Argentina condena quatro ex-militares à prisão perpétua pelos ‘voos da morte’


05/07/2022


A Justiça da Argentina condenou na segunda-feira (4) quatro ex-militares da Força Aérea à prisão perpétua, no julgamento dos chamados Voos da Morte ocorridos durante a ditadura militar, de 1976 a 1983, em que pelo menos 6 mil presos políticos foram jogados no mar. Em decisão histórica, o Tribunal Federal Oral 2 de San Martín considerou comprovada a existência dos voos, como um mecanismo de extermínio implementado pelo Exército durante a ditadura. Os corpos eram jogados a partir do aeródromo militar de Campo de Mayo, o maior da Argentina, localizado nos arredores de Buenos Aires.

“Este é o primeiro julgamento dos voos da morte nas Forças Armadas. Durante o debate foi possível comprovar, por meio de depoimentos de ex-recrutas, o funcionamento desse maquinário planejado e sistemático que serviu para fazer desaparecer e eliminar milhares de pessoas” , disse em nota a Secretaria de Direitos Humanos.

No processo, de iniciativa da secretaria, foram investigados os crimes contra quatro pessoas sequestradas, cujos corpos apareceram na costa de Buenos Aires. Os militares — o ex-comandante dos Institutos Militares, Santiago Omar Riveros, o ex-comandante do Batalhão de Aviação 601, Luis del Valle Arce, e outros dois oficiais desse batalhão, Delsis Malacalza e Eduardo Lance — foram condenados pelos crimes de privação ilegal de liberdade, tortura e homicídio contra quatro vítimas.

Os quatro estudantes foram sequestrados e mantidos em cativeiro no Campo de Mayo, e seus corpos apareceram nas costas de Magdalena, Punta Indio e Las Toninas, na província de Buenos Aires.

A principal fonte para reconstruir o ocorrido foram ex-recrutas, ou seja, jovens que cumpriram o serviço militar obrigatório no Campo de Mayo entre 1976 e 1977. Alguns deles relataram ter encontrado pertences de detidos perto da pista de decolagem dos aviões, enquanto outros encontraram frascos de Ketalar, a droga usada para entorpecer antes da viagem. Como regra, havia pelo menos um voo da morte por semana.

Segundo seus depoimentos, citados pelo jornal Pagina 12, o destino comum dos voos foi Punta Indio, quase 150 quilômetros ao sul de Buenos Aires, na foz do Rio da Prata.

O julgamento começou em 2020 e seu processo tem sido muito complexo não apenas por causa da pandemia, mas também pelos fatos julgados. Como ninguém sobreviveu aos voos da morte, não há testemunhas diretas e quase nenhum militar, exceto Adolfo Scilingo e Víctor Ibáñez, confessou que sabia de sua existência ou participou deles.

Os juízes solicitaram a realização de exames médicos para determinar se os três integrantes do batalhão podem cumprir pena em cadeia comum —atualmente estão em prisão domiciliar. Além disso, o tribunal pediu o aprofundamento da investigação sobre quem atuou como pilotos e copilotos dos voos da morte. Com a condenação desta segunda-feira, Riveros, supervisor do Campo de Mayo, já acumula 16 penas de prisão perpétua.