Centenário de Edmundo Moniz na ABI


14/12/2011


O centenário de nascimento do jornalista Edmundo Moniz foi homenageado nesta segunda-feira, dia 12, na abertura da reunião do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon), na Sala Belisário Souza, no 7º andar do edifício-sede da ABI. A mesa de honra foi formada por Maurício Azêdo, Presidente da ABI, Murilo Mello Filho, jornalista e membro da Academia Brasileira de Letras(ABL), Lincoln Penna, Presidente do Modecon, os atores Thaís Portinho, sobrinha do homenageado, e Joel Barcellos, e o jornalista Sérgio Caldieri, Primeiro Secretário do Conselho Deliberativo da ABI, autor do livro “Eternas Lutas de Edmundo Moniz”, lançado durante o evento.
 
Lincoln Penna iniciou a solenidade saudando a plateia e convidados e aplaudindo a trajetória de Edmundo Moniz. Em seguida, o Presidente do Modecon passou a palavra para Sérgio Caldieri:
—Estamos reunidos aqui para comemorar o centenário de Edmundo Moniz, que nasceu em 2 de novembro de 1911. Edmundo teve uma grande atuação aqui no Rio de Janeiro. Ele veio da Bahia aos 20 anos para estudar Direito e passou a vida toda no Rio, onde foi professor do Colégio Pedro II e começou a trabalhar em jornal. Em 1935, ao lado de Jorge Amado e Carlos Lacerda e Ivan Pedro Martins, organizou o I Congresso da Juventude Operária-Estudantil. Logo depois surgiram a União Nacional dos Estudantes(UNE) e outros movimentos. Edmundo foi precursor destes movimentos no Rio. Luiz Alberto Moniz Bandeira, sobrinho de Edmundo Moniz, mora atualmente na Alemanha. Ele não pôde comparecer, mas enviou uma mensagem homenageando a memória de Edmundo Moniz. Dei ao livro que estou lançando o título “Eternas Lutas de Edmundo Moniz” porque em todas as dedicatórias para os amigos ele costumava escrever “ao companheiro e amigo das eternas lutas”.
 
Na sequência, o acadêmico Murilo Melo Filho enalteceu a trajetória de Edmundo Moniz na imprensa e na história do País:
—Edmundo Moniz, aqui reverenciado, nasceu em Salvador há cem anos, no dia 2 de novembro de 1911, e morreu no Rio em 1997. Trata-se de um poeta um novelista, um ensaísta, um biógrafo, um teatrólogo e intelectual, que naquele tempo se chamava de esquerda. Tive a honra e a felicidade de pessoalmente conhecer Edmundo Moniz e de ser seu amigo e como jornalista nos tempos gloriosos do seu Correio da Manhã, quando foi um bravo lutador contra os militares ditatoriais do golpe de 64, ao lado de Paulo Bittencourt, Barbosa Lima Sobrinho, Costa Rego, Álvaro Lins, Márcio Moreira Alves, Antonio Callado, Carlos Heitor Cony, além de outros companheiros entre os quais Cícero Sandroni e Ana Maria Machado. Eles eram tão unidos entre si que ainda hoje restam versões e dúvidas sobre quem foi o autor, ou os autores, daqueles famosos editoriais do Correio da Manhã sobre os títulos “Fora!” e “Basta!” estampados na primeira página do jornal. Edmundo foi Conselheiro desta Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e pertenceu ao Instituto Histórico. Foi professor de História e Filosofia, e Secretário de Cultura do Governador Leonel Brizola. Era um homem limpo, coerente, honesto, correto e fiel às suas convicções ideológicas, pelas quais pagou um preço caríssimo, e que deixou grandes e imorredouras saudades.
 
Em seguida, o ator Joel Barcellos falou sobre a convivência com o jornalista, escritor e teatrólogo:
—Minha relação com Edmundo Moniz foi no Serviço Nacional do Teatro quando eu ainda era um menino, mais especificamente na inauguração do Teatro Nacional de Comédia(TNC), hoje Glauce Rocha. Encenamos o texto “Boca de Ouro, de Nélson Rodrigues, além de uma temporada em 1961. Edmundo Moniz é para mim um ídolo eterno.

Dando prosseguimento ao evento, Lincoln Penna passou a palavra para o Presidente Maurício Azêdo.
—Caro Professor Lincoln Penna, companheiros de mesa, especialmente este querido companheiro, o acadêmico Murilo Melo Filho; o ator Joel Barcelos, que muito nos impressionou pela sua trajetória artística no Brasil e no exterior, inclusive afirmando-se no cinema italiano como um dos atores preferidos de Bernardo Bertolucci; Sérgio Caldieri e Thaís Portinho. Ao contrário de Murilo e Caldieri, eu não tive o privilégio de conviver com o Professor Edmundo Moniz, como nós o tratávamos respeitosamente, não por apreço à idade dele, mas pelo que ele representava em termos de cultura, ele era uma enciclopédia ambulante sempre pronto a prestar informações e dar ensinamentos a quantos recorriam a sua sabedoria. Edmundo Moniz se afirmou no nosso meio profissional com essa equipe extraclasse mencionada por Murilo, a do Correio da Manhã dos anos 1960, e naquele fatídico 31 de março de 1964, em que teve atuação na suposição de que o golpe perpetrado contra o Presidente João Goulart teria o objetivo de restabelecer uma legalidade que eles supunham ameaçada pelo projeto reformista do Presidente João Goulart.
 
Maurício assinalou o papel de Edmundo Moniz no cenário político nacional:
—Este era o Edmundo Moniz que nós admirávamos à distância, no meu caso. Conhecíamos a sua trajetória de luta, de militante político com forte vínculo ideológico do qual nem todos nós concordávamos com a sua adesão ao trotskismo e a sua adoração por Mário Pedrosa, que era um dos símbolos do trotskismo no Brasil. Edmundo Moniz, no decorrer das décadas seguintes ao golpe, se firmou como o libertário que era desde a juventude e passou a ter uma atuação muito vigorosa, firme e até pedagógica junto ao Governador Leonel Brizola, que o respeitava demais e aos seus companheiros do PDT.
 
O posicionamento ideológico de Edmundo Moniz, destacou Maurício, não reduziu a relevância de sua trajetória política:
—Eu tive a oportunidade de assistir na ABI a um ato em homenagem aos 85 anos de Luís Carlos Prestes em que um dos oradores principais foi Edmundo Moniz. Entre Prestes e Edmundo Moniz havia uma abismo de referências ideológicas diferentes. Prestes era um bom stalinista enquanto Moniz era um bom trotskista, mas, mesmo assim, eles se respeitavam mutuamente. Em sua saudação a Prestes, Edmundo Moniz proferiu uma frase que correspondia a um enaltecimento extraordinário de Prestes. Quando alguns mencionavam a idade de Prestes de 85 anos como, talvez, um fator negativo, Edmundo Moniz disse que a idade de Prestes era a idade de suas idéias que permaneciam jovens por serem ideias de transformação e de progresso social. Neste momento em que se comemora, por iniciativa de nosso companheiro Sérgio Caldieri e dos companheiros do Modecon, à frente o Professor Lincoln Penna, a ABI se associa a esta homenagem porque está certa de que os aqui presentes estão cultuando um homem que merece o nosso respeito e o nosso carinho pela sua devoção à ideia de progresso social e de liberdade.
 
Antes de encerrar a cerimônia, Lincoln Penna falou sobre a tradição do Modecon em celebrar a vida e a obra de grandes personalidades brasileiras:
—Com esta homenagem ao jornalista Edmundo Moniz, completamos neste ano um ciclo de celebração a personalidades que continuam vivas em nossa memória e em nossos corações como o Brigadeiro Francisco Teixeira, aqui representado por Iracema Teixeira, o jornalista Raul Riff, o historiador Nelson Werneck Sodré, o ator e escritor Mário Lago e o grande combatente Carlos Mariguella. Em nome do Modecon e dos brasileiros que ainda acreditam na transformação como verdadeiro caminho para a sociedade brasileira, eu gostaria de dizer que com o pouco que conheci de Edmundo Moniz, na Rua Jangadeiros, em conversas com ele e com Moniz Bandeira, surgiram perspectivas na minha vida. Eu ainda era estudante nesta época. Lembro que após o golpe, Edmundo Moniz disse uma frase que eu nunca mais esqueci: “O pior não é a derrota política, mas sim que ela se transforme na derrota das nossas idéias.”. É importante lembramos sempre do exemplo destas pessoas para que nossas idéias nunca morram e para que possamos construir uma sociedade mais fraterna e igualitária.
 
Legado B>
 
Após o evento, dezenas de pessoas prestigiaram a tarde de autógrafos do jornalista Sérgio Caldieri, que contou como surgiu a ideia de escrever o livro:
—Fui assessor de imprensa de Edmundo Moniz. Ele gostava de contar muitas histórias sobre vários assuntos. Sempre pensei em gravá-las para um dia publicar seus pensamentos e suas ideias. Depois que ele morreu, comecei a juntar seus trabalhos e lembrar das suas histórias, pois ele foi uma pessoa importante tanto na política e na cultura brasileira. Há três anos lembrei que o centenário de seu nascimento seria comemorado em 2/11/2011. Comecei a escrever juntando alguns trabalhos dele e de  outras pessoas que escreveram sobre Edmundo, como também suas entrevistas e depoimentos.
 
Caldieri lembra que uma parte do material para a pesquisa já estava arquivada:
—Eu reuni algumas resenhas dos seus 16 livros publicados, entrevistas, depoimentos, catálogos das peças teatrais da época em que ele dirigiu o SNT, entre 1959 e 1961. Mas a maior pesquisa foi quando comecei a caçar os bandeirantes nos 15 volumes do Dicionário Delta Larrousse nas 7.178 páginas e achei mais de 250 bandeirantes e sertanistas. Era para contar por que os paulistas odeiam Getúlio Vargas, pois no Estado não existe o nome do ex-presidente, mas suas rodovias estão todas homenageadas pelos bandeirantes assassinos de índios: Rodovias Raposo Tavares, Anhanguera, Pedro Taques, Fernão Dias e dos Bandeirantes. Não tive dificuldades, pois já estava guardando há anos. Tentei na Biblioteca Nacional ver os artigos de Edmundo Moniz no Correio da Manhã que ele escrevia todos os domingos. Segundo seu sobrinho Moniz Bandeira, Edmundo escreveu uma sequência de artigos contra a candidatura do general Juarez Távora, em 1955, que foram arrasadores e eram fundamentados em fatos incontestáveis. Mas com a burocracia da Biblioteca, acabei desistindo.
 
Para conhecer detalhes importantes sobre a trajetória de Edmundo Moniz, o autor recorreu a escritores, jornalistas e intelectuais brasileiros:
—Eu tinha artigos de Arthur Poerner, Hélio Fernandes, Mário Augusto Jakobskind, Nelson Werneck Sodré, Paulo Francis, Cursino Raposo, José Louzeiro, Carlos Heitor Cony e  Raquel de Queiróz. Consegui depoimentos de Murilo Mello Filho, Sergio Paulo Rouanet, Wilson Fadul, Eduardo Chuhay, Miguel Borges, Vanja Orico, Ivan Cavalcanti Proença, Alaíde Pereira Nunes e Rose Marie Muraro.
 
Entre uma infinidade de adjetivos, a postura discreta e o amor ao teatro eram características marcantes da personalidade de Edumndo Moniz, recorda Caldieri:
—Edmundo é descente das famílias mais tradicionais de Bahia: Moniz, Ferrão, Sodré, Bulcão, Bandeira, Vianna e Pires de Albuquerque. Seu pai, Antonio Moniz, foi deputado e governador da Bahia, em 1910. Com toda esta tradição, Edmundo Moniz era uma pessoa muito simples, discreto, educadíssimo que chegava na Secretaria de Cultura, cumprimentava todos os funcionários e nunca foi um deslumbrado com o poder. Tanto que quando Juscelino Kubistchek foi presidente, ofereceu para Edmundo Moniz um alto cargo nas Embaixadas do Brasil, em Roma, Londres, Paris, Lisboa, Berlim, mas Edmundo preferiu ficar no Rio de Janeiro  dirigindo o SNT, que é o que ele mais gostava de fazer.
 
Edmundo Moniz deixou como grande legado para a sociedade brasileira seus valores e sua obra, especialmente para os jovens que optarem pela carreira na imprensa, analisa Caldieri:
—As novas gerações de jornalistas deveriam seguir o exemplo de Edmundo Moniz, que passava as tardes até altas horas da madrugada lendo e pesquisando na sua biblioteca de 25 mil volumes. O líder comunista Luiz Carlos Prestes me disse o seguinte certa vez: “Edmundo Moniz é o maior teórico marxista da América Latina. Edmundo comprou um apartamento em Copacabana para guardar seus livros.” Edmundo deixa um grande exemplo de dignidade, credibilidade e profissionalismo ao jornalismo brasileiro.
Para a história do País são os seus livros sobre a Guerra de Canudos, “Originalidade das Revoluções” e “O Espírito das Épocas”, como também as peças teatrais encenadas quando dirigiu o Serviço Nacional do Teatro, nos governos dos ex-presidentes Juscelino Kubistchek e João Goulart.
 
Veja abaixo a íntegra do texto escrito pelo acadêmico Murilo Mello Filho
 
“Peço-lhes alguns minutos para falar um pouco sobre este admirável intelectual baiano chamado Edmundo Moniz, aqui reverenciado, que nasceu em Salvador justamente há cem anos, no dia 2 de novembro de 1911, e que morreu no Rio em 1997. Trata-se de um poeta um novelista, um ensaísta, um biógrafo, um teatrólogo e intelectual, que naquele tempo se chamava de esquerda, pertencente à família de Hélio, de Heitor e de Niomar Moniz Sodré, proprietária do Correio da Manhã. Seu pai, Antônio Muniz Sodré de Aragão foi Governador da Bahia em 1916.
 
Muito jovem, aos 19 anos, Edmundo já participava de movimentos estudantis organizando o I Congresso Operário, uma espécie de precursor da Aliança Nacional Libertadora (ANL), de Luís Carlos Prestes, de Jorge Amado, e de Carlos Lacerda, lançada em 1935, no Teatro Carlos Gomes.
 
Participou das revistas Carioca e Vamos Ler, e foi um dos diretores do jornal Vanguarda Socialista. Entre vários ensaios e peças teatrais, Edmundo escreveu um alentado estudo sobre a Guerra de Canudos, no qual apresenta Antônio Conselheiro, senhor de um pensamento teológico, ortodoxo e conservador, positivo, tranqüilizador e amoroso, como um reformador político, leitor de Thomas Morus e adepto do socialismo utópico com projeto consciente de reforma da estrutura feudal do Nordeste. Edmundo investiu contra o livro “A Guerra do Fim do Mundo” sobre Canudos, escrito por Mario Vargas Llosa, considerando-o uma das maiores falsificações de todos os tempos.
 
Edmundo tinha antigas e tradicionais ligações com a IV Internacional Socialista e com o escritor brasileiro Mário Pedrosa, sendo seu discípulo e transformando-se em um dos poucos trotskistas brasileiros, inimigo rancoroso da União Soviética e seu stalinismo. Pagou o devido preço por esta leal e intransigente fidelidade a Trotsky e foi um dos muitos exilados pelos militares brasileiros, aos quais respondia aos interrogatórios dizendo o seguinte: “Podem acusar-me de comunista e de subversivo, mas jamais me acusarão de corrupto.”
 
Tive a honra e a felicidade de pessoalmente conhecer Edmundo Moniz e de ser seu amigo e como jornalista nos tempos gloriosos do seu Correio da Manhã, quando foi um bravo lutador contra os militares ditatoriais do golpe de 64, ao lado de Paulo Bittencourt, Barbosa Lima Sobrinho, Costa Rego, Álvaro Lins, Márcio Moreira Alves, Antonio Callado, Carlos Heitor Cony, além de outros companheiros entre os quais Cícero Sandroni e Ana Maria Machado. Eles eram tão unidos entre si que ainda hoje restam versões e dúvidas sobre quem foi o autor, ou os autores, daqueles famosos editoriais do Correio da Manhã sobre os títulos “Fora!” e “Basta!” estampados na primeira página do jornal.
 
Em 1968, mesmo antes do AI-5, Edmundo foi envolvido em um processo na Justiça Militar acusado de ser membro da organização resistência armada socialista. O processo lhe custaria um período no exílio no México, na França, na Argélia, no Uruguai e na Argentina, durante sete anos, de 1969 a 1976, quando retornou ao Brasil e encontrou sua casa revolvida pela polícia política, com o desaparecimento de várias cartas por ele recebidas de Brizola, Darcy Ribeiro, Jango e Juscelino.
 
No Governo de JK Edmundo havia criado o Serviço Nacional do Teatro, onde trabalhou, entre outros, com o acadêmico Sábato Magaldi, e criou também o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), com os grandes atores Rodolfo Maia, Jaime Costa, Ziembinski, Sérgio Cardoso, Procópio Ferreira, Paulo Autran, além das inesquecíveis atrizes Henriette Morineau, Maria Della Costa, Cacilda Becker, Tônia Carrero e Fernanda Montenegro na representação de brilhantes teatrólogos como os acadêmicos Viriato Correia, Joracy Camargo, Antonio Callado, Dias Gomes, Raquel do Queiroz e Raimundo Magalhães Júnior, além de Paschoal Carlos Magno, Nélson Rodrigues, Ernani Fornari e Oduvaldo Vianna.
 
Edmundo foi Conselheiro desta Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e pertenceu ao Instituto Histórico. Foi professor de História e Filosofia, e Secretário de Cultura do Governador Leonel Brizola.
 
Em 1992, se candidatou à cadeira número 11 da Academia Brasileira de Letras (ABL), da qual hoje sou membro, em eleições das quais saiu eleito o acadêmico Darcy Ribeiro. Escreveu para a Coleção Francisco Alves um livro sobre o editor Francisco Alves de Oliveira, grande benemérito e grande mecenas da nossa Academia.
 
Edmundo morou em Ipanema, mas teve de alugar um apartamento em Copacabana para abrigar sua biblioteca de 30 mil volumes com obras de Lênin, Marx, Engels. Esses livros estão reunidos há algum tempo na biblioteca que tomou o nome de Edmundo Moniz, localizada nos segundo e terceiro andares da rua São José, 50, junto com o acervo da Funarte. Segundo Sérgio Caldieri, aqui presente, esses livros valem hoje uma pequena fortuna.
 
Concluo dizendo que Edmundo Moniz era um homem limpo, coerente, honesto, correto e fiel às suas convicções ideológicas, pelas quais pagou um preço caríssimo, e que deixou grandes e imorredouras saudades.

Murilo Mello Filho.”

 
Veja abaixo a íntegra do texto enviado por Luiz Alberto Moniz Bandeira:
 
“Homenagem à memória de Edmundo Moniz”
 
St. Leon, 11 de dezembro de 2011
 
Luiz Alberto Moniz Bandeira
 
Devido à distância entre a Alemanha, onde moro, e o Brasil, e à precariedade de minha saúde, não posso estar presente, em pessoa, a esta homenagem a Edmundo Moniz no ano do seu centenário. Cá estou, porém, representado pelo jornalista Sérgio Caldieri, que foi amigo e assessor de imprensa de Edmundo, na Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro, e por minha prima querida, a atriz Thaís Moniz Portinho, filha de minha tia Norma Moniz de Aragão, irmã de Edmundo, uma notável mulher que sempre estimei e admirei pela sua inteligência e combatividade política, sendo uma das precursoras do feminismo no Brasil, nos anos 1930, quando estudava na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro.
 
Edmundo foi para mim como um segundo pai, meu pai intelectual, meu mestre, que tomei como exemplo a seguir, desde minha adolescência, e ele muito contribuiu para a minha formação cultural, política, filosófica e ideológica. Li aos 15 anos de idade, logo que publicada sua primeira edição, “O Espírito das Épocas”, no qual Edmundo tratou de demonstrar que as obras dos notáveis poetas e escritores, de Dante a Anatole France, sempre refletiram o desenvolvimento econômico e social da humanidade, o espírito universal das épocas em que viveram. Esse livro, que ele me levou para a Bahia, muito me influenciou e influiu na minha formação cultural e literária. Assim ainda adolescente, tornei-me seu discípulo. E, desde então, Edmundo foi, para mim, como um “praeceptor”. Quando voltei da Europa, em 1978, ao dar-me um exemplar de sua importante obra – “A Guerra Social de Canudos”- ele escreveu, na dedicatória que era uma “recordação de tantos anos de convívio e de amizade, com a mesma afinidade de idéias.” Sim, convivi com Edmundo durante quase toda a minha existência, e tínhamos real e forte afinidade de idéias, pois muito do que aprendi foi ele que me ensinou, levando-me a ler Freud, Marx, Trotsky, Hegel, Kirkgaard, Anatole France e muitos outros autores, na minha juventude.
 
Também com Edmundo aprendi a arte do esgrima n polêmica. Sua sequência de artigos, no Correio da Manhã, contra a candidatura do general Juarez Távora, antagonista de Juscelino Kubitschek, na campanha presidencial de 1955, foram arrasadores, porque fundamentados em fatos incontestáveis. Sim, Edmundo sempre ressaltou, para mim, que “as palavras são mudam a realidade dos fatos”. Os fatos valem mais do que quaisquer palavras, do que quaisquer adjetivos, convencem mais do que qualquer retórica.
 
Eu o vi, pela última vez, em março de 1996, antes de embarcar para a Alemanha, aonde vinha morar, depois de aposentado como professor titular da Universidade de Brasília. E ele, enfermo, no leito de seu apartamento, me disse, com lágrimas nos olhos: “Luiz Alberto, minha vida está chegando ao fim”. Chorei, mas retruquei:”Não Edmundo, você ainda vai viver muito”. Ele era um homem que amava a vida, sempre a combater em suas “eternas lutas” pela democracia e o socialismo, contra o stalinismo, contra todo e qualquer totalitarismo, contra todo e qualquer fundamentalismo político ou religioso. Edmundo era, sobretudo, um humanista, pluralista e a tolerância e a bondade foram marcas essenciais de sua personalidade.
 
Edmundo faleceu em janeiro em 1997. Eu estava na Alemanha e não contive os prantos, quando soube. Fui seu discípulo, do que muito me orgulho e me honro, e estava a perder um pai, que partiu para “the undiscover’d country from whose bourn no travelle returns”(Shakespeare, Hamlet, Act 3, Scene 1), i.e., para o país não descoberto, do qual nenhum viajante retorne. Porém, Edmundo continua a viver na minha recordação, recordação que guardo acesa e não se apaga, e a ele, meu tio, meu pai intelectual, meu mestre e meu amigo, tributo, com fortes dores da saudade, a mais profunda gratidão e toda a minha reverência à sua memória, a memória do grande homem que foi, como filósofo, jornalista, professor, escritor, homem com vasta e sólida cultura, enorme poder intelectual, de caráter íntegro, com a maior pureza moral e dignidade humana.
 
Que Edmundo sempre viva na lembrança de todos nós e tenha seu nome gravado no Pantheon dos grandes intelectuais brasileiros.”