Entrevista – Artur Xexéo


06/12/2006


Jornalismo com ética e humildade

Claudio Carneiro
28/12/2006

                                Fotos: Claudio Carneiro

Receber 400 e-mails por dia, editar o Segundo Caderno do jornal O Globo — acumulando a função de colunista — e, ainda assim, manter-se sereno e bem-humorado não deve ser muito fácil. Mas até agora, aos 55 anos, ele conseguiu essa façanha. Mesmo ocupado, tratando das suas atribuições, Artur Xexéo deu uma entrevista ininterrupta de quase hora e meia de duração para o ABI Online.

Formado em Comunicação pela Facha — depois de ter largado no terceiro ano o curso de Engenharia da PUC — Xexéo tem a responsabilidade de editar um caderno que é considerado a mais importante via de divulgação de toda a manifestação cultural do Rio de Janeiro. Ele acha complicado equilibrar a expectativa do mercado com o interesse do leitor. E acha frustrante deixar de satisfazer uma dessas duas pontas.

ABI OnlineEsse quase monopólio do Segundo Caderno do Globo no Rio é bom ou ruim?
Artur Xexéo — É um peso muito grande. E é ruim para o mercado e para os profissionais, que perdem a capacidade de competir entre si. Além disso, você não tem como comparar o seu trabalho, fazer uma avaliação. A gente acaba fazendo comparação com os jornais de São Paulo, mas o interesse deles é outro, o leitor é outro, a briga lá é diferente. Resumindo: é péssimo para a criatividade, para o mercado e até economicamente.

ABI OnlineQual a diferença da postura do Xexéo editor do Segundo Caderno para o Xexéo colunista?
Xexéo — Acho ruim esse conflito editor-colunista, porque muita coisa que serviria para a minha coluna acaba transformada em pauta. Essa questão existe. A escolha do que posso escrever ou pautar esbarra em mim e me pergunto: “O que eu faço agora?” Geralmente o colunista perde nessa batalha. Acabo privilegiando a pauta e fico com mais dificuldade de fazer a coluna. Não sou um jornalista que precisa de sossego para escrever, então, faço minha coluna aqui, na redação. No dia do fechamento, chego mais cedo para escrever, mas, em 80% dos casos, edito enquanto faço a coluna. E nos dois casos eu me submeto à pressão do horário de fechamento, sempre em cima do laço. Acho que nessa divisão, o colunista sai prejudicado. Tanto na escolha dos assuntos quanto na qualidade do texto.

ABI OnlineEntre os cerca de 400 e-mails que enchem sua caixa postal diariamente, você deve continuar a receber pautas de assuntos absolutamente absurdos e irrelevantes.
Xexéo — Eu nem acho que sejam tão absurdos ou tão irrelevantes, afinal, tudo tem sua relevância e seu sentido. O problema é que o assessor de imprensa não sabe para quem dirigir sua pauta. Então, ele atira para todos os lados. É bobagem me mandarem uma nota comunicando a separação de um casal de atores de novela, ou que a atriz “tal” trocou de cabeleireiro. Certamente tem alguém interessado nisso, mas acho que falta focar o trabalho e evitar mandar a mensagem para todo mundo do seu mailing. 

ABI OnlineÀs vezes você brinca e carrega nas tintas fazendo comentários sobre releases recebidos. Será que o assessor de imprensa não cumpriu seu papel então?
Xexéo — Tenho minhas dúvidas. Eu me sentiria mal se fosse o artista, entendeu? Há uma grande diferença entre a nota que ele fabricou junto com o assessor e o que acabou saindo publicado. É difícil você conseguir um espaço na mídia. O meu comentário — em tom de brincadeira — não tem conotação positiva. Acho até que o assessor pode gostar mais do resultado do que o próprio artista.

ABI OnlineMas você sabe que o assessor trabalha com um mailing eletrônico que faz o disparo para todo mundo. A pauta cai na sua caixa e na de muitos outros…
Xexéo — É um erro isso. A gente está falando dessa cultura de celebridades, mas tem muita coisa inútil. Recebo informação sobre uma nova comida pra cachorro, e outras bobagens. Às vezes, só pra chatear, eu respondo: “Olha, eu adoraria fazer a matéria sobre sugestões de presente para o Dia das Mães mas, infelizmente, o Segundo Caderno não trata desses assuntos.” Aí o cara vem, não percebe a minha ironia e insiste: “Mas como? Você não é o editor de Variedades?” Eu nem sei o que é uma editoria de Variedades. Enfim, não adianta brigar muito com eles.

ABI OnlineVocê vê o assessor de imprensa que inferniza sua caixa de e-mail como um promoter?
Xexéo — Hoje em dia não. Se você analisar essa atividade no Brasil, ela vem com uma imagem muito ruim, uma vez que foi introduzida nos tempos da ditadura. As assessorias viraram um grande mercado para o jornalista. Todas as estatais começaram a contratar profissionais com salários muito maiores que os de mercado, com uma única missão: não permitir o vazamento de informações. Era o oposto do que você imagina que deva ser a assessoria de imprensa. Então, a história da atividade no País começa muito mal. Mas o que eu detesto mesmo é o divulgador chegar na redação e falar assim: “Queria que você me desse uma força.” Sempre respondo: “Eu não dou força, eu dou notícia. Se você tiver notícia, estou aqui pra receber. Agora, força não é comigo.” O divulgador sofre pressão — principalmente nesta área em que a gente atua, de cultura, artes e espetáculos — e acha que a gente tem de dar uma “força”. Ainda assim, o papel dele é importante. Nós atuamos num universo muito amplo. São muitas coisas, muitos interesses, e a gente fica meio filtrado. O divulgador traz sempre uma novidade, algo que está fora desse circuito. É nossa obrigação reconhecer o que está fora do circuito. Recebo esse turbilhão de e-mails por dia, mas não deleto nenhum logo de cara. Primeiro eu leio o assunto — porque pode ser o tal da comida pra cachorro. Não sendo, eu abro. Afinal, ali pode estar uma informação que me interessa. Uma boa e curta redação do assunto do e-mail já é meio caminho andado.

ABI OnlineVamos para o começo de tudo. Como foi sua ida para o JB, onde você começou como estagiário?
Xexéo — Eu me formei em 75 e fui estagiar no JB no segundo semestre do mesmo ano. Fui para a Geral. Os estágios duravam três meses e você ia renovando. Quando fiz meu segundo período de estágio, o chefe de Reportagem prometeu a minha contratação. Fiquei nove meses esperando uma vaga. Fui contratado em 76 e saí em 78. Em 85, numa reforma que o jornal estava fazendo, o Marcos Sá Corrêa era o editor e o Zuenir Ventura, que ia cuidar da Revista Domingo, me chamou para ser subeditor dele. Foi assim que eu voltei e fiquei por 15 anos, até 2000. Foi uma experiência maravilhosa. Depois que o Zuenir saiu, fui editor da Domingo, depois do Caderno B e, mais adiante, do Cidade. Cheguei à Subsecretaria de Redação acumulando com a função de colunista. Fiz de tudo nesse período, cobri Copa do Mundo e Olimpíadas. Foi muito enriquecedor. 

ABI Online Foi também um período de convivência com uma grande equipe, não é? Como hoje, você convivia com os maiores jornalistas do País.
Xexéo — Na verdade, eu peguei mais gente boa na primeira fase do que na segunda. Era uma equipe top de linha. Tinha, por exemplo, o José Gonçalves Fontes, excelente repórter, ganhador do Prêmio Esso, falecido este ano; o Caderno B estava no auge; o Elio Gaspari fazia o “Informe JB”… Enfim, essa primeira “encarnação” reuniu os melhores jornalistas do Brasil. Mas a segunda, com o Marcos e o Zuenir, também era um time de craques.

ABI OnlineAno que vem o Código de Ética do Jornalista completa 20 anos e vai passar por uma reforma. Você acha que a ética está presente em todos os momentos do exercício da nossa profissão?
Xexéo — Acho que você pode pegar uma variedade de exemplos em que não se cumpre a ética, mas acho que a exercemos o tempo todo na medida em que nos preocupamos com isso. Aqui, no Globo, é uma preocupação constante. Nas coisas aparentemente menos relevantes, volta e meia nos deparamos com um problema ético que a gente deixou passar. Isso pode ser o que estraga a imagem do jornalista. Não há como corrigir, mas quem tiver a oportunidade de ficar aqui dentro por 24 horas vai perceber que essa é uma preocupação nossa e da imprensa inteira, tenho certeza, embora tenhamos uma profissão em que não dá tempo para refletir o tempo todo. Temos exemplos radicais em que a ética não cumprida deixou estragos muito grandes. Hoje, a imprensa trabalha eticamente. Muito mais do que no passado.

ABI OnlineVocê acha mesmo que a imprensa representa o quarto poder?
Xexéo — Olha, se você pensar na imprensa como papel, não mais ou cada vez menos. Mas se incluirmos os meios eletrônicos, acho que sim. Sem dúvida. Uma prova disso é o quanto os outros três Poderes se preocupam com a opinião da imprensa. Acho que nessa reeleição do Lula, por exemplo, houve uma pressão muito grande contra o trabalho da imprensa. Pairava no ar a interpretação de que os jornalistas estivessem contra o Presidente e a favor do Alckmin. Havia queixas de que o espaço dado aos dois candidatos não era equânime. Isso preocupava muito os políticos e demonstrou a importância da imprensa, que, aliás, a bem da verdade, não foi partidária nessas eleições. Mas o Executivo temia a força da imprensa e as conseqüências desse poder. Se a imprensa tivesse sido partidária — como temia o PT — e fosse mesmo o quarto poder, o Lula não seria reeleito. 

ABI OnlineVocê chegou a dar uns “beliscões” no Fernando Henrique e também no Lula. Esse comentário é um gancho para perguntar se já sofreu algum tipo de censura, no Globo ou no JB.
Xexéo — Não. O Doutor Britto tinha lá suas questões, mas não eram econômicas nem políticas. Eram pessoais. De vez em quando ele ia a Brasília fazer algumas visitas importantes e o que acontecia — e acredito que não fosse somente comigo — era que não gostava de chegar ao Palácio no dia em que o jornal tivesse feito alguma crítica a quem fosse visitar. Então, ele dizia assim: “Olha, domingo não faz nada não que eu vou a Brasília, entendeu? Não mexe com fulano que eu tenho um encontro com ele.” Eu percebia que era uma coisa social, não era uma questão política ou econômica. Muito menos uma coisa definitiva, do tipo “nunca mais fale dessa pessoa”. Era mais um “alivia um pouco”. Imagino até que eles — os patrões — sofram mais pressão do que a gente. Se eu falar mal de um Secretário ou de um Ministro, eles não vão ligar pra mim, mas para o dono do jornal. E aqui no Globo, para ser inteiramente franco, não tenho nenhuma história pra contar. 

 Arquivo

ABI OnlineE você já foi processado?
Xexéo — Fui processado pela Governadora Rosinha; acho até que foi mais de um processo. Não sei muito bem, só sei que ela perdeu. Também fui citado num processo por calúnia e difamação movido pelo Otávio Mesquita, mas ele não o levou adiante. Teve também o caso de um aluno da Estácio de Sá na época em que eu comparei esta universidade com o McDonald’s. Recém-formado por lá em Direito, ele me levou ao Juizado de Pequenas Causas, pois se sentiu prejudicado na carreira depois que eu desqualifiquei a faculdade dele na coluna. Pedia, de indenização, que eu pagasse sua faculdade e os danos futuros que viesse a ter como advogado. Era uma fortuna. Acho que ele queria garantir a aposentadoria. Aí eu fui. Ele defendeu sua própria causa e levou a mãe para assistir e fotografar. Acabou perdendo. Faço a coluna há 14 anos e há quem pense que sofri muitas ações na Justiça, mas não é verdade. 

ABI OnlineTem uma frase atribuída a você de que o bom da Olimpíada é que ela só acontece a cada quatro anos…
Xexéo — Acho isso até injusto com o leitor e com o evento. O fato é que, em situações como Olimpíadas e Copa do Mundo, a imprensa costuma levar para fazer a cobertura pessoas que não são da área — e, portanto, têm uma visão diferente. Para o leitor e para o repórter de Esportes, pode ser o máximo. Mas para quem não é do ramo, como eu, aquilo ali enche um pouco. Gosto mais da Olimpíada vista daqui do que de lá. Aqui você liga a TV e, se não quiser ver, vai fazer outra coisa. Lá, você não tem opção: a cidade está totalmente envolvida com a competição. Houve um repórter da Folha de São Paulo que foi cobrir as Olimpíadas de Seul, tendo que enviar uma crônica diária. Lá pela quarta ou quinta, começou assim: “Ninguém agüenta mais ouvir falar em Olimpíadas.” Os colegas ficaram furiosos; afinal, só ele não agüentava mais. Mas acho que é isso mesmo que o jornal procura: colocar alguém de fora para representar o leitor que não está tão interessado naquilo.

ABI OnlineComo você lida com o erro? Não sei se aquela troca de letras em “O ônus da prova” é de sua autoria…
Xexéo — Esse é meu. Aliás, com esse erro eu lidei muito mal. Eu era editor do Caderno B e fui fazer uma matéria de capa sobre um livro do Scott Turow, um perfil do autor desse best-seller internacional. Escrevi o título errado na matéria inteira e ninguém na redação leu, porque eu era o editor. Foi tão sério que eu estava dormindo e sonhei que eu tinha escrito errado. Aí acordei, concluí que o desastre estava feito e não dormi mais. Esperei sair o jornal e fiquei arrasado. Com o tempo de profissão, o erro acaba machucando menos. Ainda assim, é horrível, porque alguém vai ler aquilo. Mas a gente erra à beça. Hoje eu sou mais relaxado com os erros — mais graves ou menos graves. Hoje eu acho que “O ânus da prova” nem foi tão grave assim. Virou uma piada. Alguns erros dão demissão, como uma falha de informação que possa causar uma certa comoção. Isso é mais grave que um erro de grafia, ou ato falho mesmo.

ABI OnlineComo você avalia o papel do profissional de imprensa comparando a atualidade com o momento em que você começou, por exemplo?
Xexéo — É muito diferente. Quando comecei, eu tinha o diploma de jornalista, mas muita gente não tinha. Convivi com uma redação cuja maior parte das pessoas não tinha feito faculdade, pelo menos não de Jornalismo — havia muita gente com diploma em outras especializações. Não acho que o profissional de hoje esteja menos preparado. Toda a experiência que tenho com estagiários é sempre muito boa — tanto no tempo em que, no JB, fui coordenador dos estágios como aqui, em que os vejo muito bem preparados. Porém, eles são mais acomodados do que nos anos 70, esperam mais a notícia chegar e correm menos atrás dela — principalmente nessa área de cultura. Falando das assessorias de imprensa mais uma vez, eu já disse que elas são necessárias, mas, ao mesmo tempo, sua existência acomoda muito o repórter, que passa a esperar pela informação, em vez de telefonar e batalhar por ela. Dessa forma, o assessor de imprensa é sempre o contato e nunca se chega à fonte. Há 30 anos, era diferente. Brigava-se muito pelo furo no segmento de cultura. A busca pela notícia — hoje transformada em produto pasteurizado — está mais acomodada também em outras editorias. Na economia, por exemplo, 70% do que sai são relatórios, estudos, pesquisas de instituições. 

ABI OnlineVocê já reparou que escreve muito sobre o passado, sobre coisas que já foram? Isso é saudosismo?
Xexéo — Isso é idade, né? Quanto mais eu vivo, mais passado eu tenho. Hoje mesmo escrevi uma coluna inteira sobre o assunto. Muitas vezes isso ocorre porque você percebe que certas coisas vão se perdendo e dá uma vontade de que elas permaneçam. Meu contato maior é com as redações, muito maior até do que com a vida real. As pessoas mais novas são muito desinformadas sobre o que já aconteceu. É muito comum você falar de determinado acontecimento ou personalidade e o mais jovem retrucar: “Ah, mais isso foi antes de eu nascer.” Como se o mundo começasse no dia em que a gente nasce! Então, quando escrevo, eu sinto essa vontade de mostrar como as coisas eram e aconteciam. Acho que a nostalgia é essa sensação de achar que “aquele tempo” era melhor do que esse. É claro que a nossa juventude é sempre melhor do que a maturidade. A infância é, de certa forma, idealizada e tudo o que a cerca parece melhor também. Mas eu tenho consciência de que não é bem assim. Só quero deixar registrado.

Tem gente viva que está praticamente esquecida. Gosto de falar de vez em quando, por exemplo, da cantora Marlene. Não que eu tenha sido assim um fã dela, mas ela está viva e as pessoas precisam saber que existe. Ela deve gostar disso. Outro dia escrevi uma crônica sobre a Bibi Ferreira. A Bibi, aos 80 e tantos anos, é uma estrela consagrada e respeitada. Ela é a atriz que há mais tempo está em atividade no país, já é do teatro desde os anos 40 e poucos, tinha uns 17 quando estreou profissionalmente. Ela está em atividade há quantas décadas? E tem uma agenda de shows! Não está precisando de emprego, do reconhecimento, de nada mesmo. Mas outro dia escrevi uma crônica sobre ela em que dizia que, na minha família, era uma tradição gostar da Bibi, porque minha mãe era fã dela. A Bibi me ligou aos prantos para agradecer. A nova geração não se liga nisso. Talvez, quando eu fui da nova geração, não tenha respeitado o passado. Isso acontece. Agora eu me sinto responsável por não deixar que se repita. Não tenho sentimento nostálgico, não sou saudosista, não acho que antes era melhor que é hoje, mas me sinto meio responsável por isso. Sou carioca, gosto do Rio, gosto de falar das coisas boas que o Rio tinha e perdeu.

ABI OnlineE as novelas? Você assiste, grava, ou alguém vê por você? E aquele alter-ego que você criou para comentar os capítulos?
Xexéo — Dona Candoca. Ela era minha avó e uma autêntica noveleira de rádio; continuou fiel quando ninguém ouvia mais. Em São Paulo havia uma emissora que transmitia radionovelas das oito da manhã às oito da noite. Ela ligava e fazia crochê o dia inteiro. Nos intervalos, lia fotonovelas. Eu não sou noveleiro, mas pertenço à primeira geração exposta à babá eletrônica. Meus pais saíam de casa despreocupados, porque eu ficava parado diante da TV. Isso no final dos anos 50 e início dos anos 60. Eu via de tudo e tenho uma boa memória televisiva. Quando as novelas começaram, eu assistia. Quando trabalhei na Veja, fui, por dois anos, editor-assistente da área de televisão. Passei a ver novela profissionalmente. Os novelistas do meu tempo foram Gilberto Braga, Manoel Carlos, Janete Clair — esta já consagrada então. A partir daí, sempre atuei em cultura. A novela entra na minha coluna quando percebo o interesse do leitor. Ou quando estou sem assunto. O retorno é garantido.

ABI OnlineVocê escreveu sobre a Janete Clair. 

Xexéo — Não tinha nada em especial com a Janete, nem a idéia de escrever sobre ela. Mas o Instituto Rioarte e a Secretaria Municipal de Cultura lançaram a coleção “Perfis do Rio” e fui convidado a escrever sobre um dos quatro temas escolhidos para lançar o título. Um dos personagens era a Janete Clair e, a princípio, não aceitei. Só aceitei quando vi que não era uma biografia, apenas um perfil. Mas, à medida que comecei a apurar, fui me apaixonando. No final, já desconfiava que tinha vindo ao mundo para escrever sobre a Janete. Fiquei muito envolvido. Adorei ter feito. Às vezes leio coisas sobre ela que parecem ter saído do livro, o que me deixa muito orgulhoso.

A Janete talvez tivesse a injusta imagem de fornecer o “circo” para o povo durante a ditadura militar. Foi uma artista tão censurada quanto o Chico Buarque, por exemplo, vivia em Brasília brigando com os censores, mas não entra nessa lista. E ela sofria muito por não ter o mesmo respeito intelectual que o marido, Dias Gomes. É uma personagem muito interessante e eu fiquei totalmente responsável por ela. Uma vez, o Dias Gomes me ligou, porque havia saído uma informação errada sobre ela — nem lembro mais onde foi — e me disse: “Você é o biógrafo oficial da Janete, tem a obrigação de desmentir isso.” Fiquei orgulhoso. Eu os chamava de Seu Dias e Dona Janete.

ABI OnlineVocê se arrepende de alguma coisa que tenha feito?
Xexéo — Tenho um arrependimento que sempre comento: fui injusto com um artista. Hoje trocamos correspondência, mas não tenho coragem de falar sobre o assunto e nem sei se ele se lembra. Mas falo tanto disso que é capaz de um dia ele ter lido. Eu fazia crítica de música para a Veja e saiu um disco do Marcos Valle. A capa do “LP” era o rosto dele. Não gostei e falei mal do trabalho, usando a seguinte imagem: “A música de Marcos Valle está tão enrugada quanto o rosto na capa do disco.” No dia achei inteligente; depois observei que havia um quê de perversidade que não ajudou a melhorar o texto, não ajudou a crítica, não agradou o leitor e acabou por ofender e magoar uma pessoa que não tinha nada a ver com isso. Daí o arrependimento.

ABI OnlineQual foi a notícia mais difícil que você já deu ou a coluna que doeu escrever por algum motivo?
Xexéo — Eu era fã da Elis Regina, acho que sou o maior fã que ela já teve na vida. Assisti aos shows dela várias vezes, tenho todos os discos — em vinil e em CD —, adorava a Elis. Até acho que me tornei jornalista para um dia poder entrevistá-la. Era o motivo para me aproximar dela. Eu não cobri a morte dela, mas estive nas paralelas, fui entrevistar pessoas, conversei com o Jair Rodrigues, com o Tom Jobim… Tudo isso foi muito difícil de fazer, porque eu estava sofrendo muito. E no dia da morte dela, estreou um show aqui no Rio, da Lucinha Lins, no Teatro da Lagoa. Estava arrasado, e tive de ver e depois escrever sobre o espetáculo. Acho que foi a coisa mais difícil que eu fiz. Estava, emocionalmente, muito perto daqueles acontecimentos. Sofri muito por ter de trabalhar em pleno estado de luto. Foi uma morte muito surpreendente pra todo mundo. Você espera uma morte por overdose da Janis Joplin, mas não da Elis. A maneira como ela morreu também foi muito chocante.

ABI OnlineVocê já escreveu a coluna dos seus sonhos? 
Xexéo — É capaz. Foram tantas que já devo ter feito a dos meus sonhos e também a pior de todos os tempos. Na verdade, não tenho nenhum projeto de escrever uma coluna determinada e não me acho um cronista. Não sei o que sou quando escrevo naquele espaço ali. Mas, de vez em quando, eu me aproximo da crônica. Quanto mais isso acontece — e ainda é raro — mais eu gosto. Supero um obstáculo, meu trabalho é melhor, fica mais literário e atinge as pessoas de modo mais sofisticado do que simples comentários ou opiniões sobre um assunto. Quando isso acontece, estou mais perto dos meus sonhos. 

ABI OnlineVocê já bateu forte em algumas pessoas, no Ministro Gil, na Regina Duarte… Como é essa decisão de “vou falar mesmo e que se dane”?
Xexéo — Nunca é assim “vou falar e que se dane”. Você sabe que está atingindo de alguma maneira, mas eu não parto do princípio de que todo mundo lê a minha coluna e o Ministro vá ler também. Aliás, eu acho que ele não lê, que tem mais o que fazer. Eu procuro não dar essa importância ao que escrevo. De verdade. Mas se for importante escrever e dividir, não tem jeito. Às vezes, você cria um compromisso com o leitor em que não pode fugir de tomar certas atitudes. Talvez eu tenha falado mal — não sei se essa é a expressão mais adequada — por perceber que essa era a expectativa do leitor. Mas é preciso ser responsável e fazer ponderações o tempo todo.

ABI OnlineE se você fosse professor universitário de um curso de Jornalismo, o que ensinaria a seus alunos?
Xexéo — O jornalista tem de ter duas qualidades básicas. Uma é a curiosidade; acho que é possível ensinar isso. A outra é a humildade, pois esta é uma profissão que — talvez por ser associada a essa história de quarto poder — permite que você se ache melhor que os outros, tenha o nariz empinado e se sinta com o rei na barriga. Isto acaba prejudicando o trabalho. A gente detém, ou consegue, a informação por uma única razão: não porque é mais inteligente, mais bonito ou mais gostoso, mas porque sabe que tem a função de dividi-la com a sociedade. É preciso ter humildade o tempo todo para saber que você é só o “cavalo” dessa história, que não é melhor do que ninguém porque sabe antes das coisas. Eu tentaria passar isso.