Encontros da ABI com a Cultura debate filme mostra golpe que acabou com a Panair


22/07/2021


Por Vera Perfeito, conselheira e diretora de Cultura da ABI

Ditadura perseguiu dono da Panair

No  Encontros da ABI com a Cultura, hoje, às 19h30, serão entrevistados o cineasta Ricardo Pinto e Silva, diretor do documentário Mario Wallace Simonsen, entre a Memória e a História (2015), e o  jornalista  Daniel Leb Sasaki, autor do livro Pouso forçado sobre a destruição da Panair, que participou do roteiro. O longa investiga a trajetória de seu protagonista, um mega empresário brasileiro, dono da Panair, que chegou à falência das suas mais de 30 empresas porque não se alinhou com os militares da ditadura brasileira e tentou quebrar a hegemonia do poder  dos EUA na nossa economia. Veja a entrevista no canal da ABI no YouTube.

A revogação das concessões das linhas aéreas da Panair do Brasil, decretada pelo Marechal Castelo Branco, foi acompanhada da transferência imediata das concessões para a Varig, que era propriedade de um aliado do governo militar, Ruben Berta. O filme colorido, de 1h50, conta a história do empresário Mario Wallace Simonsen (1909-1965), dono de um conglomerado em que se destacavam ainda a TV Excelsior e a Comal, a maior exportadora de café do país. O filme está disponível nas plataformas NOW, VivoPlay, Looke , OiPlay e Canal Brasil.

Empresário

O documentário Mario Wallace Simonsen, entre a Memória e a Históriareconstitui os fatos e circunstâncias que culminaram com a derrocada de um grande conglomerado empresarial e a morte prematura de seu controlador, aos 56 anos, contando a desconhecida história de um empreendedor notável. No filme há depoimentos de artistas como Tarcísio Meira, Glória Menezes e Bibi Ferreira, autores e executivos como Lauro César Muniz, Boni e Álvaro de Moya que ajudaram a contar a história da TV Excelsior, além de Rodolfo da Rocha Miranda, filho de Celso da Rocha Miranda, o sócio de Simonsen na Panair. E ainda da filha do empresário, Marylou Simonsen.

Discreto neto de ingleses, o empresário Mario Wallace Simonsen (1909-1965) foi o homem mais rico do Brasil em sua época (décadas de 1950-1960) e dono de um conglomerado de mais de 30 empresas: a Panair, a TV Excelsior, a Cia Melhoramentos, o Banco Noroeste, o Sirva-se (primeiro supermercado do Brasil), a Rebratel (sistema de micro ondas que tornava possível transmissões ao vivo de TV entre Rio e São Paulo), a Wasim (trading company com escritório em 53 países) e a Comal – Companhia Comercial Paulista de Café, a maior empresa de exportação do Brasil, num período em que o café respondia por dois terços das exportações nacionais, além de outros negócios.

Mário Wallace Simonsen, sua esposa Baby e seus três filhos – Wallace, John e Marylou – viviam envoltos numa aura de realeza que não tem equivalente no Brasil moderno. Todas as suas empresas foram tomadas ou fechadas pelo governo militar, sob as mais variadas alegações – com exceção do Banco Noroeste, que foi passado para seu primo Leo Cochrane e, posteriormente, absorvido pelo Banco Santander. Ao buscar a resposta do motivo desse empresário pioneiro ter sido expurgado da memória empresarial brasileira, o cineasta investigou hipóteses.

A produção foca ainda nas investidas devastadoras e inacreditavelmente rápidas que derrubaram o empresário, logo após o Golpe civil-militar de 1964. Gigantes como a Panair e Comal foram simplesmente proibidas de funcionar e fechadas, sem aviso prévio ou direito de defesa. Com o patrimônio pessoal sequestrado, o próprio Simonsen faleceu de infarto, aos 56 anos, um mês depois de decretada a falência e quando ainda se recuperava do trauma da morte da esposa. Por isso, havia se auto exilado em Orgevall, na França. Ao investigar os motivos para essa perseguição, a equipe do filme chegou a conclusões perturbadoras, um dos destaques do roteiro.

Entre as fontes mais importantes consta a filha do personagem, Marylou Simonsen, que nunca havia falado sobre esse assunto com profundidade. “Na época, era muito jovem e fiquei revoltada. Mas, com o passar dos anos, percebi que nutrir aquele tipo de sentimento ia contra tudo o que meu pai me ensinou. A semente que ele nos transmitiu foi a do amor e, principalmente, o amor pelo Brasil. Ele merecia esse reconhecimento. Eu sou muito grata a todos que participaram desse documentário. Além de fazer justiça ao meu pai, o filme serve também de alerta para que algo como aquilo nunca mais aconteça com ninguém”.

Júlio da Rocha Miranda, filho de Celso da Rocha Miranda e sócio de Mario na Panair, depõe no filme e diz que a empresa de aviação brasileira era a mais importante das companhias aéreas do país, com operações em quatro continentes e dona de aeroportos, infraestrutura de telecomunicações aeronáuticas e da melhor oficina de revisão de motores. Lembra da ousadia dos dois sócios que nacionalizaram totalmente aquele empreendimento, antes ligado à Pan Am, que dominava a aviação em todo o mundo.

Entre as consequências do fim da Panair do Brasil, destaca-se o processo de falência que privou o país de sua maior empresa área e provocou o desemprego de cerca de cinco mil pessoas, na época. Além disso, a Varig passou a ter monopólio dos voos internacionais do Brasil, provocando uma concentração do setor de aviação nacional. Outra consequência foi a estatização da Eletromecânica Celma, subsidiária da Panair, que fazia a manutenção dos motores aeronáuticos civis e militares no território nacional. Ao todo, cerca de quarenta e três cidades da Amazônia passaram a ficar isoladas, pois nenhuma outra empresa aérea brasileira operava os hidroaviões Catalina, até então utilizados pela Panair.

Filme

Nascido em São Paulo, Ricardo Pinto e Silva é cineasta e produtor cultural há 32 anos. Ele dirigiu e produziu o documentário, fazendo o roteiro junto com o jornalista Daniel Leb Sasaki, autor do livro Pouso forçado sobre a destruição da Panair. Ricardo, em 1992, dirigiu seu primeiro longa-metragem, Sua Excelência, o candidato, seguido de Querido estranho (2004), Dores & amores (2010) e Amparo (2014). Realizou ainda o telefilme Carro de paulista (2009) e Mario Wallace Simonsen é o seu primeiro longa documental.

 

Ele revela que a produção traz depoimentos e imagens de arquivo nunca antes vistos e que tiveram o zelo e a responsabilidade de realizar uma pesquisa documental profunda, ouvindo os diversos lados. Segundo o diretor, o objetivo do filme é contribuir com o restabelecimento da verdade histórica sobre Simonsen, que foi difamado e intencionalmente apagado, além de perpetuá-la para as atuais e próximas gerações.

 

Para materializar o projeto, Pinto e Silva recrutou uma equipe especialista. O jornalista Daniel Leb Sasaki realizou as pesquisas, preparou as entrevistas e contribuiu no roteiro, ao lado do diretor. O time vasculhou acervos, estudou milhares de documentos e entrevistou pessoas que conheceram o empresário, pessoal ou profissionalmente. Ao todo, a equipe filmou 41 entrevistados. Além de ser exibido on-demand por diversos dispositivos e na TV, Mario Wallace Simonsen, entre a memória e a história, terá futuramente uma versão em DVD

O documentário também mostra que o Mario Wallace Simonsen foi um dos pioneiros da televisão brasileira, mas que pouco se fala da TV Excelsior que ele criou. Só são lembrados os nomes de Assis Chateubriand (TV Tupi), Paulo Machado de Carvalho (TV Record), Roberto Marinho (TV Globo), João Saad (TV Bandeirantes).  Segundo o diretor do filme, Mario Wallace Simonsen é um nome que a ditadura civil-militar, implantada no Brasil em 1964, fez questão de matar, enterrar e esquecer.  O filme levanta o episódio cometido naqueles anos de autoritarismo. Em depoimento, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, um dos principais diretores da Globo durante décadas, diz que empresa aérea Panair era uma das melhores do mundo em conforto e segurança, e que a inovadora e revolucionária TV Excelsior “se não fosse a Revolução [sic] seria hoje o que é a Globo”.

O filme é claro ao mostrar que Mario Wallace, dono de uma respeitável fortuna não só herdada de seus ilustres antepassados britânicos (famílias Simonsen e Cochrane), como também construída através de empreendimentos inovadores, viu seu gigantesco patrimônio derreter em menos de um ano, vitimado por uma série inacreditável de arbitrariedades de seus perseguidores políticos. Entre elas, uma CPI movida a documentos falsificados, um decreto federal baixado sob encomenda com a finalidade única de derrubá-lo, e a decretação de falência de uma empresa que não devia dinheiro para nenhum credor. Tudo, obviamente, sob os aplausos de uma imprensa reacionária que não hesitou em se abrigar confortavelmente sob as asas dos novos donos do poder.

Mario Wallace Simonsen, Entre a Memória e a História não é um filme sobre o passado do Brasil, segundo o diretor. Pelo contrário: as falcatruas legais, o autoritarismo sem freios, a conivência criminosa da imprensa, o silêncio cúmplice das elites e da classe média, mais a falta de soberania do Brasil perante as pressões internacionais são elementos cada vez mais presentes contemporaneamente por aqui. E que nos levarão novamente ao fundo do poço social, financeiro e moral do qual levamos muito tempo para sair, se nada for feito.Imediatamente.

Marylou Simonsen, filha de Mario Wallace Simonsen, contou que no dia em que seu pai morreu, poucos dias após o fechamento da Panair, ela havia dito para ele que nunca mais voltaria ao Brasil, mas “ele olhou nos meus olhos, segurou minhas mãos e disse para que eu amasse o Brasil, pois os homens passam, mas o Brasil fica”, contou, emocionada.”Quem sabe, com a Comissão da Verdade, essas nuvens vão embora e o sol volte a brilhar”.

As causas que levaram à falência da companhia aérea Panair do Brasil, ocorrida em 1965, foram examinadas pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) durante audiência pública no teatro Maison de France, Centro do Rio de Janeiro, em 23/03/2013. Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade registrou em seu relatório final entregue à Presidência da República que Simonsen foi comprovadamente vítima de perseguição política.