Médico denuncia crise na saúde


29/03/2011


O Presidente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro(SinMed-RJ), Jorge Darze, ministrou palestra nesta terça-feira, dia 29, durante a sessão do Conselho Deliberativo da ABI, a convite do Comissão de Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da Associação. Na pauta, a crise no setor de saúde e a preparação para o ato público pelo Dia Mundial da Saúde, no próximo dia 7 de abril, quando a ABI celebra o 103º aniversário de sua fundação e o Dia do Jornalista.
 
Compuseram a mesa do evento o Presidente Maurício Azêdo, o Presidente do Conselho Deliberativo, Pery Cotta, e o Conselheiro José Pereira da Silva, Pereirinha.
 
Lênin Novaes, Presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da Associação, abriu o encontro destacando a importância de debate em torno do tema:
—O objetivo do convite ao Dr. Jorge Darze e à assistente social Vanessa Bezerra de Souza, do Fórum de Saúde do Rio de Janeiro, é formar uma parceria entre a ABI e o Sindicato dos Médicos para construirmos uma agenda de discussão em torno da saúde no Rio de Janeiro. A situação no Rio é caótica e preocupa a sociedade, como a questão da dengue e a multiplicação de ações impetradas na justiça em busca do direito à saúde.
 
Jorge Darze iniciou a palestra agradecendo o convite da ABI para debater os problemas que envolvem o setor da saúde no Rio de Janeiro:
—Fico grato pela oportunidade de trazer a realidade do sistema público de saúde. Agradeço especialmente à Comissão de Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos pelo convite que muito nos honra. O Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro está completando 84 anos de existência. É o primeiro Sindicato dos Médicos do Brasil. No início do século passado, no Centenário de Independência do Brasil, em 1922, houve uma grande feira nesta região do antigo Morro do Castelo. Na ocasião, os médicos se reuniram em um congresso para discutir questões de trabalho, como o assalariamento, além de temas como a proliferação das escolas médicas, a avaliação dos currículos escolares, e demais problemas que continuamos a conviver até hoje. Oswaldo Cruz, Clementino Fraga, Miguel Couto, e outros nomes de destaque na história da Medicina no Brasil, foram fundadores do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro(SindMed-RJ).
 
Darze lembrou que o Rio de Janeiro, como ex-capital da República, reúne a maior rede pública de saúde do Brasil, mas nem por isto encontra-se em situação confortável:
—Por sua história, o Rio deveria ter sido o berço da discussão da chamada Reforma Sanitária, viabilizada na Constituição de 1988. Lamentavelmente, sua realidade é dramática. O Rio de Janeiro é o estado campeão em casos de tuberculose no Brasil. Isto ocorre por uma ação deliberada do poder público que estabeleceu como meta da saúde pública uma maneira de matar pobres e ficar impune. Vivemos uma situação desgraçada, de penúria, de sofrimento que tem levado centenas de pessoas a abreviar a sua vida em função da dificuldade do atendimento. Os veículos de comunicação denunciam este drama diariamente.
 
O médico deu prosseguimento ao encontro com a apresentação multimídia sobre o caos na saúde pública no Brasil e, mais especificamente, no Rio der Janeiro. Manchetes de jornais já extintos, como Diário de Notícias, O Jornal e Última Hora, já denunciavam a crise no setor há mais de cinco décadas, incluindo a greve dos médicos realizada em 1953. Imagens atuais revelaram flagrantes do descaso com a população e profissionais de saúde, além do sucateamento de hospitais do município e do estado do Rio de Janeiro, que se arrastam até os dias de hoje.
—Temos realizado visitas nos hospitais para registramos os problemas e a falta de respeito à nossa população. Cenas chocantes, com fontes de infecção hospitalar, contaminação de pacientes, superlotação, uso de roupas que não são do hospital, ambiente que facilita a proliferação de doenças. A mesma cena se repete em hospitais do município e do estado, afirmou.
 
Em 2009, um caso emblemático chegou às páginas dos jornais e ao gabinete do Ministério Público:
—Um homem baleado deu entrada no hospital público, mas morreu porque naquele plantão não havia anestesista. Três semanas antes da morte do paciente, o Sindicato já vinha denunciando às autoridades do Governo que faltava um médico anestesista na equipe. Uma unidade de emergência 24h jamais pode funcionar sem o anestesista. Este caso está sendo investigado pelo Ministério Público, e foi um dos poucos em que conseguimos estabelecer o nexo de causalidade entre a morte e o atendimento. Poderíamos ter uma CPI para investigar e responsabilizar a que de direito sobre o que considero um homicídio com autoria conhecida, mas nada ainda foi feito neste sentido, disse Darze.
De acordo com dados do SinMed-RJ, 125 milhões de pessoas são atendidas pelo Sistema Único de Saúde no Brasil. Contudo, elas não têm acesso aos medicamentos. Cerca de 40 milhões de brasileiros são assistidos pelo sistema complementar de saúde através de planos de saúde que, em sua maioria, de acordo com o SinMed-RJ, não oferece serviço de qualidade. Já os brasileiros que possuem melhor renda, em torno de 25 milhões de pessoas, podem custear atendimento médico satisfatório.
—Este cenário mostra que a maioria das pessoas depende do sistema único de saúde. E quando falamos em urgência e emergência, a porta de entrada passa a ser o hospital público. Pela Constituição de 1988, saúde representa, além de assistência médica de qualidade, emprego, salário, educação, habitação, saneamento, transporte, alimentação, cultura e lazer.
 
Darze discorreu, em seguida, sobre a Reforma Sanitária, aspectos da legislação sustentados pelo artigo 196 da Constituição Federal que diz que “A saúde é direito de todos e dever do Estado”, sobre as Leis 8080/90 e 8142/90 e a Emenda Constitucional 29/2000.
— A legislação do Sistema Único de Saúde é a mais avançada do mundo. Não encontraremos em nenhum lugar do planeta um sistema tão bem estruturado e organizado como o do Brasil. Vivenciamos uma situação paradoxal, já que, apesar de ser um dos projetos de saúde mais avançados, o Brasil ocupa um dos piores lugares no ranking dos países que apresentam posição medíocre do ponto de vista da qualidade da assistência. Está sob a nossa competência fazer valer o cumprimento da legislação que conquistou grandes avanços a partir da Constituição de 1988, quando foi criado o SUS, garantindo o direito amplo à saúde, antes restrito aos assalariados.
 
A situação dos médicos foi analisada a partir de alguns artigos do Capítulo I do Código de Ética Médica, que trata dos Princípios Fundamentais do exercício da Medicina:
 
Art. 1º- A Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e deve ser exercida sem discriminação de qualquer natureza.
 
Art. 2º – O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.
 
Art. 3º – A fim de que possa exercer a Medicina com honra e dignidade, o médico dever ter boas condições de trabalho a ser remunerado de forma justa.
 
Art. 4º – Ao médico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da Medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão.
 
Art. 5º – O médico deve aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente.
 
Art. 17º – O médico investido em função de direção tem o dever de assegurar as condições mínimas para o desempenho ético-profissional da Medicina.
 
Darze destacou que a degradação do sistema público de saúde afeta a rotina dos médicos que enfrentam conflitos éticos a partir da precarização do trabalho e do atendimento:
—Lamentavelmente, o Vice-Presidente da República, José Alencar, morreu hoje. Muitos brasileiros têm a mesma patologia, mas não tiveram acesso à assistência que ele teve. Não pode haver uma medicina boa para quem pode pagar e uma medicina para quem é pobre. Até a década de 1950, a medicina era exercida como uma profissão de formação geral. Com o avanço da ciência e da tecnologia, a medicina começou a se compartimentar. Atualmente agrupa em torno de 56 especialidades. Com isto, a relação médico-paciente — antes tão próxima, como o registro da tela “Ciência e Caridade”, de Pablo Picasso — está se distanciando. O equipamento passa a ser mais importante do que o médico, em razão da lógica mercantilista.
 
A Síndrome de Burnout, estado de esgotamento físico e mental cuja causa está intimamente ligada à vida profissional, foi constatada em 57% dos médicos que participaram de um estudo do Conselho Federal de Medicina(CFM), em 2007:
—O médico tem o sistema nervoso alterado. Ele somatiza e adoece em função do ambiente de trabalho. De acordo com o estudo, um em cada cinco médicos sofre de esgotamento e estafa resultante do exercício da profissão. Um em cada dez médicos encontra-se no estágio extremo da Síndrome de Burnout, que o impede, inclusive, de exercer a profissão. Entretanto, menos de 1% dos médicos brasileiros desistem da profissão. Nossos profissionais são reconhecidos internacionalmente pela competência, sublinha Darze.
 
Os principais desafios para o setor são, segundo o SindMed-RJ, a crise da saúde provocada pela política governamental, a violação da relação médico-paciente, e a mediação feita por terceiros; a legislação dos planos de saúde, a proliferação de escolas médicas, a privatização e terceirização da saúde pública, a gestão privada, o fim do concurso público, a discriminação salarial, a terceirização e a precarização do trabalho, a ameaça ao serviço público, a baixa qualidade do atendimento, a baixa participação dos médicos na sociedade, o piso salarial não regulamentado pelo Congresso Nacional.
 
As Organizações Sociais em Saúde (OSS), também foram citadas por Darze como exemplos de violação constitucional no que concerne à gestão privada, discriminação salarial, terceirização do trabalho, não realização de concurso público, dinheiro público sem fiscalização.
 
—O poder público precisa firmar o compromisso com a saúde pública. Não adianta fazer campanha contra a dengue quando a doença já está instalada. O ovo do mosquito tem sobrevida de um ano. É preciso orientar a população de forma correta. A dengue deve ser combatida com políticas permanentes. O governo sempre tenta culpar a população pela epidemia. Vale lembrar que esta doença foi erradicada por Osvaldo Cruz no século passado. Curiosamente, em 2002, o único centro de doenças infecto-contagiosas do Estado do Rio de Janeiro, o Instituto São Sebastião, foi fechado em plena epidemia de dengue.
 
Antes de iniciar as perguntas ao convidado, os Conselheiros respeitaram um minuto de silêncio em homenagem ao Vice-Presidente da República, José de Alencar, que morreu poucas horas antes da reunião da ABI.
 
Os questionamentos abrangeram diversos temas, entre os quais a legislação dos planos de saúde, a linha de ação do Governo do Estado do Rio de Janeiro na saúde pública, a política neoliberal aplicada à saúde pública, a continuidade da crise e a limitação das verbas para a saúde pública.
 
Darze agradeceu a participação no debate e convidou os presentes para o ato público em defesa da saúde no próximo dia 7 de abril:
—Me sinto cada vez mais esperançoso porque agora estou na ABI, e com a possibilidade de contar com a solidariedade da Associação a esta causa importante que é a luta em defesa da saúde pública. Minhas esperanças estão redobradas. No dia 7 de abril, Dia Mundial da Saúde, aniversário da ABI e Dia do Jornalista, faremos um ato público contra a privatização da saúde. A concentração será às 11h, em frente à ABI. Seguiremos em caminhada até a sede da Secretaria Estadual de Saúde, na Rua México, no Centro.
 
O Presidente da ABI, Maurício Azêdo, encerrou o encontro agradecendo aos participantes e saudando a parceria da ABI com o SindMed-RJ:
—A ABI e seu Conselho Deliberativo agradecem a presença do Dr. Darze e de Vanessa Bezerra de Souza, que nos ofereceram um quadro sobre esta situação calamitosa da saúde na cidade e no estado do Rio de Janeiro. Temos grande admiração de longa data pelo Dr. Darze, por seu perfil de lutador e militante social, como um homem de ciência devotado com extremada competência ao objeto de seu sacerdócio que é a medicina, e pela seriedade com que encara estas questões. Queremos proclamar a intenção da ABI, através de sua Comissão de Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos, presidida por Lênin Novaes, que teve a iniciativa do convite, e ampliar esta colaboração adotando novas iniciativas que permitam que a ABI, como instituição, seu corpo social e seus sócios, individualmente, se unam neste esforço para pôr termo ao genocídio da população pobre, como Dr. Darze definiu.