O que temos a ver com a morte de Elias Maluco?


28/09/2020


Por Rogério Marques, jornalista, membro da Comissão Liberdade de Expressão e Direitos Humanos da ABI

Terça-feira, 22 de setembro. Preso há 18 anos, Elias Pereira da Silva, conhecido como Elias Maluco, é encontrado morto em sua cela no presídio de segurança máxima de Catanduvas, Paraná. Ao que parece, ele se matou por enforcamento depois de enfrentar problemas de depressão.

Nas redes sociais e nos comentários dos leitores às matérias sobre o assunto, havia um clima de comemoração, o que não chega a causar espanto.

Desgraçadamente, uma grande parte dos brasileiros não entende que presidiários têm que pagar pelos seus crimes e tentar, depois, a ressocialização. Ao contrário, as pessoas acreditam que preso tem que sofrer, ter tratamento degradante, se possível com torturas diárias. E é exatamente isso que os presídios brasileiros oferecem

Em boa parte, esse foi um dos motivos da eleição para presidente de Jair Messias Bolsonaro, defensor declarado da tortura, do extermínio e da teoria de que bandido bom é bandido morto, que já elegeu vários outros políticos.

Como se sabe, Elias Maluco ficou famoso por um crime terrível, o assassinato do jornalista Tim Lopes, da TV Globo, em 2 de junho de 2002. Por ser considerado líder de facção criminosa, passou a cumprir pena em presídios de segurança máxima.

Nesse sistema os presos vivem em celas de seis metros quadrados, monitorados por câmeras. O isolamento é total, nem vozes se ouvem nessas celas. Além do distanciamento geográfico, porque estão longe de seus estados de origem, visitas íntimas estão proibidas desde 2017, e desde fevereiro do ano passado não é possível o contato físico com com parentes. Esse contato é feito através do parlatório, com interfones.

Alguns presos são mantidos neste sistema há mais de 10 anos. Muitos adquirem doenças psiquiátricas e  vivem à base de antidepressivos.

A morte de Elias é a segunda em circunstâncias parecidas, neste ano. Em abril, Paulo Rogério de Souza Paz, o Mica, apareceu morto em sua cela na penitenciária federal de Mossoró.

A questão não é um discurso de “direitos humanos”, que para muitos virou palavrão. Mas de um sistema penitenciário medieval, que piorou no atual governo, no qual organismos que por lei têm a missão de investigar abusos contra presidiários estão tendo seu trabalho cerceado.

Sim, a questão não é fácil. Muitos presos continuam delinquindo mesmo na prisão. E se valem de contatos com parentes e até com advogados inescrupulosos para passar mensagens e ordens a comparsas em liberdade.
Mas a tortura não pode ser a solução, e o que acontece com esses presos é tortura diária, é algo que leva o prisioneiro à loucura ou ao suicídio. Esse é apenas um dos lados sinistros do sistema prisional brasileiro, que sabidamente não é feito para ressocializar ninguém, ao contrário.

Devo dizer que o repórter Tim Lopes era meu amigo e que seu assassinato foi um dos crimes que mais me chocaram na vida. Mas tenho certeza que, com a visão social que tinha do jornalismo, Tim Lopes jamais seria favorável ao que acontece nas prisões brasileiras. Ao contrário, estaria fazendo reportagens para denunciar os crimes, as torturas, os massacres que acontecem nessas prisões.

Diante do que vemos diariamente no sistema prisional brasileiro, não podemos nos iludir, silenciar ou ficar acuados com medo de acusações cínicas de que estamos defendendo bandidos. Uma sociedade que acredita estar fazendo justiça respondendo à barbárie com barbárie apodreceu e não sabe.