Juíza é assassinada em emboscada no Rio


12/08/2011


Foi sepultado na tarde desta sexta-feira, 12, no cemitério Maruí Grande, em Niterói(RJ), o corpo da Juíza Patrícia Lorival Acioli, 47 anos, da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, assassinada na noite desta quinta-feira, ao chegar de carro em seu condomínio em Piratininga, Região Oceânica de Niterói. Segundo testemunhas, homens encapuzados que ocupavam dois carros e duas motos efetuaram os disparos enquanto a juíza ainda estava dentro do automóvel. 

Peritos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) realizaram, na manhã desta sexta-feira, a perícia no veículo, onde foram encontrados projéteis de calibre 40 e 45. O Delegado titular da Divisão de Homicídios, Felipe Ettore, afirmou que houve uma emboscada seguida de execução e que a juíza foi morta com 21 tiros. Ao longo do dia, cerca de dez pessoas prestaram depoimento na delegacia, entre elas, vizinhos da Juíza e o namorado dela, Marcelo Poubel.

A Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados informou que vai acompanhar as investigações sobre o assassinato.

Titular da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo desde 1999, a magistrada era a única que julgava processos de homicídio, e crimes correlatos, na cidade. Ela era conhecida por sua atuação rigorosa contra grupos de extermínio que agem em São Gonçalo e por dar celeridade aos processos. Na lista de condenações há casos contra milícias e máfias dos combustíveis e dos transportes alternativos.

 
Horas antes de ser assassinada, Patrícia Acioli havia decretado a prisão preventiva de dos policiais militares Carlos Adílio Maciel e Sammy dos Santos Quintanilha, do 7º BPM (Alcântara). Eles são acusados de forjar um auto de resistência, ocorrido no dia 5 de junho deste ano, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo.
 
De acordo com fontes da polícia, nos últimos dez anos a Juíza foi responsável pela prisão de cerca de 60 policiais ligados a milícias e a grupos de extermínio. O nome de Patrícia Acioli constava em uma lista de doze pessoas marcadas para morrer. O documento foi encontrado com Wanderson da Silva Tavares, o Gordinho, preso em janeiro deste ano em Guarapari, no Espírito Santo, acusado de chefiar uma milícia em São Gonçalo.
 
O jornalista Humberto Nascimento, primo de Patrícia Acioli, disse que ela estava sem escolta por determinação do ex-presidente do Tribunal de Justiça, Desembargador Luiz Zveiter.
 
Atual Presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), Zveiter negou que tenha determinado a retirada da escolta da juíza. Segundo o Desembargador, que presidiu o Tribunal de Justiça em 2009 e 2010, a escolta da juíza foi retirada em 2007, quando ele ainda não presidia o TJ, a pedido da magistrada.
 
O Presidente do Tribunal de Justiça, Desembargador Manoel Alberto Rebelo dos Santos, afirmou que admite a hipótese de a Juíza ter sido assassinada por sua atuação rigorosa contra grupos de extermínio formado por policiais militares. Ele determinou que fossem lacrados o gabinete e as câmaras de segurança da 4ª Vara Criminal, que ficarão à disposição da polícia para a apuração do crime, e afirmou que pretende criar uma comissão de juízes criminais para assumir os processos da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo que estavam sob a responsabilidade de Patrícia Acioli.
 
O Procurador-geral de Justiça do Rio, Cláudio Lopes designou o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público (GAECO) para a investigação da morte da juíza. Outros três Promotores de Justiça auxiliarão o grupo, analisando as linhas de investigação e levando em consideração as pessoas que já foram condenadas ou julgadas pela juíza e que teriam interesse em sua morte.
 
Em janeiro deste ano, Patrícia Acioli decretou a prisão preventiva de seis policiais do 7º BPM, acusados de forjar um auto de resistência (morte em confronto com a polícia), em outubro do ano passado, em São Gonçalo. Em setembro de 2010, a magistrada expediu os mandados de prisão de quatro policiais militares acusados de participar de um grupo de extermínio que teria executado 11 pessoas, em São Gonçalo.
 
Rigor
 
O Presidente da seção de Niterói da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Antônio José Barbosa da Silva, pediu uma apuração rigorosa para se chegar aos criminosos que executaram a juíza Patrícia Acioli.
 
O Presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio (Amaerj), Antonio Siqueira disse que a execução de Patrícia Acioli chocou a magistratura fluminense porque há muitos anos não se tem notícia de atentados contra magistrados no Estado do Rio.
 
Em nota, o Presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, cobrou “a imediata apuração dos autores e mandantes do assassinato, uma barbaridade contra um ser humano e, sobretudo, contra Justiça brasileira e o Estado de Direito.”
 
Segundo Gabriel Wedy, Presidente da Associação de Juízes Federais do Brasil(Ajufe), pelo menos 30 juízes federais comunicaram terem recebido ameaças devido ao seu trabalho em 2010:
—Os juízes federais não têm escolta, porque não há efetivo policial para isso. O número de 30 do ano passado é apenas uma amostra, pois todos os 500 juízes federais criminais estão potencialmente correndo risco. O dia em que o juiz tiver medo de julgar, ninguém mais vai dormir tranqüilo. Todo magistrado federal que processa e julga o crime organizado ou narcotraficantes está potencialmente sujeito a ser morto. O crime organizado hoje tem serviço de inteligência, armamento igual ao do Exército. Precisamos ter a nossa polícia, vinculada ao Poder Judiciário, para poder dar segurança aos juízes, testemunhas e às pessoas que transitam nos tribunais.

O Projeto de Lei Complementar número 3 (PLC-3/2010), está tramitando no Congresso e prevê a criação de uma Polícia Judiciária para dar poder de polícia aos agentes dos tribunais, porte de arma e também atuação como agentes de escolta, afirmou Wedy.

 
Em entrevista coletiva concedida na sede do Conselho Nacional de Justiça, em Brasília, nesta sexta-feira, a Corregedora nacional de Justiça, Ministra Eliana Calmon, disse que a Ajufe chegou a dar uma declaração que tinham cerca de 40 magistrados que estavam ameaçados.
—Eu já oficiei duas vezes a Associação dos Juízes Federais para que fornecessem à Corregedoria o nome desses magistrados ameaçados, para tomarmos as devidas providências.
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A Ministra declarou que pelo menos 87 juízes trabalham sob ameaça de morte ou de agressões físicas no País:
—Os dados do CNJ são parciais. Isso porque, apesar de o Conselho ter enviado ofícios aos 27 tribunais de Justiça e aos cinco tribunais regionais federais do país, nem todos responderam à solicitação de informações sobre ameaças a juízes. Há cerca de dois meses, o Conselho pediu aos tribunais a adoção de práticas efetivas para garantir a segurança dos magistrados, e solicitou também que informassem, no prazo de 15 dias, se havia juízes ameaçados nas respectivas regiões. O CNJ não faltou com o seu dever de estar ao lado da magistratura. Pedimos a todos os tribunais que garantissem a segurança dos magistrados, especialmente daqueles que trabalham nas varas criminais e nas varas de execução penal. No mesmo ofício, foram pedidos os dados sobre juízes ameaçados.
 
Em resposta ao ofício, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro respondeu, de acordo com a Ministra, que havia 13 magistrados com escolta porque foram ameaçados: sete desembargadores e seis juízes de primeira instância:
—O nome da Juíza Patrícia Acioli não constava da relação. Os tribunais de Justiça e São Paulo e de Minas Gerais, por exemplo, não enviaram informações ao CNJ, disse Eliana Calmon.
 
Os ofícios foram enviados depois que o CNJ criou um grupo de trabalho para fazer um estudo sobre a segurança da magistratura. O grupo é formado por dois juízes auxiliares da Corregedoria Nacional de Justiça, um policial federal e um membro do Ministério Público.
 
—Estamos tentando levantar informações sobre todos os aspectos relacionados à segurança para sugerir o que será preciso fazer. Há, no Maranhão, 24 pedidos de escolta e aperfeiçoamento de segurança por ocorrência de assaltos, arrombamentos e invasões a sedes dos juízos nos últimos dois anos. A situação do estado é preocupante.
De acordo com o CNJ, a juíza foi alvo de quatro representações feitas por advogados e envolvidos em processos sob a tutela de Patrícia. Todas as representações, por abuso de poder, foram arquivadas porque não tinham fundamento. A Ministra destacou que essas representações são comuns a todos os juízes que agem de forma mais rigorosa:
—Meses atrás, por exemplo, nós verificamos que o PCC (organização criminosa de São Paulo), em relação a uma juíza da vara de execuções penais, tinha formulado, na Corregedoria, nada menos do que 46 representações. Os próprios bandidos fazem representações. E isso nós já sabemos”, contou Eliana Calmon.
 
Eliana Calmon relatou que uma juíza de vara de execuções penais de Pernambuco foi ameaçada de morte e pediu ao Tribunal de Justiça um carro blindado. O TJ colocou a juíza sob escolta, mas negou o pedido do carro blindado, com o argumento de que não tinha recursos financeiros para arcar com o gasto. A magistrada então, fez o pedido ao CNJ.
—A juíza faz o mesmo trabalho que fazia a Patrícia Acioli. Ela julga causas que envolvem grupos de extermínio. A Corregedoria Nacional de Justiça providenciou o carro, que já está à disposição do Tribunal de Justiça para ser utilizado por ela.
Eliana Calmon informou que o Presidente do CNJ, Ministro Cezar Peluso, acionou a Polícia Federal, por meio do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para que as investigações sobre a morte da juíza Patrícia Acioli sejam rigorosas.
—Está comprovado que o crime é de extermínio. Não foi passional, não foi assalto. A morte da Dra. Patrícia não ficará em vão. Acho que é um acontecimento que vai despertar a magistratura como um todo, especialmente por parte dos tribunais de Justiça, para termos um pouco mais de cautela, de cuidado, na segurança dos magistrados. Não se pode ter um uma vara de execuções tão forte, onde existem grupos muito audaciosos, perigosos, um único juiz. Isso tem de ser diluído por alguns juízes. Tanto que já foram designados três juízes para substituir a juíza morta. O Ministério Público já toma cuidados como esses. Denúncias mais difíceis, que envolvem pessoas mais perigosas, são assinadas por diversos procuradores da República ou promotores. Quando se concentra a responsabilidade em um único juiz, o risco é maior, ressaltou.

*Com O Globo, Consultor Jurídico.