestar que se sentia parte do povo cubano.

* Jornalista, critico de cinema do Jornal do Brasil nos anos de 1980, e professor titular de Teoria da Imagem da Escola da Comunicação da UFRJ

Hemingway em algum lugar em Havana: sentindo-se parte do povo cubano

 

Ernest Hemingway e sua esposa Mary Welsh, com o ator Spencer Tracy no canto do bar El Floridita, Havana, Cuba, 1955.

Conversa de pescador; “A mi me gusta mucho ”, dizia Hemingway

 

Ernest Hemingway (em pé) conversa com pescadores e marinheiros em um quiosque de praia. Cuba, 1952. Alfred Eisenstaedt /Foto LIFE

Henry Strater, um pintor americano, passou o verão de 1935 na pesca com Hemingway. Este está na foto à direita junto a um espadarte, que se supõe tivesse 1.000 kg e que tinha sido parcialmente comido por tubarões, quando Strater estava a desembarcá-lo.

Hemingway nos jardins de Finca Vigia