‘Vergonha’ e ‘covardia’: O que parentes de vítimas da ditadura dizem de Lula e 1964


15/03/2024


Por Bernardo Mello Franco em O Globo

Victória Grabois é filha, irmã e viúva de desaparecidos políticos. Teve a família dizimada pela ditadura na repressão à Guerrilha do Araguaia. Depois da Anistia, embrenhou-se na selva para tentar localizar o paradeiro dos corpos. Não conseguiu, mas ajudou a fundar o Grupo Tortura Nunca Mais, referência na defesa dos direitos humanos.

No início da semana, a professora se indignou ao saber que o presidente vetou um ato que lembraria os 60 anos do golpe de 1964. “Lula tem medo dos militares. Sua declaração de que não quer ‘remoer o passado’ foi um acinte com os parentes das vítimas”, protesta.

Ivo Herzog é filho do jornalista Vladimir Herzog, morto na tortura. Depois de assassinar seu pai, o regime mentiu que ele teria cometido suicídio. O caso virou símbolo dos crimes da ditadura. Mesmo assim, a família teve que esperar 38 anos até receber um atestado de óbito corrigido.

O engenheiro classifica a atitude do presidente como “uma vergonha e um desrespeito”. “Lula se acovardou. Se ele está com medo dos militares, deveria renunciar ao cargo”, critica. “O governo está se apequenando. É uma tristeza”, acrescenta.

Suzana Lisboa é viúva de Luiz Eurico Tejera Lisboa. Depois de sete anos de buscas, conseguiu encontrar os restos mortais do marido, que havia sido enterrado com nome falso no Cemitério de Perus. Ela costuma lembrar que o caso foi uma exceção. Mais de duas centenas de famílias ainda procuram seus desaparecidos.

A ativista acusa o governo de “covardia” e cobra a reinstalação da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, travada na Casa Civil. “Me sinto ultrajada, desrespeitada e envergonhada com isso tudo. Lula foi à Argentina e disse que as Mães da Praça de Maio são uma inspiração. E nós, o que somos?”, questiona.

João Vicente Goulart é filho do presidente João Goulart. Tinha 7 anos quando o pai foi cassado e obrigado a sair do Brasil. Passou a infância e a juventude no exílio. Em 2022, declarou voto e participou da campanha de Lula. Agora se diz surpreso com a tentativa de varrer a História para baixo do tapete.

“O que sinto é pena. Lamento muito. O governo do PT deveria ter mais respeito com a memória do que aconteceu neste país”, afirma.