Herzog: O Papel da ABI num Momento Histórico


17/03/2021


Por Norma Couri, Diretora da Comissão de Mulher & Diversidade da ABI

Octavio tinha 25 anos em 1976 e recorda que era a ABI, na figura de Mauricio Azêdo, quem liderava o repasse do manifesto de redação em redação. Todos os jornalistas assinaram.

A Associação Brasileira de Imprensa exercia uma liderança sobre a classe, o estagiário era sondado já no primeiro dia a se filiar, e assim realizava a materialização do espírito de classe. Era o órgão que representava os jornalistas, pelo menos no Rio. A carteirinha de Octavio é de 1974.

Talvez a coragem de assinar uma lista num período de terrorismo ideológico fosse ancorada nos 20 anos dos colegas mais jovens. Ou foi a revolta que o assassinato de Vlado provocou. A verdade é que os jornalistas assinaram a lista, primeiro publicada dia 6 de janeiro com 450 assinaturas no jornal Unidade do Sindicato de Jornalistas de São Paulo presidido por Audálio Dantas.

E era preciso muita coragem: depois da morte de Vlado a 25 de outubro de 1976, o operário Manuel Fiel Filho foi preso, torturado e morto a 17 de janeiro acusado de pertencer ao Partido Comunista Brasileiro.

No mês seguinte a lista de Herzog engordou mais ainda e foi publicada com 1004 assinaturas no anúncio pago pelos jornalistas no Estadão.

Pouco depois todos foram visados, muitos fichados, alguns desaparecidos ou presos e torturados como o próprio Mauricio Azedo e o fotógrafo Luis Paulo Machado.

Ancelmo Góis foi obrigado a responder por suas atividades e, no ano seguinte, o próprio Octavio Costa foi “convidado” a se apresentar à 5a seção do Comando do Leste, ao lado da Central do Brasil. para descobrir que sua vida era um mar aberto e ainda ouvir um “conselho” de ” se afastar disso tudo” porque ” seu chefe Victor Civita pode ficar sabendo e pedir a sua cabeça”. Ainda em 1979, antes da anistia, ele foi procurado na redação de Veja por dois policiais do DOPS mas, avisado antes, não foi trabalhar nesse dia, nem dormiu em casa.

O histórico manifesto pela verdade vai constar da 7a edição do livro “Dossiê Herzog: Prisão, Tortura e Morte no Brasil” de Fernando Pacheco Jordão.

Aqui, o depoimento de Octavio Costa sobre o momento da assinatura:

“A morte de Vladimir Herzog teve forte impacto na sucursal da Editora Abril no Rio de Janeiro. Muitos dos jornalistas que trabalhavam no prédio da Mesbla, na Rua do Passeio, ou eram filiados ao Partidão ou simpatizantes. Aristélio Andrade chefiava a revista Placar, Nelson Silva respondia pela redação da VEJA e Ancelmo Góis era repórter especial da EXAME. Todos eram amigos de Maurício Azêdo, responsável pelas atividades culturais da ABI.

O presidente da ABI, Prudente de Moraes Neto, era um jornalista de perfil liberal. Naquela época, a entidade tinha grande prestígio e, com a OAB e a CNBB, estava na linha de frente da luta pela volta da democracia. Prudente deu carta branca a Maurício Azêdo para editar o “Boletim da ABI” e também criar o Cineclube Macunaíma (lá, pela primeira vez, assisti aos filmes de Eisenstein). Eventos políticos e ciclos de palestras também ficavam na órbita de Azedo e reuniam muita gente.

Com a morte de Herzog, ficou claro que os jornalistas ligados ao Partidão (Partido Comunista Brasileiro) estavam na alça de mira da repressão em todo o país. Mas a direção da ABI não se deixou intimidar e se uniu ao presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, Audálio Dantas, na denúncia contra o assassinato do diretor da TV Cultura.

Quando o abaixo-assinado em resposta às mentiras do IPM sobre o assassinato de Herzog chegou ao Rio, em janeiro de 1976, o documento correu de mesa em mesa na sucursal da Abril e recebeu o endosso de todos os jornalistas que estavam na redação. O clima era de comoção. Havia pressa. E tínhamos de assinar com o nome completo, para que não houvesse dúvida sobre a autenticidade da lista. Eu tinha 25 anos, era repórter de economia da VEJA, colaborava com o “Boletim da ABI”, e não pensei duas vezes. Não me lembro se alguém deixou de assinar por temer as consequências. Mas havia grande tensão, com muitos dirigentes do Partidão desaparecidos.&n bsp;

Apesar da repercussão do caso Herzog, o operário Manoel Fiel Filho foi morto no dia 17 de janeiro no DOI-Codi em São Paulo, em circunstâncias idênticas. Os torturadores também forjaram um suicídio. O comandante do II Exército, Ednardo D’Ávila Melo, foi afastado por Ernesto Geisel, mas a repressão ao PCB continuou. Pouco tempo depois, Maurício Azêdo e o fotógrafo Luiz Paulo Machado foram presos e torturados no Rio, sob a acusação de formar uma base comunista na ABI. O processo correu na Auditoria do Exército e incluiu Ancelmo Góis e Anderson Campos, que responderam em liberdade. Ao fim, todos foram absolvidos.

Pode ter sido coincidência, mas Azêdo, Ancelmo e Anderson assinaram o documento que exigiu a verdade sobre o assassinato de Herzog”.