Um especialista na festa mais popular do Brasil


03/01/2008


José Reinaldo Marques
04/01/2008

Desde que se transferiu de Salvador para o Rio de Janeiro a vida já sinalizava ao fotógrafo Jayme Gama que o seu destino, por causa da sua paixão pela música e a fotografia, seria uma ligação definitiva com o que há de mais genuíno da nossa cultura popular. Gama nasceu na Bahia em 14 de janeiro de 1930, está com 77 anos de idade e a sua marca registrada é o importante acervo sobre personalidades e festas populares do Rio, que reuniu em mais de 50 anos de carreira.

Assim como a lendária porta-bandeira Vilma Nascimento, pelas lentes de Jaime Gama foram captadas imagens de outras figuras emblemáticas do carnaval carioca, como Natal da Portela, Emilinha Borba e o compositor carnavalesco João Roberto Kelly. Há também fotos do amigo Althemar Dutra, Clara Nunes e do cantor Jamelão, que também ficou famoso como intérprete da escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, de quem o fotógrafo é fã e acompanhou shows em todo o Brasil.

A fotografia surgiu na vida de Gama como um hobby, “uma brincadeira” que ele fazia com uma antiga máquina de caixote, muito cedo em Salvador, quando tinha 16 anos de idade:
— Naquela época, eu estava começando a vida e gostava de guardar recordações das namoradas, botava filmes na máquina e saía fazendo os meus registros. Mas o que eu queria mesmo era ter um nome, subir na vida para poder ajudar a minha família. Por isso, desde os 9 anos fiz de tudo um pouco, fui barbeiro, cabeleireiro e sapateiro, para ganhar o dinheiro do sustento da casa na Roça do Lobo, hoje Vale dos Barris, na Cidade Alta, em Salvador.

Quando completou 16 anos, o esforço de Gama para sair do anonimato começou a surtir efeito. Nessa época já tinha intimidade com instrumentos musicais, gostava de cantar e não desperdiçou uma chance de se apresentar na Rádio Excelsior, da Bahia, onde conheceu o compositor Antonio Maria, que era diretor da Rádio Sociedade de Salvador:
— Foi o Antonio Maria quem me incentivou a vir para o Rio de Janeiro, para tentar a carreira de compositor e músico, recordou Gama.

Gama chegou ao Rio em 1951, à época com 19 anos de idade, e o contato com Antonio Maria surtiu um efeito de um bilhete premiado na loteria. Ainda um pouco distante do profissionalismo em fotografia ele teve seu nome citado no Diário da Noite, que na edição de 25 de dezembro de 1957 publicou o seguinte: “Dentro da noite vem, pela mão de Antonio Maria, Jayme Gama, um baiano cantor que lançará músicas do autor de ‘Mania de grandeza’”. No ano seguinte, Gama gravou o sucesso carnavalesco “Meu grande amor”, que o mesmo jornal mencionou como “uma verdadeira explosão para os festejos de Momo”.

Prêmio

Apesar de estar se saindo bem com a música, a fotografia falou mais alto no coração de Gama, que em 1968 resolveu fazer um curso e se profissionalizar de vez:
— Depois que eu fiz o curso comecei a fotografar para a revista Country, que só publicava o jet-set. Foi aí que eu dei o pulo do gato (risos). Fazia as fotos para a revista e depois também vendia cópias das fotografias para as personalidades.

No início dos anos 70, Jayme Gama, morando há quase 20 anos no Rio, por causa das amizades que fez no meio musical, na imprensa e nas rádios cariocas, já se tornara íntimo da cultura local. O seu trabalho começou a ser reconhecido e ele passou a ser requisitado para trabalhar em várias publicações que circulavam na época.

Em 1971, Gama ganhou o concurso Miss Objetiva, realizado pela Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Rio de Janeiro (Arfoc), com promoção do “Programa Flávio Cavalcanti”, na TV Tupi. O prêmio lhe deu muita projeção e as ofertas de trabalho aumentaram. Foi contratado como repórter-fotográfico da revista Ex-Combatentes, onde foi o autor, naquele ano, de uma foto premiada da Esquadrilha da Fumaça, durante um desfile de 7 de Setembro.

Fez amizades com dois grandes fotógrafos, Mafra e Gervásio Batista, que trabalhavam na O Cruzeiro, na qual ele mais tarde veio a trabalhar como freelancer:
— O Gervásio foi um grande incentivador da minha carreira de repórter-fotográfico. Uma vez ele me sugeriu trocar a minha Pentax por uma Nikon e disse: “Garoto você é um grande fotógrafo, fico imaginando o que você faria com uma Nikon nas mãos”. Mas eu preferi continuar com a minha Pentax, que ganhei no concurso de Miss Objetiva, aliás este foi um prêmio que eu venci no peito e na raça. 

Carnaval

Gama trabalhou também na Revista do Rio, e nos jornais Última Hora, Luta Democrática, O Dia e Gazeta de Notícias, onde por dois anos foi destacado para as editorias de Esportes e de Cidade, fazendo principalmente as matérias sobre o carnaval.

Por causa do belo material fotográfico que produziu sobre os principais eventos culturais populares do Rio, foi convidado para ser o correspondente do jornal The Brazilians, que circulava na comunidade de brasileiros em Nova York:
— O editor era o jornalista J. Alves, que eu conheci no programa do João Robert Kelly na antiga TV Tupi, na Urca. Ele queria que eu produzisse fotos sobre religião afro, samba, carnaval, entre outras manifestações da cultura brasileira. Tive algumas dificuldades e fui muito injustiçado, porque apesar de ser correspondente do The Brazilians eu não conseguia ser credenciado para cobrir os desfiles das escolas de samba, o que me obrigava a improvisar para furar o bloqueio e poder fotografá-las. A Riotur nunca reconheceu o meu trabalho, muitas vezes tive que entrar na avenida como fotógrafo clandestino.

Jayme Gama acompanha as agremiações carnavalescas desde a época em que os desfiles aconteciam na Avenida Rio Branco. Recorda que quando o evento passou para a Presidente Vargas não existiam as arquibancadas:
— Me lembro que o povo assistia aos desfiles em cima de caixotes e a polícia usava o regimento de cavalaria para impedir que as pessoas invadissem a pista.

Conta que foi introduzido no mundo do samba por um grupo de respeitados cronistas carnavalescos, como Paulo Francisco, Aroldo Bonifácio, Waldinar Ranulfo, Manoel Abranches e Carlos Martins:
— Foram esses grandes cronistas que me introduziram no carnaval, cujos melhores momentos eu fotografei nos ensaios de blocos, escolas de samba e o evento Banho de Mar à Fantasia, que me deram muito prazer em registrar. Todo o material fotográfico que eu fiz sobre esse movimento, eu cedi para vários jornais do Rio.

Modesto, Gama por onde anda está sempre acompanhado da sua Pentax, diz que não pode julgar o seu próprio trabalho: “Eu me acho um profissional, mas um grande fotógrafo ainda não”. Mas quem acompanhou o seu trabalho diz que ele conquistou o reconhecimento, que tanto almejava desde que deixou Salvador para vir morar no Rio de Janeiro. E se tornou, como diz o jornalista Hélio Araújo, “no fotógrafo de todos os tempos”.


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