Entrevista – Tereza Cruvinel


21/02/2006


De corpo e alma na política nacionalJosé Reinaldo Marques
24/02/2006

 

Formada em Jornalismo em 1981 pela Universidade de Brasília (UnB) e mestre em Comunicação Social, com orientação para Mídia e Política, pela mesma universidade, Tereza Cruvinel é atualmente uma das mais respeitadas analistas políticas da imprensa brasileira. Além da coluna “Panorama político”, que assina diariamente no Globo, há dez anos faz comentários políticos na GloboNews. Mais recentemente, passou a aparecer também no “Programa do Jô”, na TV Globo, ao lado de outras renomadas colegas.

Premiada, passou ainda pelas redações da TV Brasília, do Jornal de Brasília, do Correio Braziliense e do Jornal do Brasil, tendo participado como repórter de importantes coberturas, como os movimentos a campanha pelas diretas e a eleição de Tancredo Neves.

ABI OnlineComo foi seu início na carreira?
Tereza Cruvinel — Antes de me formar, mais como militante do que como jornalista, atuei em alguns jornais alternativos, como Versus e Cidade Livre, nos anos 70. Mas minha carreira profissional para valer teve início no Jornal de Brasília, assim que concluí a faculdade.

ABI OnlineO jornalismo político sempre foi sua paixão?
Tereza — Praticamente foi só o que fiz em minha vida. Sou um ser político, fui líder estudantil, militei em organizações de esquerda nos anos 70, mas acabei optando pelo jornalismo como atividade profissional. No Jornal de Brasília, fiz Cidade durante alguns meses, mas logo fui puxada para a Política pelo então editor, Leonardo Motta Neto.

ABI OnlineComo avalia o desempenho da imprensa diante dos escândalos que estouraram em Brasília, envolvendo o Governo e o Legislativo?
Tereza — Certamente foi importantíssima a contribuição do jornalismo investigativo para o esclarecimento de muitas questões, bem como a cobertura das CPIs. A GloboNews transmitiu quase todos os depoimentos importantes ao vivo. E tudo foi detonado, não nos esqueçamos, pela divulgação da fita sobre extorsão nos Correios, pela Veja, e depois pela entrevista de Roberto Jefferson à Renata Lo Prete, da Folha de S. Paulo.

ABI OnlineFoi um bom momento para a cobertura política?
Tereza — Sem dúvida. Veja o caso dos repórteres Bernardo de La Peña e Gerson Camarotti, do Globo, que acabaram de lançar o livro “Memorial do escândalo”. Foi um bom momento para o jornalismo político, mas é preciso tomar cuidado com o salto alto, com a confusão de papéis. O da imprensa é informar, e para isso é necessário também investigar. Mas a imprensa não deve ser delegacia, nem o jornalista, um policial inescrupuloso — e muito menos avocar-se o papel político que cabe a outras instituições.

ABI OnlineQual a cobertura que mais a marcou?
Tereza — Certamente, a campanha das diretas e a eleição de Tancredo Neves, quando éramos também cidadãos empenhados em garantir o fim da ditadura. Duvido que alguém diga, honestamente, que participou de tais coberturas sem emoção, com absoluta indiferença ou extrema objetividade. Os jovens jornalistas de hoje não sabem o que foi a ditadura, não podem entender aqueles tempos. 

ABI OnlineEscrever o “Panorama Político” é o ponto mais alto de sua carreira?
Tereza — Escrever uma coluna diária é um privilégio e uma responsabilidade, mas é também uma forma de prisão, nossos movimentos profissionais ficam mais limitados. Não há um mercado para colunistas. Esta é uma posição a que se chega pelas mais diferentes circunstâncias. Mas o Globo é uma excelente casa para, tanto no aspecto da independência e do respeito profissional como do ambiente e das condições de trabalho.

ABI OnlineVocê acha que foi guindada à função prematuramente?
Tereza — No início dos anos 80 não havia essa profusão de colunas de hoje. O grande e quase solitário colunista político era Carlos Castello Branco, o Castelinho, um monstro sagrado, no JB. O Globo tinha uma coluna de notas na página 4, e com o afastamento do titular, Antonio Martins, fui indicada pelo Evandro Carlos de Andrade e o Carlos Lemos para ocupá-la por alguns dias. Insisti que fosse só por alguns dias. Achava uma responsabilidade imensa, era quase uma foca, com pouco tempo de estrada. E depois, estava gostando de ser repórter, cobria o Palácio do Planalto, onde o Governo Sarney dava os primeiros passos. Era um momento importante da transição, de remoção do entulho autoritário. Estes poucos dias, entretanto, transformaram-se em 20 anos.

ABI OnlineCitando Gabriel García Márquez, para quem o jornalismo é “a mais formidável das profissões”, você escreveu certa vez que acha o jornalismo a mais incompreendida das profissões. Por quê?
Tereza — O nível de exigência é grande e a qualidade de vida, precária, por conta do estresse e do desafio de matar um leão por dia. Uma falha significativa pode anular todos os méritos acumulados em anos. E do outro lado há um leitor ou telespectador que está sempre a esquadrinhar o seu trabalho, em busca de falhas. Na minha área, há aquela coisa de querer descobrir suas verdadeiras posições políticas, como se o jornalista fosse proibido de ter uma. Ele tem; não pode é sujeitar o trabalho às suas preferências políticas, porque aí estaria faltando ao dever essencial de garantir a oferta de boa informação. 

ABI OnlineVocê também já chamou a profissão de antiintelectual.
Tereza — Há uma máxima batida segundo a qual o jornalista é sempre um gênio da superficialidade. Ocorre que temos uma rotina tresloucada, sobretudo em Brasília. Com isso o jornalista tem limitado seu tempo para consumir cultura e crescer intelectualmente. Ficamos quase todos, basicamente, com a bagagem acumulada antes de nos profissionalizarmos.

ABI OnlineEm síntese, o que faz um repórter de Política em Brasília?
Tereza — Cobre as sessões do Congresso que varam madrugadas, acompanha medidas provisórias que são baixadas tarde da noite e há sempre uma vida social que, no fundo, é profissional. Ainda tem o que é preciso ler sempre: vários jornais por dia e umas tantas revistas semanais. 

ABI OnlineA Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) tem chamado a atenção para o grande número de ações judiciais contra jornalistas. Qual sua opinião sobre o assunto?
Tereza — Em parte porque se fortaleceu muito nos últimos anos, o jornalismo investigativo enfrentou forças poderosas, sempre prontas a reagir. Ainda bem que na Justiça, e não a bala. Em alguns casos isolados, houve má apuração dos fatos e publicação de inverdades — a competição hoje é maior, novos meios surgiram e, em momentos de crise, a ansiedade para mostrar trabalho é grande; todos querem dar seu tiro e alguns erram o alvo. No geral, porém, acho que isso é um bom sinal de que a imprensa está cumprindo seu papel. Infelizmente, muitas dessas ações traduzem tentativas de intimidação, ou seja, de limitação da liberdade de imprensa.

ABI OnlineOnde os erros são mais graves: nos jornais ou nas revistas semanais?
Tereza — Embora os jornais sejam mais suscetíveis ao erro de apuração, devido ao tempo mais exíguo de produção industrial, acho que as revistas pecam mais.

ABI OnlineVocê já foi obrigada a se retratar por alguma nota considerada caluniosa?
Tereza — Sim, e não tenho problema em corrigir minhas falhas, geralmente ligeiras. É impossível ser perfeito escrevendo todo santo dia. Vez ou outra escorregamos numa indução ou apuração apressada. Grave mesmo foi um episódio em que a História me deu razão.

ABI OnlineQual?
Tereza — Durante a Constituinte, no auge do enfrentamento entre o Presidente José Sarney e os constituintes pela duração do mandato, noticiei que ele tivera um mal-estar cardíaco, chegando a ser atendido pelo Dr. Adib Jatene, chamado de São Paulo a Brasília. O Planalto, obviamente, soltou um sonoro desmentido e os outros jornais deram destaque. No aperto, abri minha fonte, o Deputado Sarney Filho. Anos depois, José Sarney admitiu, em diversas entrevistas, que teve três crises cardíacas naquele período. Fui criticada e incompreendida, mas o Globo foi muito correto e sustentou minha matéria.

ABI OnlineEm qual dos Três Poderes estão as principais fontes do jornalismo político?
Tereza — O Legislativo sempre foi acessível e mais democrático, e por isso a informação circula mais livremente por lá. O Executivo guarda interesses poderosos — e informação é poder, administrado segundo os mais diferentes critérios, que variam também de governo para governo. Já o Judiciário é sabidamente mais fechado e ameaçador. Por tudo isso, a imprensa sempre bate mais no Congresso, que não é retaliativo. 

ABI OnlineComo avalia a relação da imprensa com o poder?
Tereza — Sempre me bati contra certa visão distorcida de que os jornalistas que atuam em Brasília curtem a sombra do Poder — já se disse até que comemos a sobras da mesa deixadas por ele. Isso é uma indignidade e uma ignorância. É claro que para ter informação é preciso ter acesso, o que não significa, necessariamente, sinal de promiscuidade. Já vi muita vestal chegar do Rio ou de São Paulo evitando contatos pessoais com os ocupantes do poder. Em pouco tempo se rendem.

Cabe a nós ter o bom senso de distinguir as coisas. Se me convidam para um almoço no Itamaraty em função de uma visita estrangeira e no qual estarão pessoas com quem desejo conversar, aceito. Se sou convidada para o churrasco familiar de uma autoridade, é claro que isso é uma tentativa de me envolver e não vou, a não ser que tal evento vá me propiciar algum contato muito importante. O acesso não quer dizer intimidade. Intimidade a gente tem com amigos e parentes. Com as fontes, devemos ter uma relação de lealdade, mas não um pacto de proteção recíproca, do tipo “eu informo e você me garante só boas notícias”.

ABI OnlineO Presidente Lula foi muito criticado por ter aceitado jantar com jornalistas em sua casa, em fevereiro de 2004.
Tereza — Conheço Lula desde o final dos anos 70, mesma época em que conheci Fernando Henrique Cardoso, então muito próximo do sindicalismo do ABC. Se o presidente amanhã for o Serra, também poderei dizer que o conheço há quase duas décadas. É da vida. Quanto ao jantar na minha casa, quem foi mais criticada fui eu mesma. Este episódio guarda lances de uma mesquinhez impressionante.

ABI OnlineComo assim?
Tereza — A relação do Governo Lula com a imprensa, um ano depois da posse, continuava péssima. O Presidente se recusava a dar uma entrevista coletiva, mas por sugestão do Ricardo Kotscho, à época Secretário de Imprensa, aceitou ter uma conversa informal com jornalistas políticos. Ele queria ir ao encontro deles em lugar neutro, e não chamar alguns ao Palácio da Alvorada ou do Planalto, pois a seleção dos nomes sempre geraria problemas.

O Kotscho me pediu que organizasse o jantar e eu aceitei, na melhor das intenções, acreditando que colaborava para o estabelecimento de uma relação melhor, que facilitaria o acesso de todos ao Presidente. A conversa foi ótima, ele falou sobre todos os assuntos levantados com muita naturalidade, e terminou dizendo que poderíamos repetir encontros daquela natureza. Todos publicaram tudo com destaque, mas alguns criticaram o formato do encontro, como se o Lula tivesse explicitado uma preferência por mim e pelas Organizações Globo.

ABI OnlineComo você reagiu?
Tereza — Fiquei chateada. Depois da crise, este jantar voltou a ser muito recordado, como se embutisse um delito profissional de minha parte. Um leitor chegou a dizer que ouviu dizer que eu ofereci uma festa de arromba ao Lula logo depois da posse, veja só.

ABI OnlineVocê acha que até o fim do mandato o Presidente conseguirá melhorar sua relação com a imprensa?
Tereza — Acho difícil. Vem aí uma campanha que promete ser sangrenta e, como candidato, não creio que ele supere sua dificuldade em lidar com jornalistas.

ABI OnlineQual tem sido o maior erro do Presidente em sua relação com a mídia?
Tereza — Primeiro, não ter compreendido a importância das entrevistas coletivas, dando prioridade aos que cobrem o Palácio, acompanham suas viagens, enfim, ralam no dia-a-dia do Governo. Segundo, não ter estabelecido uma rotina de contatos informais com jornalistas, sobretudo analistas e colunistas. Fernando Henrique fazia isso com maestria. Com freqüência, recebia em grupos ou individualmente apenas para conversar, não para dar entrevista.

ABI OnlineVocê disse uma vez que a internet transformou os leitores em “ministério público da imprensa”. O que isso significa?
Tereza — Eu me referia à democratização do acesso dos leitores e consumidores de informação em geral aos veículos e aos próprios jornalistas. Tal acesso tem produzido uma vigilância permanente, às vezes cobranças e julgamentos severos por parte dos leitores e telespectadores, sempre prontos a julgar nosso trabalho. Eles escrevem para as seções de cartas dos leitores e para nós, muitas vezes de forma grosseira ou agressiva.

Tenho um blog no Globo Online em que sempre veiculo as críticas a meu trabalho, algumas ofensivas e injustas. Mas faz parte e é bom que isso esteja acontecendo, é sinal de vitalidade de nossa democracia. Nos Estados Unidos, a sociedade reagiu fortemente quando a imprensa, num arroubo patriota, fez o jogo do Presidente Bush em relação à invasão do Iraque. Foi bom porque a imprensa norte-americana se corrigiu.

ABI OnlineSua participação no Programa do Jô, que tem grande audiência e é dirigido também ao público formador de opinião, mudou alguma coisa na sua carreira?
Tereza — Acredito que não. Continuo no mesmo lugar e fazendo as mesmas coisas. Além da coluna, faço comentários políticos no “Jornal das dez”, da GloboNews, há uma década e gosto desta atuação paralela na televisão, embora a TV paga ainda tenha um público muito restrito neste País de renda tão concentrada.

ABI OnlineVocê trocaria o jornal pela televisão?
Tereza — Ainda não tive que fazer esta opção. Gosto muito de escrever e espero poder me dedicar mais a criar contos, coisa que faço muito marginalmente.