Jornalismo e denúncia na
44ª Mostra Internacional


26/10/2020


DOCUMENTÁRIOS:JORNALISMO E DENÚNCIA

44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Por Norma Couri, diretoria de Integração, Mulher & Diversidade da ABI

A primeira denúncia em forma de documentário sobre a negação do vírus na China veio de um chinês, o artista, ativista e dissidente Ai Weiwei.  É Coronavirus. Por causa da ocultação da doença,menos de um mês depois do primeiro caso em 31 de dezembro de 2019, a cidade onde o vírus apareceu foi colocada sob lockdown. Da Europa, impedido de entrar na China, Ai Weiwei rodou do primeiro ao último dia de lockdown em Wuhan editando filmagens feitas por cidadãos comuns na China.

Ai Weiwei adaptava a ópera Turandotde Giacomo Puccini em Roma masnão resisitiu. Contratou ex-colegas em Pequim e estudantes para enviar registros da cidade que se tornou um hospital, e canto de lástimas de pessoas que dizem ter perdido parentes por descuido das autoridades. Há reação dos chineses às câmeras, já que o governo não queria espalhar as imagens de Wuhan que tornou o vírus uma pandemia global. Muitas das cenas foram gravadas sem que alguém percebesse.

O documentário é um flagrante impressionante da virada que o mundo deu com a chegada do Corona. Mas com o poder econômico que a China exerce no mundo, especialmente na indústria do entretenimento onde é o maior comprador do mercado, o filme foi recusado nos festivais de Veneza, Toronto, Nova York, e pelo streaming na Netflix e Amazon. O poder do Estado, politicamente comunista, economicamente capitalista, controla a informação para a massa de 1, 4 bilhão de habitantes. Preso algumas vezes na China, tendo seu estúdio demolido duas vezes e o passaporte apreendido pelo governo chinês, Ai Weiwei, 63 anos, um dos maiores artistas do nosso tempo, sente-se livre para fazer as denúncias desde que se instalou em 2015 primeiro em Berlim, hoje no Reino Unido.

É um privilégio ter o seu documentário Coronationdisponível na 44ª Mostra de Cinema Internacional de São Paulo.

Há outro documentário de Ai Weiwei na Mostra, Vivos, sobre o drama de 43 estudantes da Escola Normal Rural de Ayotzinapa na região rural do México, desaparecidosem 2014 depois que o ônibus em que viajavam foi atacado pela polícia da cidade de Iguala. Ai Weiwei , arguto no registro das injustiças com refugiados ( Human Flow e The Rest) e  crítico feroz das censuras do Partido Comunista, em Vivosfoca no lado humano. É o drama das famílias dos jovens, adolescentes em sua maioria, sem uma resposta até hoje das autoridades, sem punição dos responsáveis, e sem poder enterrar seus mortos já que apenas duas ossadas foram encontradas.

Há outros documentários imperdíveis na Mostra como Kubrick por Kubrik, de Gregoy Monro (França), que apresenta uma rara entrevista concedida ao crítico francês Michel Ciment. É entrecortada por cenas dos geniais 2001-Uma Odisséia no Espaço, Barry Lindon, O Iluminado, Laranja Mecânica e por depoimentos sobre o obsessivo diretor e seu modo recluso de vida, adepto da máxima de James Joyce, “o improviso é a porta para a genialidade”.

Sportin’ Life é o documentário de Abel Ferrera filmado no Festival de Berlim em fevereiro, um pouco antes da pandemia que virouo mundo de cabeça para baixo e ele resolveu retratar esta espécie de diário até agosto. Seu parceiro Willem Dafoe fala do trabalho dos dois, que moram na Itália, e Ferrara dá um conselho sobre fazer documentário: “Filme tudo”. Dafoe está na Mostra com o filme Sibéria, também de Ferrara, como o atormentado Clint que se esconde do seu passado num fim de mundo gelado convivendo com línguas como Inuktitit, sons hebraicos e a companhia de huskies e caçadores. Mas não foge dos fantasmas, delírios, tormentas e pesadelos na busca dele mesmo.

Também é surpreendenteum dos cinco curtas de Masters in Short, o de Serge Loznitsa, Uma Noite na Ópera, que reproduz uma magnífica apresentação de Maria Callas cantando Una voce poco fa de Rossini na noite de 19/12/1958 no Opéra de Paris com platéia especial onde figuram Chaplin, Grace Kelly, Brigitte Bardot , a rainha Elizabeth e Charles de Gaulle.

Todos os 198 filmes da 44ª Mostra Internacional de São Paulo estão disponíveis até 4 de novembro de 2020 a R$ 6,00 na plataforma https:/mostraplay.mostra.org/

*Imagem: Cena do documentário “Coronation”