14/09/2012
Apesar de sermos vizinhos de bairros em Niterói, não o via com muita frequência na Ultima Hora da Sotero dos Reis, pois talvez ele passasse às carreiras pela redação principal, que era a redação-corredor-de-trânsito da Reportagem Geral.
Muito tempo depois – o jornal já empastelado e incendiado pelos paramilitares em 1964 e depois comprado em 1972 pela própria ditadura – encontrei Oriovaldo Rangel, o Ori, no Sindicato-RJ, quando ambos integramos nos anos 2000 as seguidas chapas encabeçadas por Sílvio Paixão e por Ernesto Vianna. Das duas vezes entramos na representação junto à Fenaj.
Em seguida ele lançou o seu “Espólio de Fantasmas”. Fui à noite de autógrafos na Sala Carlos Couto e comentamos acontecidos de Miracema – “um burgo fluminense mineiríssimo” -, o set literário, aliás, de seu livro, uma fracionada ilíada regional com Maria Batuquinha e outros protagonistas de acontecências sertanejas miracemenses, fronteira com MG. Um livro de histórias curtas mas de primeira grandeza como memorial gostoso de ser lido. O jeito narrativo e literário faz lembrar muito Guimarães Rosa, Grande Sertão, Corpo de Baile, Sagarana… E quando um jornalista/escritor faz lembrar o inimitável e por vezes impenetrável Rosa é porque ele é muito bom. E Ori era muito bom mesmo!
Depois dos autógrafos que atraíram velhos companheiros ultimahorenses – inclusive o também miracemense e homem do samba José Carlos Rêgo – desandei a ver o Ori na rua. Quase sempre o via e parava para um dedo de papo na área de sua casa que se estende no raio que vai do fim da Amaral Peixoto até a rua Dr Celestino e a avenida Marquês do Paraná. Rememorar UH era de praxe, como se cumpríssemos um dogmático ritual de saudade ao Velho Vespertino de Samuel Wainer.
Enquanto ele comprava laranjas e peras no Hortifruti da Marquês, eu buzinava novidades no ouvido dele. Ele retribuia com críticas ácidas quase sempre aos personagens do dia a dia, que podiam ser críticas a um candidato malenjambrado à Presidência, como podiam ser uma comparação dos políticos da hora com os bons nomes de outrora – um dos quais era Leonel Brizola, ao qual se referia como “O Engenheiro”. Ori era comuna. Daqueles comunas idealistas bem abertos e bonachões.
De uma das últimas vezes ele comentou o quanto estava bom O Jornal da ABI: “A melhor leitura que temos agora!…” Concordei com ele, falando de matérias que tinham saído no Jornal da ABI, como aquela do fim do JB, a dos sinos dobrando pela Tribuna da Imprensa… E então voltávamos à vaca fria da morte de UH: “Uma pena, nunca mais apareceu outro jornal igual”. Concordei. Então pegávamos o gancho e nos comprazíamos em desancar os jornalões sem livrar a cara de nenhum: “Ler qualquer um é ler qualquer todos”.
Rimos ao constatar que notícia mesmo a TV até estava dando para o gasto. “Pena que a Globo continuava esterilizada, facciosa, fascista”. E imprecisa, inclusive imperdoavelmente quanto a locais: “Como é que pode eles não dizerem nem a cidade onde as coisas aconteceram?!” Era verdade, é verdade: a precisão dos fatos até com relação à localização é ignorada em detrimento da imagem. “Afinal, Pinheiro, texto é só legenda e fala de apresentador anafabetizado que não está nem aí para a verdade do que ele está falando ou escreveram para ele falar como um papagaio que só fala bem se for palavrão”. Concordei. E vou continuar concordando com tudo de e sobre Ori. Só não concordo com sua morte assim tão depressa. Será que não dava, oh! Deus!, para esperar mais um pouco.
O Continentino Porto tinha me pedido para fazer um perfil dele que ia sair no próximo número de O Jornalista, o jornal do Sindicato. Prometi fazer. Continentino me disse então que ia pegar uns dados iniciais com ele: nascimento, educação, jornais todos onde trabalhou etc… Eu falei com Continentino que ia arrancar dele umas coisas engraçadas sobre sua vida de jornalista e de assessor de imprensa pra botar no perfil que faríamos a quatro mãos, pois duas mãos só não iam dar conta para fazer um bom perfil do cara. Ficou combinado. Só esquecemos a lição do Garrincha de combinar com ele, com Ori. Não esquecemos não, aliás! Não deu foi tempo. Ori morreu nesta quarta-feira 12 de setembro.
Enquanto escrevo essas anotações que me vêm de repente à cabeça… e aos olhos turvos… penso que Ori acabou de ser sepultado naquele cemiteriozinho meio miracemense do Saco de São Francisco. Onde também está enterrado Paixão. Sílvio Paixão, o cabeça de chapa sindical. Será que os dois já se encontraram lá em cima e estão no maior abraço depois de tanta atribulação aqui por baixo?…”