Cristino: o poema de um torturado


29/03/2012


Preso quando chegava em casa e levado para o Doi-Codi do Rio, onde foi torturado, o jornalista Cristino Costa fez um poema em que relata os padecimentos que lhe foram impostos e dos quais guarda amargas lembranças até hoje, passados mais de 40 anos. O poema tem o título “Amnésia”, com o qual Cristino faz um jogo de palavras, juntando as expressões amnésia e anistia. Os versos são transcritos a seguir.
 
Eu levitava na noite
Em doce estado de graça
Inebriado com o cinema político
Do Fellini, do Pasolini, do Goddad
No cérebro da Zona Sul
Onde por décadas cristalizou
A Geração Paissandu
 
Eu não era peça do meio
Era só um patinho feio
Que inseriu-se naquele universo
De matiz pequeno burguês
E foi ficando, assimilando
Formando-se
E formou-se no contraditório
No doutrinário, no ideológico
Enquanto parcela que proclamara-se ativa
Nunca passou de festiva
Com seu amor individual…
Nulidades!
É cômodo o amor de varejo
Difícil é estendê-lo a toda humanidade.
 
Pois justo naquela noite
Do dito estado de graça
Regressando à morada da Lapa
Caí no ciclo da desgraça
Cercado por esbirros
Paisanos e fardados/DIV>

Formando sinistro aparato
Que logo algemaram-me
Encapuzaram-me, encarceraram-me
Com dimensão de horror
Aí o meu suplicio começou.
 
Interrogaram-me, seviciaram-me
Com choques elétricos
Torturaram-me à exaustão
Quando em convulsão
Contundi-me na saliência da mesa
Que apoiava-me a destreza
Dos meus torturadores
 
Meu sangue daí esvaído
Aos tarados não deixou comovidos
Estes queriam informações
E batiam-me ainda mais
Para que eu delatasse
O que não sabia a nível de Organização
Sua mentes doentias
Acusavam-me de partícipe
Em subversiva conspiração
 
Passei pelo inferno
Nas câmaras da ditadura
Onde por lá pereceram
Nobres e belas criaturas
Nas mãos dos algozes sádicos
Que hoje quão lamentável
Com proventos fantásticos
Esbanjam alegria
Incólumes permanecem
Garantidos pela ampla
Geral e irrestrita
Amnestia.