Entrevista – Oswaldo Miranda


07/05/2010


Uma vida dedicada à comunicação

José Reinaldo Marques 

Aos 90 anos de idade, e com mais de 70 de profissão, o jornalista Oswaldo Miranda, nascido na cidade de Petrópolis, região serrana do Rio, continua cheio de idéias e com o mesmo estilo vibrante que marcou toda a sua trajetória na imprensa, no rádio e na televisão brasileira.

Atualmente, Oswaldo Miranda escreve uma coluna na revista Folha Carioca, mas o início da carreira foi no jornal A Tribuna de Petrópolis, que ajudou a modernizar e onde redigia a coluna diária “Escrevendo sobre o joelho” direto no linotipo.

Nesta entrevista, Oswaldo Miranda fala de Assis Chateaubriand, da sua relação com Samuel Wainer na Última Hora, de Carlos Lacerda, dos grandes momentos vividos por ele na TV, sobre o seu dom para a música e da benção que conseguiu de D. Jayme Câmara para um jornal comunista. 

ABI Online — Em que ano e onde o senhor nasceu?
Oswaldo Miranda — Eu nasci no dia 15 de dezembro de 1919, em um sobrado na Rua Monte Caseiro, 124, em Petrópolis, que fica em frente à Igreja do Sagrado Coração de Jesus, junto aos franciscanos.

ABI Online — Como se deu a sua saída de Petrópolis para iniciar a carreira profissional no Rio?
Oswaldo — A partir de 1934, comecei a dar umas fugas para o Rio, para começar a “piruar” as rádios e o Café Nice, onde se reuniam grandes compositores e toda a turma que freqüentava as emissoras de rádio daquela época. Eu queria encontrar uma maneira de me intrometer no meio daquela gente.

ABI Online — Quem fazia parte desse grupo de gente famosa que o senhor encontrava no Café Nice?
Oswaldo — O Lamartine Babo e o Ary Barroso faziam parte dessa turma. Quando dava 17h, os cantores e compositores iam para as suas rádios. Eu conhecia muita gente importante daquela época, freqüentava quase todas as rádios, mas não conseguia penetrar no meio.

ABI Online — Isso lhe desanimava, o senhor pensou em desistir?
Oswaldo — Nessa época, em 1935, ainda não existia a Rádio Nacional, criada em 1936. A única grande emissora era a Tupi, instalada em um galpão no bairro do Santo Cristo (Zona Portuária). O Francisco Alves, de quem eu tentei me aproximar, tinha um programa na emissora.

ABI Online — O senhor já o conhecia do Café Nice?
Oswaldo — Não. Mas um dia eu fui procurá-lo, pois queria lhe mostrar uma composição minha. Nessa época eu tocava bem violão e tinha uma ótima voz. Então eu fiquei esperando o Francisco Alves acabar o programa. Quando ele saiu do estúdio eu o interpelei: “Sr. Francisco eu quero lhe mostrar uma música”. Eu fui cantando atrás dele por um corredor enorme até a rua. Antes de entrar no carro ele me disse: “Olha rapaz, sambinha igual a este seu eu tenho rejeitado aos montes. Mas não desanima não. Continua tentando”. E pegou o carro e foi embora.

ABI Online — E o senhor o que fez?
Oswaldo — Saí por aquelas ruas desertas, peguei um bonde e voltei para a pensão onde eu morava, na Avenida Paulo de Frontim (Zona Norte). Esta foi a minha primeira frustração como compositor.

ABI Online — Foi o rádio que lhe abriu as portas para o jornalismo?
Oswaldo — Na realidade a minha trajetória profissional começa pelo jornal, na Tico-Tico, que era uma revista infantil muito interessante, e depois em um jornal semanal em Petrópolis chamado A Idéia.

ABI Online — Quais são as lembranças que o senhor tem dessas primeiras experiências na imprensa?
Oswaldo — No Tico-Tico eu era muito jovem, mas a coisa só foi mesmo se definir, quando eu segui o que fez Carlos Drummond de Andrade.

ABI Online — Como assim?
Oswaldo — Fui para o circuito da Gávea. Eu explico. Tinha um corredor petropolitano chamado Irineu Correia, que venceu o primeiro circuito da Gávea. E eu fiz uma matéria sobre esse evento, em 1935, para o qual ele mandou adaptar a baratinha dele, para obter mais recursos mecânicos e conseguir conquistar o bicampeonato do Circuito da Gávea.

ABI Online — Mas em que o senhor imitou o Carlos Drummond de Andrade?
Oswaldo — Eu peguei o texto, coloquei em um envelope e fui para o prédio do Jornal de Petrópolis e joguei o material por baixo da porta de entrada, na esperança de que alguém encontrasse a minha matéria e corri de vergonha, com timidez. Por sorte minha esse texto foi publicado no jornal no dia seguinte.

Entrevista com o ator e cantor mexicano Tito

 

ABI Online — Qual foi a sua reação?
Oswaldo — Convencido de que eu levava jeito, fui procurar uns amigos meus na Pequena Ilustração, um semanário criado por dois idealistas — Armando Martins e Otávio Venâncio —, onde eu comecei também a escrever uma coluninha diária. Nesse tempo, eu já trabalhava no DNER, que funcionava no edifício do jornal A Noite. Lá trabalhavam dois amigos meus como diretores: o português Vasco Lima, que eu conhecia de Petrópolis, e o Luiz de Descragnoli.

 ABI Online — Foram eles que lhe deram a primeira oportunidade em um jornal carioca?
Oswaldo — Eu fugia do escritório do DNER, para onde funcionava A Noite, para ver se conseguia publicar alguma coisa. Isso foi em 1939, e eu lembro que o jornal tinha quatro edições diárias.

ABI Online — O senhor se lembra qual foi a sua primeira matéria publicada no jornal A Noite?
Oswaldo — Um dia eu tive que ir ao antigo Ministério da Viação e Obras Públicas, onde trabalhava um primo meu que era chefe de gabinete do então Ministro Marcos dos Reis. Na mesa dele eu vi um projeto enorme chamado “Variante Rio Petrópolis”, que me deixou muito curioso.

ABI Online — E que projeto era esse?
Oswaldo — Me explicaram que era um projeto do Ministério para desviar o trânsito que vinha de Petrópolis e atravessava a Zona da Leopoldina. Peguei uma cópia e fiz uma reportagem, que o Carvalho Neto (chefe de reportagem) achou sensacional. A matéria deu a manchete “Será construída a variante Rio — Petrópolis”, que viria a ser a Avenida Brasil de hoje. Foi a primeira grande reportagem que eu fiz, publicada com destaque em outras quatro edições, que eu consegui por ser bisbilhoteiro.

ABI Online — Esse foi o seu passaporte para uma vaga de repórter no A Noite?
Oswaldo — Eu continuei dando minhas piruadas no A Noite, por atenção do Carvalho Neto e do Vasco Lima, mas não aconteceu mais nada de especial. De qualquer maneira, eu mantinha o meu vínculo na Pequena Ilustração, até que surgiu a tentativa de inaugurar o rádio em Petrópolis.

ABI Online — Por favor, conte esta história.
Oswaldo — Um educador chamado Plínio Leite, que era dono de um colégio em Petrópolis, convocou um grupo de rapazes para tentar instalar a primeira emissora de rádio na cidade. Na equipe estava o engenheiro Alcir Melgaço Filgueiras que se ofereceu para montar um transmissor. Nós então nos instalamos no imóvel de um empresário que se chamava Augusto.

ABI Online — Como o senhor se introduziu nesse grupo?
Oswaldo — Quando eu soube do movimento para criação da rádio eu me aproximei deles, e cheguei inclusive a ajudar a fazer o estúdio forrando as paredes com jornal, para criar uma provável acústica. Era tudo muito simples, o microfone foi improvisado de um telefone pelo Alcir.

ABI Online — O senhor se lembra da programação? O que o senhor fazia na rádio?
Oswaldo — Eu era muito bom no violão. Lá estava também o Guerra Peixe, que estava começando também tocando violino. Então formamos um pequeno elenco, ele, eu e o policial rodoviário Eliseu do Bandolim. Era um trio inusitado.

ABI Online — Por quê?
Oswaldo — Nós tocávamos músicas de carnaval. Dá para imaginar marchinhas carnavalescas sendo executadas ao som de violino?

ABI Online — A rádio e o programa tinham um nome?
Oswaldo — O programa não, mas a emissora se chamava Rádio Clube Petropolitano. Como ela era clandestina, a Comissão Técnica de Rádio descobriu e mandou fechá-la. Em 1936, com o apoio do Rotary Club e de pessoas influentes de Petrópolis, foi conseguida uma concessão de freqüência para a cidade e fundaram a Petrópolis Rádiodifusora, em 16 de março daquele ano, com uma estrutura de rádio de verdade. Curiosamente, a emissora foi inaugurada pelo interventor federal no estado, Almirante Protógenes Guimarães.

Miranda com Marechal Dutra

ABI Online — O senhor se lembra da primeira transmissão?
Oswaldo — Eu me lembro que eu cantei com a Alzirinha Camargo, que era precursora da baiana Carmem Miranda nos Estados Unidos. Também fiz dupla com Orfeu Paulistinha, que no cinema era conhecido como Carlos Tovar, atuando nos filmes da Cinédia, e que recentemente completou 80 anos. Lá na rádio eu dirigia um grupo que parecia os cantores da bossa nova que vieram depois. Toda a programação nós fazíamos de graça. Até que chegou de Niterói (RJ) o diretor Gomes Filho, que também era compositor, e passou a nos dar um cachê.

ABI Online — O senhor também participou do jornal A Tribuna de Petrópolis.
Oswaldo — Era um jornalzinho romântico. Foi uma das Redações mais elegantes e mais bonitas em que eu trabalhei. Nessa época, o Diário da Noite, daqui do Rio, lançou a campanha das pirâmides de metal. Tinha a ver com o esforço de guerra do Brasil contra os seus navios que vinham sendo afundados pelos alemães. Eu gostei dessa idéia e quis levá-la para Petrópolis. Eu então falei com o Álvaro de Morais, que era o Secretário de Redação.

ABI Online — O que veio a ser a campanha das pirâmides de metal? O Álvaro comprou a sua pauta?
Oswaldo — A campanha conclamava o povo a doar qualquer objeto de metal que pudesse ser transformado em munição. Tinha de tudo, panela velha, geladeira, penico, bicicleta velha e outros materiais. O Álvaro me disse que não assumiria o projeto, mas se eu quisesse fazer podia ir adiante.

ABI Online — E o senhor topou essa empreitada sozinho?
Oswaldo — No jornal tinha um cara chamado Zico Paixão que resolveu me ajudar. Eu aí botei uma faixa na Praça Doutor Saieb, em Petrópolis, pedindo a colaboração da população. No dia seguinte, fomos ver não tinha nada. Eu comentei em casa com a minha mãe, peguei umas panelas velhas e fiz o primeiro montinho. Aí a coisa explodiu, pena que a imprensa de Petrópolis na época não tinha fotógrafo e essa imagem não pôde ser registrada.

ABI Online — Qual foi a repercussão na Tribuna?
Oswaldo — O Álvaro Morais se encantou com o meu entusiasmo. Disse que ia fazer as manchetes e os textos. Uma delas foi “Bombas de Petrópolis sobre Berlim e Roma”. Nós conseguimos montar 42 pirâmides em todo o município, com doações que iam de um caminhão com chassi inteiro ao primeiro gerador que deu luz à cidade. O Retiro Futebol Clube doou todo o seu acervo de taças.

STRONG>ABI Online — E o que foi feito de todo essa material?
Oswaldo — Eu fui falar com o Secretário de Gabinete do Prefeito, Márcio Moreira Alves, para pedir ajuda no recolhimento das toneladas de metal. A Prefeitura me emprestou dois caminhões, com os quais recolhemos todo o material, que depois foi levado para a estação de cargas da Leopoldina. Dali, tudo foi transportado para o Arsenal de Marinha, na Ilha das Cobras. Naquele tempo ainda não se falava em reciclagem. As peças foram jogadas em um forno para serem transformadas em armas.

ABI Online — A partir dessa campanha A Tribuna de Petrópolis se engajou em outras?
Oswaldo — Foi a única campanha cívica que se fez na Tribuna de Petrópolis e na imprensa do município, que era muito acanhada. Pena que no centenário do jornal não usaram nem uma linha para contar essa história.

ABI Online — A Tribuna de Petrópolis continua em circulação?
Oswaldo — Eles têm um parque gráfico que é fantástico. Pertence ao D. Francisco de Orleãs e Bragança. Ele pegou a massa falida da Tribuna, mas apenas para garantir a tradição. Na minha opinião o veículo ainda existe, mas é encarado como um negócio menor. O interesse mesmo está no parque gráfico, onde entra muito dinheiro com a renda da impressão de jornais do interior.

ABI Online — Quanto tempo o senhor trabalhou no jornal A Tribuna de Petrópolis?
Oswaldo — De 1944 a 1946. Um dia eu estava na Redação e recebi a visita de duas pessoas: Francisco Gomes Maciel Pinheiro, que à época era a pessoa mais popular do Rio de Janeiro, em todas as áreas da cultura; e o Roquete Pinto, o pai do rádio brasileiro, cujo currículo dispensa apresentação. Eu registrei a presença deles no jornal, cujo texto dizia: “Tivemos a honra de receber aqui na Tribuna o senhor Roquete Pinto, o homem que fez a primeira transmissão de rádio no Brasil (na Exposição de 1922)”. No dia seguinte o Maciel Pinheiro voltou à Redação e me fez um convite para trabalhar no Rio de Janeiro.

ABI Online — Qual foi a proposta?
Oswaldo — Ele disse que o Roquete Pinto ficou impressionado com a minha dinâmica e criatividade, e achava que Petrópolis era uma cidade muito pequena para eu desenvolver o meu potencial. Eu fiquei meio atordoado. Mas eles me garantiram que chegaria à cidade com uma vaga garantida no Vanguarda, um jornal que pertencia aos integralistas, na Gazeta de Notícias e no Senac, que acabara de ser criado pelo José Linhares, que foi Presidente interino substituindo Getúlio Vargas.

ABI Online – O senhor se desligou imediatamente da Tribuna?
Oswaldo – Eu tive sorte porque a Tribuna já estava sendo negociada com um grupo do PSD, mas eu não sabia que o Martinez Toja, que era o dono do jornal, estava à frente da negociação. Então, certamente, eu logo seria demitido.

Oswaldo com Waldir Azevedo

ABI Online – O senhor chegou ao Rio empregado em três lugares.
Oswaldo – O Maciel tinha muitas atividades, era também diretor de assuntos culturais do Senac, da difusão cultural do município e do Theatro Municipal. Por isso ele precisava de alguém que cobrisse as suas ausências. Ele viu em mim uma pessoa de confiança e com competência, daí me contratou.

ABI Online — Quais foram as funções que o senhor exerceu em cada dos empregos para os quais foi contratado?
Oswaldo — No Senac eu organizei o serviço de documentação. No jornal Vaguarda assumi uma vaga como repórter de polícia, cobrindo os grandes crimes da época, inclusive desastres que ocorriam na cidade. Eu chegava na redação às 6h, para cobrir o Antonio Correia, que fazia a ronda das notícias policiais de madrugada. Como o jornal saía às 11h, o pau comia. Eu tinha que correr para não atrapalhar a edição.

ABI Online — E na Gazeta de Notícias?
Oswaldo — Na Gazeta de Notícias eu criei uma seção intitulada “Gazetilha de Petrópolis”, onde toda semana saía uma reportagem minha com notícias sobre o município. A outra parte do meu tempo era dedicada ao Senac, que assinou um contrato com os Diários Associados, para a produção de um curso por correspondência pelo rádio, que ia ao ar na Rádio Tupi, aos domingos de manhã.

ABI Online — O senhor pode descrever como eram os programas?
Oswaldo — Os professores iam para o microfone e as apostilas eram enviadas para as casas dos alunos, no caso comerciários. Aos sábados à tarde, tinha também o programa “A hora do comerciário”, patrocinado pelo Senac, que dava oportunidades para novos talentos dentre os comerciários que quisessem se aventurar ao microfone.

ABI Online — Qual era a sua função nesse processo?
Oswaldo — Na época a Tupi tinha o Maracanã dos auditórios, instalada em um espaço gigantesco localizado na Avenida Venezuela (Centro). À frente da parte artística estavam o Mário Fatilli e a Babi de Oliveira, eu cuidava dos textos comerciais. Quando eles saíram, eu assumi tudo. Nessa época quem apareceu por lá para um teste como cantores foram o Cauby Peixoto e a Nora Ney, mais tarde o Orlando Dias, que veio de Pernambuco e cantava o repertório do Orlando Silva.

ABI Online — Quem mais o senhor conheceu na Tupi nessa época?
Oswaldo — O conjunto do Canhoto, que era o melhor do momento no Brasil. Os locutores Gontijo Teodoro, que ficou famoso no “Repórter Esso”, e o Fernando José. Nesse período a Tupi sofreu um incêndio e nós passamos a fazer os programas no auditório do IAPC, que ficava lotado, onde dávamos oportunidade aos comerciários com pendores artísticos. E aí teve uma passagem muito engraçada.

ABI Online — Qual foi?
Oswaldo — Um dia eu estava no hall do Senac na Rua Santa Luzia, quando a porta do elevador se abriu eu dei de cara com o Chateaubriand que vinha falar com o presidente. Ao ser recebido pela Diretoria, foi direto ao assunto: “Vocês têm um contrato com os Associados e eu preciso de 150 mil cruzeiros agora”. Ele estava de posse de uma fatura que tinha um valor maior do que o solicitado, mas assinou e levou a quantia que queria. Depois eu fiquei sabendo que ele sempre agia assim, e causava um reboliço danado na contabilidade.

ABI Online — Como o senhor continuou conduzindo a sua vida como repórter?
Oswaldo — Tinha um deputado chamado Paranhos de Oliveira, que lançou o jornal A Voz Trabalhista, onde trabalhou também o Villas-Bôas Corrêa. A minha função era cobrir o plenário da Câmara dos Deputados, anotando os debates dos parlamentares entre os quais o Carlos Lacerda. No fim da tarde, eu ia para a Redação na Rua Senador Dantas, para entregar as notícias que eu havia apurado.

ABI Online — Então além do Vanguarda, Gazeta de Notícias, e Senac o senhor ainda conseguiu arranjar mais trabalho? Como é que fazia para dar conta de tantas tarefas ao mesmo tempo?
Oswaldo — Nesse meio tempo, em 1948, o Maciel pegou a direção do Theatro Municipal e disse que me queria lá. Foi então que eu criei a assessoria de imprensa e relações públicas do teatro. Não havia agenda cultural naquele tempo e nem a imprensa dava espaço para cultura como faz hoje.

ABI Online — Qual era o perfil do noticiário da imprensa naquele período?
Oswaldo — Essencialmente político e policial, com aquelas manchetes malucas como as do Santa Cruz, em O Dia, que lançou uma que ficou famosa: “Cachorro fez mal à moça”. Para conseguir emplacar notícias culturais eu tive a idéia de comprar espaço nos jornais.

ABI Online — E funcionou?
Oswaldo — O negócio foi tentar fazer permuta com a imprensa. Havia uns 15 jornais diários circulando no Rio naquela época. A sugestão era dar dois ingressos para cada Redação nas estréias, em troca os veículos passavam a publicar notícias sobre os programas de óperas e outras temporadas de concertos e recitais que aconteciam no teatro. O Municipal nunca tinha tido até então tanta divulgação.

Oswaldo Miranda, Silvio Caldas e Gilberto Menezes Correa

ABI Online — O senhor também trabalhou na Última Hora.
Oswaldo — Depois que me desliguei do Vanguarda, de onde saí decepcionado. O Samuel Wainer tinha um semanário intitulado Diretrizes, no qual só escreviam feras do jornalismo. Mas ele quis se aventurar em um projeto mais ousado, que seria a Última Hora, e foi a São Borja atrás do Getúlio. E foi daí que nasceu a idéia do lançamento de um jornal, que no caso da eleição do Getúlio, seria financiado por ele.

ABI Online — O senhor disse que se decepcionou com o Vanguarda. Por quê?
Oswaldo — Na campanha para a Presidência o Vaguarda ficou contra o Getúlio, porque apoiava o Cristiano Machado, de Minas. O jornal já não pertencia mais aos integralistas, passara para as mãos dos irmãos Duarte, que por sinal eram uns picaretas. Mandaram a mim e a um fotógrafo para a antiga galeria Cruzeiro, montar uma banca para fazer uma pesquisa visando a apurar em quem o povo votaria. Deu Getúlio disparado. Cheguei na Redação com esta notícia e eles me mandaram inverter o resultado: “O candidato nosso aqui é o Cristiano Machado”. Ou seja, eu fui usado como instrumento da pilantragem deles.

ABI Online — Como o senhor se engajou no projeto do Samuel Wainer?
Oswaldo — O Samuel queria que o Maciel Pinheiro fosse trabalhar com ele na Última Hora. Como ele não tinha condição de absorver mais uma função, resolveu me indicar para o lugar dele. Eu entrei na função de repórter ganhando um salário que, na época, cobria a remuneração que eu ganhava em sete outras fontes de renda.

ABI Online — Quem mais fazia parte da Redação da Última Hora nessa época?
Oswaldo — Nessa época lá estavam Nelson Rodrigues, Oto Lara Resende, Sérgio Porto, Marques Rebelo e o Lan. Eu me sentia pequenino no meio de gente de tanto talento. Mas fiquei por lá fazendo notas de serviço sobre as reclamações da população.

ABI Online — E o senhor ficou nessa função muito tempo?
Oswaldo — Até o dia em que o Samuel me chamou e disse que eu ia passar a trabalhar na área de promoção do jornal. Foi quando eu passei a cuidar de sorteios, concursos sobre o futebol. Foi um sucesso. Da grandeza da Última Hora só se fala dos valores intelectuais, não se comenta sobre o trabalho de base, ninguém fala nisso. E eu estive por trás disso.

ABI Online — Qual foi a importância dessas promoções para Última Hora?
Oswaldo — O concurso sobre palpite de futebol era fantástico. Ajudou a aumentar a venda do jornal. Houve um período em que a Última Hora chegou a ser campeã de vendas no Brasil. É claro que a pessoa comprava o exemplar, guardava o cupom e jogava o resto fora. Tinha também o “Prêmio para toda a família”, em parceria com o Rádio do Clube do Brasil, que era do mesmo grupo. Toda semana eu ia para um cinema de um subúrbio do Rio para realizar os sorteios.

ABI Online — A idéia acabou alcançando sucesso?
Oswaldo — No embalo do sucesso das promoções da Última Hora, chegamos ainda a fazer um jornal chamado Flan, onde eu também tinha o meu espaço. Era todo colorido, a sua impressão era feita em São Paulo, e depois os exemplares eram mandados para o Rio de Janeiro de caminhão. Era um jornal meio revista, que circulava somente no domingo, quando não tinha edição da Última Hora. Nesse período o Lacerda começou uma campanha contra o Samuel Wainer.

ABI Online — Que tipo de campanha?
Oswaldo — Ele começou a questionar os créditos que o Banco do Brasil liberava para a Última Hora. Isso foi crescendo e todo o dia o Lacerda fazia esse questionamento, que ganhou apoio do Roberto Marinho e acabou sendo um massacre.

ABI Online — Qual é a sua opinião sobre Carlos Lacerda?
Oswaldo — Ele terá sido talvez o nosso maior político. Um homem culto, de uma inteligência fantástica e oratória assombrosa e contundente. Sabia como conquistar a massa. Com a sua verborragia era presença dominante em qualquer situação. E como deputado foi um dos maiores que nós tivemos. Agora era um gênio também muito marcado pelo estigma do mal. Eu mesmo fui acusado por ele de comunista.

ABI Online — O senhor era contra os questionamentos do Lacerda?
Oswaldo — Acho que ele poderia estar com a razão sobre o financiamento do Governo para um jornal. Com o acesso ao crédito, o Samuel pôde contratar os melhores profissionais da época, ganhando muito bem. Importando paginadores argentinos, como o Parpanholi e o Guevara — todos muito bem pagos. Eu mesmo tive um aumento de salário de 7 mil para 17 mil cruzeiros. Era muito dinheiro.

ABI Online — Quais foram os efeitos imediatos das críticas do Carlos Lacerda contra o jornal do Samuel Wainer?
Oswaldo — A campanha começou a dar resultados negativos, com abertura de CPIs, entre outros desdobramentos. O Samuel foi preso. A prisão dele foi novelesca. Ele foi apanhado na Praça Onze e levado para uma delegacia de polícia que ficava no bairro do Estácio, onde hoje é o Hospital da PM. E aí o Lacerda radicalizou nas críticas ao Governo, com acusações cada vez mais bombásticas, por causa da fartura de dinheiro que entrava na Última Hora, liberado pelo Ricardo Jafé, que, à época, era o Presidente do Banco do Brasil.

Miranda com Jair Picaluga

ABI Online — Quando as acusações do Lacerda se tornaram mais veementes, o que aconteceu de fato internamente no jornal?
Oswaldo — A coisa foi ficando muito difícil. As agências já não anunciavam tanto, e com isso surgiu a dificuldade para remunerar os jornalistas. O jornal teve que improvisar, trocando salários por artigos domésticos. As estrelas foram saindo, sobrando apenas o que eu apelidei de grupo de resistência de Stalingrado, como Paulo Silveira, Mário Jô, Álvaro Gonçalves e eu, que passei a acumular funções para botar a Última Hora na rua.

ABI Online — E qual foi o golpe final do Lacerda contra a Última Hora?
Oswaldo — Chegou um dia que o Lacerda naquelas suas campanhas incendiárias foi para a televisão e declarou o fim do jornal: “Quem quiser ler a Última Hora leia a edição de hoje, porque amanhã não tem mais”. Mas o Lacerda não dava trégua.

ABI Online — O Samuel Wainer não reagiu?
Oswaldo — O Samuel se juntou ao Otávio Malta e ao Baby Bocaiúva e os três começaram a se articular por telefone. Falaram com o Simões Filho, que era o Governador da Bahia, e com o Matarazzo, que também já tinha emprestado dinheiro para o Samuel. Nessa confusão, eles conseguiram um contato com um milionário de Petrópolis, e me mandaram para lá pegar o dinheiro.

ABI Online — Quem era essa pessoa?
Oswaldo — Eu já não me lembro o nome. O Samuel me chamou me deu um cheque e disse para eu ir receber o dinheiro.

ABI Online — Qual era o valor do cheque?
Oswaldo — Eu não sei qual era a transação, mas levei um cheque de 150 mil cruzeiros para receber 100 mil em dinheiro. Quando eu retornei, o jornal estava pronto para rodar, mas faltava papel. Esse dinheiro era para ser usado para pagar ao fornecedor. Então nós fechamos a boca do Lacerda, porque o jornal circulou no dia seguinte.

ABI Online — Houve alguma outra estratégia para tentar driblar os ataques do Lacerda?
Oswaldo — O Lacerda continuou com a sua hipócrita e alucinada campanha contra a Última Hora, agora já reforçada pelo Chateaubriand e o Roberto Marinho. Então eu bolei uma coisa para tentar neutralizar a ação destruidora do Lacerda, apresentando ao Samuel Wainer a idéia de uma campanha que acompanhei dos meus tempos de criança, o presépio de Natal da revista infantil O Tico-tico.

ABI Online — O Samuel Wainer comprou a sua idéia?
Oswaldo — Ela autorizou. Todos os dias publicávamos os desenhos de figuras de presépio, tudo em cores, orientando os leitores, aos milhares, que cortassem tais figuras, colando-as em cartolina, para, aos poucos, irem montando seus presépios. Foi assim a campanha “No Natal, um presépio em cada lar”. Num jornal comunista, foi uma jogada sensacional! O povão aderiu em massa. Diariamente na Praça Onze chegava gente em busca das edições atrasadas para conseguir figurinhas. Estimo que as duas edições da Última Hora (Rio e São Paulo) tenham levado seus leitores a montarem para ornamentar suas residências, cerca de 200 mil presépios. Mas eu tive uma outra idéia?

ABI Online — Qual foi?
Oswaldo — Pedir ao então Cardeal do Rio de Janeiro, D. Jayme Câmara, que abençoasse o nosso presépio. Montamos uma equipe, Baby Bocaiúva Cunha, João Etcheverry, eu e o fotógrafo Roberto Maia e fomos ao Palácio São Joaquim, no Catete. D. Jayme nos recebeu bem. Pedi-lhe a benção, enquanto eu segurava o presépio solicitei autorização para o Maia fotografar, alegando que tínhamos poucas fotos suas. Ele concordou. Agradecemos e quando saímos os dois diretores vibravam com o que acabáramos de viver, por conta da minha idéia: um cardeal benzendo a promoção de um jornal comunista. Deu 1ª página, foto e matéria de capa em quatro colunas.

ABI Online — Depois houve o atentado ao Lacerda, que resultou na morte do Major Vaz e, em seguida, o suicídio do Getúlio.
Oswaldo — Nós fizemos uma edição com a carta testamento do Getúlio na primeira página. Foi um estouro de vendas nas bancas. Mas chegou uma hora que elas não tinham mais como suportar as vendas. Eu então fui com uma equipe para o Palácio do Catete, com jipes carregados de exemplares da Última Hora, que foram vendidos para as pessoas que formavam uma fila interminável em torno do prédio, para ver o corpo do Getúlio Vargas. Dizia-se que foi um recorde mundial de venda avulsa de jornal em um só dia. Foram 900 mil exemplares.

ABI Online — Depois dessa seqüência de episódios qual foi o caminho que o senhor seguiu na imprensa?
Oswaldo — Apareceu o doutor Roberto Marinho, querendo saber quem era o Oswaldo Miranda. Aquele que tinha feito grandes promoções quando trabalhava na Última Hora. Ele me contratou para trabalhar na Rio Gráfica Editora, que editava as revistas Querida e Cinderela e os gibis Mandrake, Reizinho e Capitão Marvel. E eu já fazia parte de uma revista que ele quis lançar, que era a Radiolândia, criada pelo Henrique Ponjetti, grande teatrólogo, amigo do Marinho, e que tinha uma coluna diária no Globo.

ABI Online — Fale por favor sobre a revista.
Oswaldo — O Ponjetti foi convidado pelo Roberto Marinho para criar a Radiolândia para concorrer com a Revista do Rádio, do Ancelmo Domingues, que era muito fraca em termos de impressão, mas boa em conteúdo. As estrelas da revista eram a Marlene e a Emilinha Borba. Graficamente era uma publicação muito feia, mas vendia muitos exemplares.

ABI Online — Onde funcionava a redação da Radiolândia?
Oswaldo — A Redação ficava instalada no edifício São Borja, a Cinelândia, onde o Ibrahim Sued tinha a revista Senhor. Para tocar o projeto, o Ponjetti chamou o Moisés Weltman, que era um garotão que fazia o boletim infantil “Os curumins” do “Programa da Tia Chiquinha”, que precedia o meu programa na Rádio Tupi.

ABI Online — Quem mais fazia parte da publicação?
Oswaldo — O Moisés Weltman não se sentia capaz de cuidar sozinho do projeto e chamou um amigo meu Eugenio Lira Filho, que era um grande redator publicitário, para implementar a publicidade na Radiolândia. Contratou também o Martinho Garcia, que era um viadinho e muito bom na parte de paginação. Eu fui convidado para fazer parte do grupo da revista.

TABLE>ABI Online — Como foi o lançamento da Radiolândia?
Oswaldo — A Radiolândia foi lançada com o apoio da Rádio Globo e do jornal O Globo. Eu fui incumbido pelo Ponjetti de bolar a primeira capa. Pensei na Emilinha Borba, a Rainha do Rádio. E passei a frequentar toda tarde o “Programa César de Alencar”, na Rádio Nacional. Tentei convencê-la por diversas vezes, mas sem sucesso.

ABI Online — Vocês tiveram que adiar o lançamento?
Oswaldo — Foi chegando a hora do lançamento e eu não conseguia marcar uma entrevista com ela, nem fotografá-la para a capa que seria colorida. Nós tivemos que improvisar, para não atrasar o prazo de lançamento. Pegamos uma foto em preto e branco, e o Martim Garcia criou um sistema que a transformou em fotografia colorida.

ABI Online — E o texto?
Oswaldo — Eu tive que inventar uma história, mas como sabíamos muitas coisas sobre a vida da Emilinha isso não foi problema. O título da capa foi “Deus salve a rainha!” O lançamento da Radiolândia aconteceu em torno da piscina do Hotel Glória, com a presença de todas as estrelas do rádio da época, inclusive a própria “Rainha do Rádio”.

ABI Online — Mas e a sua relação com a Rio Gráfica?
Oswaldo — Eu na Radiolândia não podia assinar meus textos como Oswaldo Miranda, porque nela estava o grupo da campanha contra a Última Hora. Assinava minhas matérias com o nome do meu filho José Luiz Miranda. Eu fiquei um bom tempo na revista até que o Roberto Marinho me colocou integralmente na Rio Gráfica, onde eu fui encarregado de cuidar não só da Radiolândia como também das promoções da editora.

ABI Online — O senhor estava em atividade quando houve o golpe militar em 64. Gostaria que contasse algum episódio desse período.
Oswaldo — Eu estava fazendo televisão no Programa do J. Silvestre, que eu acumulava com a função de assessor de imprensa do IAPB. No dia 4 de abril de 64 um colega me telefonou e disse: “Miranda você está intimado a comparecer aqui para depor em um Inquérito Policial Militar (IPM), porque foi acusado de ser comunista”.

ABI Online — E o que aconteceu durante esse inquérito?
Oswaldo — Me trancaram em uma sala, por duas horas e meia, com um major e um capitão do Exército e um escrivão. Do lado de fora as minhas colegas chorando com medo que eu fosse ser levado para o quartel da Polícia do Exército da Barão de Mesquita, pensando que eu seria assassinado ou torturado.

ABI Online — Eles lhe acusaram formalmente de ser comunista?
Oswaldo — Fizeram aquelas perguntas imbecis. “Por que você é comunista? Desde quando, quem eram os seus companheiros? Onde vocês se reuniam?” E eu dizia: “Eu não sou comunista”. Acho que se eu tivesse um revólver teria feito uma besteira. Foi horrível, essa situação me deixou arrasado. Nesse dia eu fiquei aos pedaços, preocupado com o que poderia vir em seguida.

ABI Online — Nesta época o senhor já trabalhava na TV Rio?
Oswaldo — Eu ajudava muito a TV Rio, da qual eu fui fundador. Fazia tudo o que eu podia para ajudar o canal na concorrência com a Tupi, que era a dona do pedaço.

ABI Online — Como se deu o seu ingresso na televisão?
Oswaldo — Eu estava sempre piruando a televisão.

ABI Online — Como assim?
Oswaldo — Eu queria ser da televisão, mas não conseguia espaço. Nessa época eu escrevia para uma revista chamada TV Guia. Fiz uma reportagem com o J. Silvestre que falou sobre o seu desejo de montar uma filial da sua agência de publicidade Rio. E descreveu o perfil da pessoa que ele estava procurando. Eu quase falei que essa pessoa era eu, mas me segurei porque o dono da revista estava ao meu lado. Até que surgiu uma oportunidade, eu fui atrás do Silvestre e me apresentei como candidato à vaga que ele oferecia.

ABI Online — E o J. Silvestre o que disse?
Oswaldo — Ele me perguntou se eu poderia viajar a São Paulo no dia seguinte. Não tinha dinheiro, mas disse que sim. Raspei os últimos trocados que eu tinha no banco e viajei. Chegando lá o J. Silvestre me apresentou à sua equipe: “Aqui está o nosso homem no Rio”.

ABI Online — Como foi a sua estréia na TV?
Oswaldo — Aconteceu em 1965. A agência foi instalada em uma sala gigantesca na Rua México. O primeiro programa da agência na TV Rio foi “Biscoiteste Duchen”, que fazia grandes promoções e dava prêmios.

ABI Online — O senhor também trabalhou com o J. Silvestre no programa “Show sem limites”.
Oswaldo — O Silvestre foi perdendo a conta da TV Rio e passamos então a fazer aquele que viria a ser o maior programa de televisão da época, que foi o “Show sem limite”, baseado num programa norte-americano da NBC, que gerou um grande escândalo da pergunta combinada, onde o produtor pelo ponto eletrônico passava as respostas para o candidato.

ABI Online — Por que o Silvestre levou o programa para a Tupi?
Oswaldo — A Tupi já estava de olho no J. Silvestre e nós fomos levados para a TV Tupi, eu como empregado da agência do Silvestre. Na emissora o programa explodiu em toda a rede no Brasil. Batemos o recorde nacional de Ibope.

ABI Online — Quais são as melhores lembranças que o senhor tem desse período da televisão?
Oswaldo — São muitas porque o “Show sem limite” foi um arraso na televisão brasileira. Na noite do quadro com o casamento da Noivinha da Pavuna, que virou um mito da televisão brasileira, nós demos 80 pontos de Ibope, contra 14 da Rede Globo. Enquanto a Excelsior, a Continental e a TV Rio deram traço. Essa marca nunca mais foi batida por programas de variedades, somente em novelas, com “Roque Santeiro”, ou quando o homem foi à Lua.

ABI Online — O senhor também trabalhou com o Flávio Cavalcanti. Como se deu a sua aproximação com ele?
Oswaldo — Ele estava de olho em mim há muito tempo. Quando eu fui trabalhar com ele comecei fazendo jornalismo no quadro “A notícia é o espetáculo”, que eu fazia junto com o Guiarone, que foi um grande produtor da Rádio Nacional. E fazia também “O repórter da história”, uma criação do Deputado Amaral Neto, que inclusive lançou um jornal com este título.

ABI Online — Era um dos quadros que ajudavam na audiência do programa do Flávio Cavalcanti?
Oswaldo — Esse quadro era o momento mais importante do programa Flávio. Nós entrevistávamos vultos da História. Contávamos com a participação de atores da TV Globo, como a Isabel Ribeiro, que interpretou a Cleópatra. O Waldir Maia fez Abraão Lincoln, Jayme Barcelos representou Assis Chateaubriand, e o Perry Sales assumiu o papel de Jesus Cristo. Com todos vestidos a caráter era o momento principal do programa. A ponto de nós produzirmos um LP com as gravações. A capa foi criação do Benício, que ainda hoje é um dos maiores desenhistas do Brasil. Falta isso na televisão hoje: cultura.

ABI Online — O que mais o senhor acha que está faltando às emissoras?
Oswaldo — O talento de homens como Walter Clark e o Boni, que foram quem deram o formato inicial da televisão que temos hoje. O que está faltando à TV brasileira hoje em dia é talento para produzir programas culturais.

ABI Online — Já que estamos falando de talento, eu gostaria que o senhor falasse sobre a sua vocação para a música.
Oswaldo — Eu já fui crooner de cassinos, atuando no Tênis Clube de Petrópolis, que era uma filial do Cassino da Urca, que pertencia ao Joaquim Rola. Também sou violonista. Sobre isso, o José Ramos Tinhorão publicou no JB um comentário do maestro Guerra Peixe a meu respeito que diz: “… em 1934 eu tocava violino no rádio, acompanhado pelo violão de Oswaldo Miranda, um violão que tinha qualquer harmonia da Bossa Nova”.

ABI Online — Como o senhor recebeu esse elogio, que partiu de um grande maestro como o Guerra Peixe?
Oswaldo — Essa minha batida do violão era resultado das minhas observações na Rádio Mayrink Veiga, no tocar do instrumento de gente do porte de Laurindo de Almeida, que fez muito sucesso nos Estados Unidos, e Garoto, um gênio dos instrumentos de corda. Os maestros e arranjadores se impressionavam com a minha musicalidade e com a elaboração melódica de minhas composições.

ABI Online — O senhor tem músicas gravadas?
Oswaldo — Já tive músicas cantadas pelo Tito Guizar, famoso cantor da década de 40 e artista do cinema mexicano, que se apresentou no Brasil em um grande show da Rádio Globo no hangar da extinta Panair, com a Orquestra de Oswaldo Borba. Além dele, Marion, Blecaute, Carlos José, Cláudia, Os Canarinhos, Ester Tarcitano e as lady crooners da Orquestra do Maestro Agostinho Silva.

ABI Online — E o seu contato com a Associação Brasileira de Imprensa?
Oswaldo — Eu sou sócio da ABI desde 1938. Me lembro que em 1956, numa promoção da revista Radiolândia, fizemos a 1ª Semana de Música Popular Brasileira. O evento, que foi precursor dos festivais da canção que vieram depois, reuniu dezenas de compositores, todos no anonimato. As reuniões semanais aconteciam na ABI, que tinha uma comissão formada por Herbert Moses, maestro Alceu Bochino, Claudio Santoro e Francisco Mignone para ouvir as músicas inscritas. Quem as cantava? Eu. Aprendia na hora, assimilava as melodias, letras na mão, para então cantá-las com o Bochino ao piano, para que a comissão fizesse o seu julgamento.

ABI Online — O senhor mora atualmente em um imóvel no Leblon, com dois blocos de apartamentos que ficou conhecido como Conjunto dos Jornalistas. Como começou essa história?
Oswaldo — Eu integrei o grupo do Sindicato que em audiência com o Presidente Getúlio Vargas, no Palácio do Catete, apresentou o projeto da construção da casa própria para a classe. Éramos eu, Luiz Guimarães, que hoje dá nome a um dos blocos, o presidente do Sindicato, Ariosto Pinto e o José Talarico. Presente também o Presidente do IAPC, Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários, que era o órgão de previdência da época, Henrique De la Rocque.

ABI Online — Qual foi a reação do Getúlio quando foi apresentado ao projeto?
Oswaldo — Getúlio achou a idéia interessante: “Os comerciários têm, os bancários, os inapiários, por que não os jornalistas”. E dirigindo-se ao De la Rocque perguntou: “Quais são as disponibilidades de terreno?” Este respondeu:”Jacarepaguá, Cascadura e Leblon, mas este está um pouco embaraçado”.

ABI Online — Mas acabou cedendo o terreno.
Oswaldo — O Getúlio perguntou se dava para desembaraçar o terreno do Leblon. Autorizada a operação, o IAPC preparou dois projetos. A partir do segundo deu início às obras, que eram acompanhadas por nós no dia a dia.

ABI Online — E quando as obras ficaram prontas, qual foi o critério para aquisição dos imóveis?
Oswaldo — O Sindicato indicou uma comissão para a devida distribuição dos apartamentos. Deu bode! Um dos colegas quis ficar com quatro apartamentos. Outros já negociavam a venda, sem conhecer. Era malandragem sobre malandragem. Eu fiquei com o apartamento 1203, onde vivo até hoje, vizinho do grande repórter José Montenegro, no 1204.

ABI Online — O Leblon é hoje um bairro onde o metro quadrado é um dos mais caros do um Rio de Janeiro. Então foi um grande negócio para os jornalistas.
Oswaldo — Na época o Leblon estava estagnado. Não tinha água. A chegada da água foi o impulso que faltava e fez aquele pedaço de terra tranqüilo, depois do Jardim de Alá, explodir como o mais importante bairro da cidade.

ABI Online — Como foi efetuada a venda dos apartamentos?
Oswaldo — A venda foi um ano de aluguel simbólico, depois escritura para amortização em 20 anos, e pronto! Temos a casa própria, graças ao Getúlio. Deve haver algum velhinho que saiba coisas mais importantes do que as que eu conto aqui. Velhinho, claro, mas que ainda esteja vivo, lúcido e consciente, como eu, já passado dos 90. 

Miranda, Sinésio Cavalcanti, Guy Masset (em pé), Roberto Carlos, José Messias e Elizeth Cardoso (sentados)

Foto de Paulo A. Teixeira

Oswaldo Miranda na praia do Leblon