As mulheres no jornalismo


08/03/2023


Por Duda Hamilton

Nesse 8 de março de 2023, a Dfato Comunicação faz uma homenagem às mulheres precursoras na imprensa brasileira sugerindo títulos de livros que abordam o tema. Entre eles,  Mulher de PapelImprensa feminina e feminista no BrasilFeminismos na Imprensa Alternativa BrasileiraDa guerrilha à imprensa feminista; Mulheres Jornalistas –  A grande invasão – e Jurema Finamour, a jornalista silenciada

Uma das pioneiras no estudo desse gênero jornalístico, Dulcília Buitoni fez uma rica retrospectiva da trajetória das publicações para o público feminino. Segundo ela, foi na primeira metade do século XIX que apareceram periódicos voltados para as mulheres. Dulcília identificou O Espelho Diamantino, editado no Rio de Janeiro, em 1827, como o provável primeiro periódico feminino brasileiro. Em 1831, em Recife, foi lançado O Espelho das Brasileiras, um ano depois aparece o Correio das Modas, também carioca. Todos preocupados, basicamente, com moda e literatura.

É nesta época que surgem alguns periódicos audaciosos editados por mulheres, entre eles o Jornal das Senhoras, de responsabilidade da argentina Joana Paula Manso de Noronha que, a partir de 1852, “parece ter sido um dos primeiros a contar com mulheres na redação”. Segundo Dulcília, autora do livro Mulher de Papel, o  Jornal das Senhoras foi  o primeiro a ultrapassar os limites da moda e da literatura, ousando tímidos protestos contra a maneira possessiva com que os homens tratavam suas mulheres.

UMA DAS MÃES DO FEMINISMO NO BRASIL

Deste período, destaca-se também o trabalho de Nísia Floresta Brasileira Augusta (1810-1885), uma das primeiras mulheres no Brasil a conquistar espaços públicos e publicar textos em jornais da chamada grande imprensa. Nísia, que é considerada uma das mães do feminismo brasileiro, publicou o primeiro livro no país que tratava do direito das mulheres em 1832. Ela viveu na Europa e se inspirou em outras autoras feministas com obras voltadas para as diferenças de gênero, como Mary Wollstonecraft, escritora britânica que defendia o direito à educação para mulheres, e em Olympe de Gouges, um expoente da luta feminista durante a Revolução Francesa.

Na década de 1870, as publicações crescem pelo país, destacando-se a O Sexo Feminino, dirigido por Francisca Senhorinha da Mota Diniz, mulher que se tornou um nome conceituado até mesmo entre a monarquia. Foram impressos mais de quatro mil exemplares dos primeiros dez números, e entre os assinantes estavam o imperador D. Pedro II e a princesa Isabel. Da época, podem ser mapeados mais de cem jornais destinados a mulheres, quarenta e cinco deles no Rio de Janeiro.

ANONIMATO

Apesar de alguns temas ousados e da contestação, a atitude era de timidez:  muitas colaboradoras dos jornais procuravam manter o anonimato. Algumas, como Josefina Álvares de Azevedo, tiveram idéias avançadas para a época. Foi Josefina uma das mais vigorosas vozes na década 1880/1890. Rebelou-se contra a tirânica dominação do homem e suas ideias avançaram na defesa da lei do divórcio, que permitia a dissolução legal do casamento já desfeitos por acordos mútuos.

Na virada do século surgem outros veículos de curta vida. Em 1914, nasce, em São Paulo, a Revista Feminina, considerada o marco da imprensa especializada para mulheres. Era mensal, com 30 mil exemplares, distribuída nacionalmente e se diferenciou das demais por conter idealismos na defesa dos direitos das mulheres, além de moda, saúde e literatura.

A JORNALISTA SILENCIADA

Um dos mais recentes livros sobre  Mulher e Jornalismo é Jurema Finamour – a jornalista silenciada,escrito pela professora, jornalista e pesquisadora Christa Berger. Nas décadas de 1950 e 1960, a repórter e escritora  Jurema Finamour  se firmou como profissional e intelectual. Era engajada, corajosa e inteligente, bem próxima à elite intelectual brasileira. Uma mulher à frente de seu tempo, tendo como companheiro um militante do Partido Comunista. Escreveu livros, viajou pelo mundo, entrevistou figuras como o filósofo francês Jean-Paul Sartre, foi secretária de Pablo Neruda, retratada por Di Cavalcanti e editora de uma revista voltada para o público feminino. Foi presa na ditadura e era reconhecida como talentosa cozinheira.

Na pesquisa de Christa,  o enfrentamento com figuras importantes é um dos motivos que provavelmente ajudou no processo de ostracismo no qual ela mergulhou.

“Se as mulheres em geral são esquecidas, no caso da Jurema há um fato pra que isso aconteça, o fato é o livro sobre o Neruda”, afirma a pesquisadora. Dez anos após trabalhar pela última vez com o poeta chileno, Jurema publicou “Pablo e Dom Pablo: três vezes secretária de Neruda” (1975), obra que lhe rendeu muitas críticas e silenciamentos.

“Ela pode ter sido esquecida, como o conjunto das mulheres, mas ela foi duplamente esquecida porque, de fato, além de ser mulher, ela enfrentou os homens”, revela Christa Berger.

Em 1975, no ano internacional da Mulher, duas mulheres – a jornalista Joana Lopes e a ativista Terezinha Zerbini, conhecida como “a Dama da Anistia”, por defender e levar o tema à discussão nas páginas do jornal, fundaram o Brasil Mulher. Durante algum tempo o veículo  teve à frente de sua redação ex-presas políticas. Eram elas as responsáveis por todas as etapas da produção, da discussão da pauta, entrevistas, redação até a venda e distribuição clandestina.

“Nunca fizemos esse jornal pensando nas mulheres apenas, mas em todos. O objetivo sempre foi o tratamento igualitário entre homens e mulheres”, afirmou a jornalista, ex-militante do Partido Comunista do Brasil  e ex-presa política Amelinha Telles à jornalista Sillene Coquetti, da Assembléia de São Paulo durante a Comissão da Verdade.

Distribuído em diversos Estados brasileiros, o Brasil Mulher sempre abordou questões consideradas tabu para a época, como anistia, aborto, direitos humanos, reforma agrária, prostituição, sexualidade, divórcio e direitos da mulher.

BLOGS E SITES, UM OUTRO UNIVERSO

Na virada para o século XXI, surgem muitos blogs e sites relacionados ao tema.  A Agência Patrícia Galvão, por exemplo, foi a primeira organização feminista brasileira focada na defesa dos direitos das mulheres por meio de ações na mídia. Criada em 2001, a Agência é atualmente formada por 30 mulheres de diferentes partes do Brasil e há 21 anos acompanha a cobertura jornalística sobre o direito das mulheres. Além de produzir e divulgar notícias, dados e conteúdos multimídia, seu objetivo principal é dar maior amplitude à cobertura jornalística, influindo no comportamento editorial sobre problemas, propostas e prioridades que atingem 51% da população do país: as mulheres.

Também existem outras  iniciativas segmentadas e especializadas, como o Blogueiras Feministas e o Blogueiras Negras , e os portais AZ Minas e Catarinas, ambos independentes. Fundado em 2012 para amplificar a voz das mulheres, o Blogueiras Negras, estimula a produção de conteúdo para veículos de comunicação independentes produzidos por e para mulheres negras.

Ao longo dos anos, são essas jornalistas, escritoras, militantes, ativistas, blogueiras e acadêmicas que reverberam os direitos das mulheres. Estudiosa de publicações da imprensa feminina, a historiadora norte-americana June E. Hahner lembra que foram essas mulheres, por meio de seus jornais, que despertaram as demais parceiras para o potencial sufocado e desconhecido.

Livros sugeridos

Imprensa Feminina e Feminista no Brasil

Autora:Constância Lima Duarte, pesquisadora do CNPq, doutora em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo e mestre em Literatura Portuguesa

Editora: Autêntica Editora

Fruto de dedicada investigação sobre a história das mulheres e do movimento feminista no Brasil, o livro de Constância Lima Duarte é indicado para pesquisadoras que querem se enveredar pela história do feminismo e da imprensa feminista.

O Dicionário Ilustrado traz para o leitor contemporâneo um grandioso painel onde ressurgem nada menos que 143 jornais e revistas que circularam no país ao longo do século XIX e que tinham a mulher como público-alvo.

A obra apresenta uma cartografia que vai de Norte a Sul do Brasil. Alimentado por fontes primárias raras ou de difícil acesso, cumpre com eficiência o papel de mapa e guia norteador de novas pesquisas, contribuindo para preencher lacunas acerca da história da mulher brasileira na busca por seus direitos e na construção de sua identidade.

A mulher de papel: a representação da mulher na imprensa feminina brasileira

Autora: Dulcília Buitoni

Lançado em 2009, o livro é uma referência. Analisa a representação da mulher na imprensa feminina brasileira, mostrando qual ideologia foi transmitida em mais de um século e em que medida a imprensa, como fator cultural, difundiu conteúdos que influíram na formação da consciência da mulher brasileira.

Feminismos na Imprensa Alternativa Brasileira: Quatro Décadas de Lutas por Direitos

Autora: Viviane Gonçalves Freitas

Lançada em 2018, esta obra traz uma competente análise de jornais que são marcos para o ativismo de mulheres brasileiras, levantando questões que são centrais até hoje: dicotomia entre público e privado; opressão de gênero conjugada às desigualdades de classe e raça; divisão sexual do trabalho; direitos sexuais e reprodutivos; participação política institucional das mulheres; debate sobre cuidado e família etc.

Para a professora da Universidade de Brasília, Danusa Marques, nesse momento de crise e precarização da vida das mulheres, é um texto que dimensiona a nossa trajetória, apresentando às feministas do passado e ao “novo” feminismo as disputas existentes neste longo caminho.

Da Guerrilha à Imprensa Feminina

Autoras: Amelinha Teles e Rosalina Santa Cruz Leite

As mulheres que lutaram contra a ditadura militar traziam a irreverência, a paixão e a rebeldia da resistência. Uma boa parte dessas militantes políticas contribuíram para a retomada do feminismo nos anos 1970 adotando uma nova forma de pensar e fazer política. Buscavam politizar as relações cotidianas e transformar a qualidade das relações entre mulheres e homens. Lutaram também por liberdades democráticas, pela anistia e pelo fim da ditadura.

O livro é uma reflexão sobre o feminismo dos anos 1970, que se caracteriza como pertencente à segunda onda do movimento das mulheres, e que tem na imprensa  feminista de 1975 a 1980, um espaço de militância, de resistência e de divulgação das ideias feministas e socialistas. A narrativa é feminista e se faz pelos textos dos jornais Brasil Mulher e Nós Mulheres e pela falta de protagonistas como sujeitos desta ação.

Uma Breve História da Mulher no Jornalismo, no Feminismo e na Sociedade

Autora: Ludmilla Brandão

O livro apresenta a atuação da mulher nessa profissão. Para isso, foi necessário contar a história da mulher na sociedade e no feminismo, analisar dados quantitativos e qualitativos, incluindo-se pesquisas mais recentes, que dessem a dimensão da situação feminina no setor. Para finalizar, foram realizadas entrevistas com mulheres jornalistas de Brasília que trabalharam em diferentes décadas, para entender a origem, inserção e consolidação nesse ofício tão importante para a democracia. Essas entrevistas trataram de várias áreas da vida das jornalistas, com o objetivo de entender de forma global o jornalismo com perspectiva de gênero.

Mulheres Jornalistas – A grande invasão

Autora: Regina Helena de Paiva Ramos

Co-editado pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo e Fundação Cásper Líbero.

Na ativa do jornalismo desde 1953, a autora aborda as mais de cinco décadas nas quais ousadas profissionais iniciaram uma escalada que mudaria o perfil do jornalismo brasileiro. Essas mulheres jornalistas enfrentaram preconceitos dentro e fora das redações, até então dominadas por homens. Nos anos 1970, a participação feminina ganhou novo impulso e as mulheres começaram a ocupar cargos de chefia. Dez anos depois a profissão de jornalista já era híbrida, com as mulheres ocupando quase 50% das redações do Brasil.

A obra traça um retrato da Imprensa, sobretudo paulista, nesse período, e traz depoimentos imperdíveis de cerca de 70 jornalistas, como  Aracy Amaral, Alik Kostakis, Maria Lucia Fragata, Cecília Prada, Carmem da Silva, Edy Lima, Patrícia Galvão (a famosa Pagu), Cecília Thompson, Nair Suzuki, Regina Guerreiro e Rose Nogueira, entre outras. Presta homenagem também à Shajana Flora, repórter da Folha de S. Paulo, e também Heli Alves, que cobriu a morte de Che Guevara.  Elas contam como foi abrir espaço num território antes quase só masculino no Brasil.

Jurema Finamour – a jornalista silenciada

Autora: professora e jornalista Christa Berger

Editora Libretos

Jurema Finamour – a jornalista silenciada, é uma biografia escrita pela jornalista e professora Christa Berger, com profunda pesquisa e atraente texto. No livro, ela nos apresenta Jurema, a jornalista, romancista, escritora, viajante, feminista, cozinheira de mão cheia. Seus livros e reportagens sobre países c omo a China, a então União Soviética, Coréia e Cuba foram colocados no esquecimento, nenhum reeditado. Jurema viajou pelo mundo e criou e dirigiu, no Brasil, a revista Feminina, em 1947, na qual só mulheres escreviam. Com a chegada da ditadura militar, ela acabou “expurgada” da sociedade.  O livro da Christa é um presente para quem tem curiosidade sobre mulheres jornalistas.