Jornalista é indiciado por quebra de sigilo pela Polícia Civil em São Paulo


Por Claudia Sanches*

24/08/2015


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Allan Abreu na redação de “Diário da Região” (Foto: Reprodução)

A Polícia Civil de São Paulo indiciou, na quinta-feira (20), o jornalista Allan Abreu, do jornal Diário da Região, de São José do Rio Preto, por quebra de sigilo de interceptação telefônica. O repórter revelou, em agosto do ano passado, as escutas telefônicas de um sequestro ocorrido na cidade. em 2014. Allan de Abreu ficou surpreso quando recebeu a notícia da acusação:
— Eu jamais esperava esse indiciamento, até porque, nesse caso, o atual  processo não está em segredo de justiça. Então, em tese, eu não poderia ser acusado de quebrar sigilo de algo que não é sigiloso.

O jornalista disse ser vítima de “uma forma de intimidação claríssima com o uso dos instrumentos do Estado contra um repórter que não faz o jogo polícia-imprensa. Pago um preço pela escolha de jornalismo que fiz”.

A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) recebeu com indignação e estranheza o indiciamento do jornalista e enviou hoje (24) carta ao governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, repudiando a atitude das autoridades policiais e destacando a tradicional conduta do Governo do Estado de conter e punir os excessos cometidos na esfera policial. O presidente da ABI Domingos Meirelles, acredita ser inaceitável a retaliação ao trabalho desenvolvido pelo repórter Allan de Abreu, que ofende a Liberdade de Imprensa:

— A ABI espera que a intervenção da Corregedoria da Polícia Civil, determinada pelo governador, através da Secretaria de Segurança, restabeleça o primado da Lei na região de São José do Rio Preto. Confiamos que o Estado sempre agirá sempre com firmeza diante de episódios que tentem impedir que a sociedade tenha acesso à informação.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) criticou nesta sexta-feira (21), considerando “um absurdo” o indiciamento do repórter. O Sindicato dos Jornalistas de São Paulo (SJSP) emitiu nota em que diz o ato ser uma ameaça ao exercício da profissão e à liberdade de imprensa.

O repórter, que teve acesso ao processo no fórum da cidade, divulgou trechos das conversas dos policiais com os criminosos. O segredo de Justiça sobre o caso só foi decretado em novembro de 2014, meses após a publicação da matéria.O delegado responsável pelo caso,  coordenador da divisão antissequestro, Airton Douglas Honório, disse que Allan não poderia ter divulgado as escutas sem autorização judicial.

Em nota, a Policial Civil afirma que todas as interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça são naturalmente sigilosas. Ainda, segundo a nota, é o que diz a Lei 9.296 que prevê como crime a divulgação de conteúdo gravado ou transcrito, mesmo que o restante da investigação não esteja em sigilo.

Essa não é a primeira vez que Allan é indiciado pela polícia. Em dezembro do ano passado, a Justiça determinou a quebra do sigilo de todos os telefones do jornal. O pedido foi feito depois que  o “Diário da Região” publicou reportagens sobre um esquema de corrupção na Delegacia do Trabalho de São José do Rio Preto. Um mês depois, uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a medida.

Luiz Roberto Ferrari, advogado do “Diário da Região”, já entrou com habeas corpus no Tribunal de Justiça de SP, solicitando a anulação do procedimento da Polícia Civil. Para ele, “não houve dano à investigação policial. Quando a reportagem foi publicada, o caso já havia sido solucionado: todos os criminosos envolvidos no sequestro foram presos em flagrante”.

De acordo com informações do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Ayres Brito,“a pretensão de criminalizar o jornalista, que obteve informação por meio lícito, no órgão público que a divulgou, é um atentado contra a liberdade de imprensa e de expressão”.

Fonte: G1

Rio, 24 de Agosto de 2015.

 

Nota Oficial

Ao Excelentíssimo Senhor

Governador do Estado de São Paulo

Geraldo Alckmin

Senhor Governador,

 

A Associação Brasileira de Imprensa recebeu com indignação e estranheza o indiciamento do jornalista Allan de Abreu, do Diário da Região, de São José do Rio Preto, ao ser acusado do crime de “quebra de sigilo de interceptação telefônica” pelo Delegado Celso Reis, do Departamento de Polícia Judiciária do Interior (Deinter-5).  A ABI entende que essa decisão, além de representar inaceitável retaliação ao trabalho desenvolvido pelo repórter Allan de Abreu, ofende a Liberdade de Imprensa e macula a imagem do Governo de Vossa Excelência que sempre se destacou em conter e punir, de forma exemplar, os excessos de toda natureza cometidos na esfera policial.

A acusação contra o jornalista não produziu nenhum dano ao inquérito conduzido e concluído, no ano passado,  com a prisão e a denúncia dos acusados do sequestro de um fazendeiro do interior de São Paulo. A reportagem publicada no Diário da Região, no final de agosto de 2015, apenas reproduziu trechos dos diálogos gravados pela Divisão Antissequestro com autorização judicial.

O repórter Allan de Abreu teve livre acesso ao  processo, na 3ª Vara Criminal da cidade, onde os autos não se encontram sob sigilo, por se tratar de um crime de ação penal pública incondicionada. O Delegado Celso Reis extrapolou também os limites de sua atuação legal ao se imiscuir em um processo cuja guarda e titularidade são da exclusiva competência do Ministério Público Estadual.

A ABI espera que a intervenção da Corregedoria da Polícia Civil, determinada por Vossa Excelência, através da Secretaria de Segurança, restabeleça o primado da Lei na região de São José do Rio Preto.  Confiamos que a enérgica reação de Vossa Excelência, como guardião da Ordem e do Direito no Estado de São Paulo, contribua para que sejam inibidos novos atentados contra a liberdade de imprensa na região.

Com a certeza de que Vossa Excelência agirá sempre com firmeza diante de episódios que tentem impedir que a sociedade tenha acesso à informação, nos despedimos,

 

Cordialmente,

Domingos Meirelles

Presidente da ABI