Militares relatam perseguições à CNV


06/05/2013


Por Mário Augusto Jakobskind. 

Na segunda parte da histórica Audiência Pública promovida pela Comissão Nacional da Verdade com militares perseguidos pela ditadura, realizada no sábado 4 de maio na ABI,  vários dos protagonistas daqueles tempos obscuros prestaram depoimentos contando as perseguições sofridas. Muitos deles guardam ainda sequelas das torturas praticadas por agentes da repressão não só em quartéis militares como nos departamentos de ordem política e social. Cabos e sargentos que em março-abril de 1964 se posicionaram em defesa da legalidade foram os mais atingidos. Muitos deles continuam tentando conseguir a anistia e serem reconhecidos como membros  das corporações militares, que os tratam como párias em suas repartições.

Antes do início dos depoimentos foi apresentado um vídeo da Senhora Iracema Teixeira, viúva do Brigadeiro Teixeira,  mãe do ex-Reitor da UFRJ, Aloísio Teixeira, falecido no  ano passado, contando o que a família sofreu depois do golpe de lº de abril de 1964. Os inimigos do oficial legalista chegaram a incendiar a casa do Brigadeiro, localizada no Posto 6, em  Copacabana, e deixaram a família apenas com a roupa do corpo.

Integrantes do Corpo de Bombeiros de Nilópolis, como Casimiro da Silva, contaram em detalhes as perseguições sofridas e como foram reprimidos por oficiais militares, entre os quais o então temido na região da Baixada Fluminense Capitão José Ribamar  Zamith e seu preposto José Ribamar Lemos, depois promovidos a general.

Um dos casos mais impactantes, ocorrido alguns anos depois do gope foi  narrado por Luís Claudio Monteiro da Silva, que contou que foi preso no início dos anos 1980 por estar lendo artigo elogioso a Darcy Ribeiro no alojamento da unidade em que  estudava. Além de ter sido expulso do curso que fazia, frustrando seu sonho de  se tornar militar, Luís Cláudio foi preso e torturado. Ele guarda  até hoje sequelas desse sofrimento.

A Comissão Nacional da Verdade ouviu também depoimentos de testemunhas de torturas de presos políticos nas dependências de quartel da Aeronáutica, mais precisamente no Galeão. Segundo um dos depoimentos, enfermeiros são testemunhas da presença de presos políticos com pernas gangrenadas e que não tiveram a assistência médica devida.

Outros depoimentos demonstraram que até os dias atuais militares, sobretudo os de escalões inferiores,  seguem tratados como párias. Tanto eles como os oficiais perseguidos quando se dirigem atualmente a alguma repartição militar para tratar de questões burocráticas são tratados como se fossem leprosos, como também havia relatado o ex-Capitão  Eduardo Chuahy em seu depoimento,  na parte da manhã.

Dos 8 mil cabos expulsos das três Armas, 2.500 foram anistiados, mas a efetividade da decisão foi sendo protelada. Muitos já morreram e hoje restam pouco menos de mil aguardando o cumprimento do que foi decidido.

No final dos depoimentos, o advogado Daniel Renout da Cunha, do Instituto João Goulart, afirmou que documentos tornados públicos em Washington deixam claro que um dos objetivos do movimento de 1964 era a divisão do País, como aconteceu na Coréia, dividida em Coréia do Norte e Coréia do Sul. Percebendo esse quadro,o Presidente João Goulart não reagiu ao golpe, segundo o advogado, para  preservar a unidade nacional. ”O clima estava armado para uma guerra civil sangrenta. Se houvesse uma reação legalista, o Governo norte-americano reconheceria o Governo de Minas Gerais, então sob o comando de Magalhães Pinto, como representante oficial do Brasil. Os Governos de São Paulo e do  então Estado  da Guanabara apoiariam esse reconhecimento. Então, não há nada a lamentar por não ter havido reação por parte da oficialidade legalista”, disse Renout da Cunha.

Em um dos documentos, afirmou, aparece a informação segundo a qual o então Presidente John Kennedy teria se convencido da necessidade de os Estados Unidos fazerem algo no Brasil e sugeriu que se supervalorizasse a infiltração comunista. Mas o verdadeiro objetivo, disse Renout da Cunha eram os nacionalistas que contrariavam interesses econômicos norte-americanos.

O mesmo tipo de estratégia foi utilizado recentemente pelo Departamento de Estado na Bolívia,  presidida por Evo Morales. A CIA estimulou governadores de três Estados para se separar da Bolívia, os quais contariam com o reconhecimento dos Estados Unidos, que estimulavam a dissidência. A reação legalista e a participação popular impediram que o plano desse certo.

O professor de História Renato Lemos, da UFRJ, fez uma palestra sobre o período que antecedeu ao golpe de 1964, mostrando que as Forças Armadas, sobretudo o Exército, estavam divididas entre a oficialidade nacionalista, que defendia a legalidade, e o grupo dos liberais democratas, de direita, também conhecidos como entreguistas. Havia então disputas acirradas entre os dois grupos, o que se podia constatar nas eleições para a diretoria do Clube Militar. Esta disputa, segundo Renato Lemos, remonta aos anos 1940 e 1950, em que ocorrem episódios como a campanha O Petróleo é Nosso, o suicídio de Getúlio Vargas, a posse de Juscelino Kubitschek, todos vencidos pelos militares nacionalistas,  e o golpe de 1964, desta vez vencido pelos entreguistas liberais democratas.