Ustra não comparece a julgamento em SP


27/07/2011


O coronel da reserva do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra não compareceu nesta quarta-feira, dia 27, na 20ª Vara Cível de São Paulo, para o julgamento do processo no qual é acusado de torturar e matar o jornalista Luiz Eduardo Merlino, em julho de 1971, nas dependências do Departamento de Operações e Informações (DOI Codi), em São Paulo, chefiado por Ustra entre outubro de 1969 e dezembro de 1973. Neste período mais de 50 pessoas foram assassinadas e outras 700 torturadas no local. 

A imprensa não teve acesso ao julgamento.

Os advogados Sergio Luiz Villela de Toledo e Paulo Alves Esteves, que assinam a defesa do coronel Ustra, também faltaram ao julgamento. Duas advogadas se apresentaram como representantes do militar, mas não se manifestaram durante a sessão. 
 
Em frente ao Fórum João Mendes, em São Paulo, dezenas de pessoas realizaram uma manifestação com faixas e cartazes exigindo a criação da Comissão da Verdade e punição aos torturadores.
 
Ustra já foi condenado em primeira instância e declarado torturador em uma ação movida pela família do jornalista em 2007. No ano seguinte, por 2 votos a 1, os desembargadores acataram o recurso dos advogados de Ustra e extinguiram o processo.
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Essa segunda ação se refere a danos morais, é subscrita pelos advogados Fábio Konder Comparato, Claudineu de Melo e Aníbal Castro de Souza, e está sendo movida pela irmã do jornalista, Regina Merlino Dias de Almeida, e pela professora aposentada Angela Mendes de Almeida, que era companheira de Merlino.
 
-Não é o julgamento que vai tirar a dor. Além disso, esta luta não é só por este morto, mas também pelos mortos de hoje, já que a polícia continua matando e torturando, destacou Ângela.
 
Integrante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos, Maria Amélia de Almeida Telles, que entrou com a primeira ação declaratória na qual Ustra foi considerado torturador, ressaltou a importância do julgamento:
-Hoje é um momento histórico. Fico emocionada de saber que chegamos, com tanta dificuldade, mas que vamos colocar pela segunda vez, no banco dos réus o coronel Ustra.
 
 
Merlino trabalhou no Jornal da Tarde e na Folha da Tarde e era militante do Partido Operário Comunista (POC). 
 
Foram convocados para depor companheiros de Merlino no POC (Otacílio Cecchini, Eleonora Menicucci de Oliveira, Laurindo Junqueira Filho, Leane de Almeida e Ricardo Prata Soares), e ainda o ex-ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo de Tarso Vanucchi, e o historiador e escritor Joel Rufino dos Santos.
 
Presa durante três anos e oito meses, Eleonora Menicucci de Oliveira afirmou à juíza Claudia de Lima Menge que esteve presente a uma sessão de tortura ao lado de Merlino.
-Eu estava na cadeira do dragão e o Merlino no pau-de-arara. O Ustra entrou e saiu umas duas ou três vezes. Era ele quem ordenava tudo. Era uma engrenagem do Estado brasileiro a que nós, jovens, estávamos completamente submetidos.
 
Otacílio Cechini afirmou ter ouvido uma conversa telefônica entre o coronel Ustra e o agente que acompanhava Merlino no hospital.
-Ouvi quando Ustra disse ao telefone que tomaria a decisão final.
 
Leane de Almeida afirmou ter testemunhado o estado de saúde crítico de Melino:
– Ouvi Merlino gritar durante três dias após as sessões de tortura. Vi o corpo dele, não sei se ainda vivo, sendo colocado no porta-malas de um carro. O Ustra também me torturou no pau de arara. Ele comandava, atiçava os outros.
 
O ex-ministro dos Direitos Humanos Paulo Vannuchi também falou sobre a morte do jornalista:
-Vi um rapaz sendo levado em uma escrivaninha até o corredor. Ele ficou a menos de um metro da grade da minha cela. Perguntei o nome e ele precisou repetir porque eu não tinha entendido direito. Ele tinha sido trazido e deitado numa mesa para receber uma massagem de um enfermeiro que usava uma calça oliva e usava um nome boliviano. A massagem estava sendo feita em uma das pernas de Merlino, que tinha um quadro de cor escura, a chamada cianose, com risco de gangrena. Eu e outros 40 presos políticos fizemos greve de fome em 1972, pedindo tratamento digno. Eles levaram eu e o Paulo de Tarso Venceslau. O Ustra comandou aquela sessão de tortura cujo objetivo não era falarmos sobre os nossos companheiros, mas nos obrigar a parar a greve de fome.
Para Vannuchi, o julgamento pode auxiliar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Lei da Anistia.
-Essa ação de hoje é civil, e uma condenação civil já quebra a impunidade, pode declará-lo torturador e responsável pelas mortes, obrigando o Supremo a refletir se deve manter a decisão do ano passado ou reformá-la.
 
Joel Rufino dos Santos foi preso algum tempo após a morte de Merlino e, através de torturador que queria intimidá-lo e amedrontá-lo, soube de detalhes da morte de Melino.
-Depois de tortura implacável em pau de arara, Melino foi mandado para o hospital e, para salvá-lo, teriam de amputar as pernas. Os torturadores decidiram, então, deixá-lo morrer. Ustra era o comandante das torturas. Ele me torturou pessoalmente.
 
As testemunhas de defesa de Ustra serão ouvidas por meio de carta precatória. Foram arrolados José Sarney, Presidente do Senado, o ex-ministro Jarbas Passarinho, o coronel da reserva Gélio Augusto Barbosa Fregapani, e os generais da reserva Paulo Chagas, Valter Bischoff e Raimundo Maximiano Negrão Torres e Ricardo Prata Soares. Não há prazo para a conclusão desta etapa.
 
À Agência Brasil, o advogado Paulo Alves Esteves sublinhou que seu cliente “jamais participou de qualquer ato de agressão ou de violência contra qualquer pessoa tanto em sua vida civil como profissional e nunca determinou nada contra ninguém”.
 
 
*Com JB, O Globo, Último Segundo, Rede Brasil Atual, Agência Brasil.