Caravana anistia filho de Betinho


09/10/2012


A 62ª edição do projeto Caravanas da Anistia foi realizada nesta segunda-feira, dia 8, às 16h, no Armazém da Utopia, na Zona Portuária do Rio de Janeiro, dentro da programação do Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro. A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça julgou os requerimentos de Daniel Carvalho de Souza, filho de Herbert de Souza, o Betinho; Maria Célia de Melo Lundberg e Maria Cristina da Costa Lyra.
 
Na ocasião foi lançado o documentário “Eu Me Lembro”, dirigido por Luiz Fernando Lobo, e produzido por Tuca Moraes, sobre as ações do projeto Caravanas da Anistia nos últimos cinco anos. O documentário mostra como a luta contra a ditadura atravessou gerações e ainda é latente, não se restringindo ao passado e ao esquecimento.
 
Paulo Abrão, Presidente da Comissão de Anistia e Secretário Nacional de Justiça, Valquíria Barbosa, diretora da Festival do Rio, e Luiz Fernando Lobo, que presidente o Instituto Ensaio Aberto,  formaram a primeira mesa do evento.
 
Valquíria Barbosa e Luiz Fernando Lobo agradeceram a oportunidade de sediar a 62ª Caravana da Anistia no âmbito de debates e atividades promovidos pelo Festival do Rio. Disse Valquíria que um país que se pretende forte, precisa preservar a propriedade intelectual, bem maior daqueles que trabalham com a cultura.
—Militei durante muitos anos na época da ditadura e reconheço vários companheiros na plateia. No Festival do Rio não fazemos apenas cinema de entretenimento, mas sim um espaço de discussão em torno da liberdade de expressão e da democracia no Brasil e no mundo.
 
Paulo Abrão saudou os membros da mesa e os presentes e destacou a oportunidade de realizar a Caravana da Anistia no Festival do Rio como forma de confrontar o processo de invisibilidade das vítimas da ditadura e empoderar a sociedade na luta contra o esquecimento.
—Durante muitos anos, e de modo autoritário, se pretendeu impor o esquecimento à sociedade brasileira sobre as graves violações aos direitos humanos. Essa luta em favor da construção da verdade, do reconhecimento da memória enquanto elemento constitutivo da nacionalidade do povo brasileiro é a luta pelas liberdades e a democracia. Considero o Armazém da Utopia um espaço de resistência dentro da cidade do Rio de Janeiro. A ditadura não sabe conviver com o mundo das artes, da cultura e da criatividade.
 
O Secretário Nacional de Justiça ressaltou o empenho da Caravana da Anistia em construir “a ideia de que o brasileiro, a despeito de trabalhos reconhecidos de muitos antropólogos, não é apenas um homem cordial, um homem ou uma mulher do jeitinho, mas um homem e uma mulher que sabe resistir e lutar contra um ambiente ditatorial capaz de destruir os nossos irmãos.” 

Violência

Os Conselheiros da Comissão da Anistia Marina da Silva Steimbruch, Luciana da Silva Garcia, Carolina de Campos Melo, Prudente Melo, Carol Proner deram início ao julgamento dos três requerimentos. O primeiro caso a ser analisado foi o de Maria Célia de Melo Lundberg, graduada em Educação Física em 1966 e em Geografia em 1971, pela Universidade Católica de Minas Gerais.
 
Maria Célia trabalhou como professora no município de Sabará. Militante da Aliança Libertadora Nacional (ALN), foi presa em Belo Horizonte, em 7 de janeiro de 1971, juntamente com seu irmão Hervê Mello. Na prisão sofreu torturas e violências sexuais praticadas por agentes do Estado. Buscou exílio na Suécia e não retornou ao Brasil. Atualmente reside em Lund, Ejdervagen, Suécia. Aspira, com o eventual deferimento da anistia, voltar a viver no Brasil.
 
Muito emocionada, Maria Célia falou sobre os momentos dramáticos que enfrentou ao longo de quatro décadas:
—Difícil é descrever o que senti nesses últimos dias antes de chegar da Suécia. É como um turbilhão de sentimentos e idéias confusas. Uma ferida aberta e profunda. O que mais fiz na vida foi tentar esquecer, mas as memórias voltam e me colocam cara a cara com o sofrimento do passado, que deixou marcas principalmente no corpo, mas também na alma.
 
Maria Célia conta que em 1971 foi presa, torturada e violentada por seu vínculo com a Ação Libertadora Nacional(ALN).
—Nunca participei de ações armadas, mas sim dando aulas de alfabetização para adultos em Belo Horizonte. Vivi longe de minha família na condição de exilada, primeiro no Chile, depois na Suécia, enfrentando uma sociedade, língua e costumes diferentes. Fiquei impedida de manter contato e dar notícias sobre as amarguras, as tristezas e as angústias de uma exilada. Perdi meu referencial e os anos de estudo e de trabalho no Brasil foram deixados para trás.
 
A brutalidade da tortura afetou gravemente a saúde de Maria Célia, que ainda hoje sofre as seqüelas:
—Por todo esse tempo lutei imensamente com problemas de saúde que tinha e ainda tenho em conseqüência da tortura. Lembro-me ainda quando um médico sueco, após um longo tratamento ginecológico ao qual fui submetida, diagnosticou que eu provavelmente nunca poderia ter filhos por causa das seqüelas do estupro na prisão, que resultou em um aborto espontâneo e difícil. Mas, casada com o sueco Lundberg tive dois filhos e hoje sou avó. Tenho uma netinha.
 
Por insistência de amigos e da família, Maria Célia deu entrada no requerimento para a anistia:
—Estes terroristas, torturadores da ditadura continuaram a receber os seus salários sem ter de apresentar pedido ou requerimento. Nunca precisaram ser julgados pelas torturas físicas e psíquicas que praticaram contra tantos brasileiros jovens e velhos, cujo único ideal era o sonho de fazer um Brasil livre, democrático e justo, onde o direito da expressão livre seria o direito do cidadão. O criminosos  precisam ser punidos, mas não com a mesma desumanidade que impuseram a nós, e sim dentro dos direitos humanos.
 
Suicídio
 
O segundo requerimento analisado pela Comissão de Anistia foi o de Maria Cristina da Costa Lyra, que participou do movimento estudantil em Brasília e militou no Rio de Janeiro junto ao Partido Revolucionário dos Trabalhadores. Na época a jovem foi designada a trabalhar como operária, sendo presa em 1970 e monitorada pelas agências de informação durante o regime militar. Tentou suicídio duas vezes em função do trauma provocado pelas violentas sessões de tortura. Entre lágrimas, Maria Cristina falou sobre o período.
—Pertenço a uma geração que sonhou com um mundo melhor e lutou de diferentes maneiras por uma sociedade justa, igualitária, um Brasil democrático. Essa luta, para muitos de nós, culminou na prisão onde conhecemos a crueldade, a brutalidade, a tortura. Um jogo perverso no qual nem sempre soubemos agir com a astúcia necessária. Muitas vezes, diante das armadilhas, oscilamos entre a astúcia e a ingenuidade. Muitas vezes fomos coagidos a agir contra as nossas vontades ao sermos colocados diante de cruéis escolhas de Sofia.
 
Citando a escritora Clarice Lispector, Maria Cristina ressaltou a importância do espírito de solidariedade que a incentivou a prosseguir, apesar do sofrimento:
—A dor física foi ultrapassada por uma grande dor moral que acompanhou alguns de nós por toda a vida. Mas, apesar de todos os infortúnios, vivemos, muitos de nós, momentos de grande esperança e motivo de celebração ao encontrarmos, até no ambiente hostil do cárcere, seres capazes de exercer a solidariedade, a bondade, a compaixão, o amor ao próximo. Até mesmo através de uma palavra, um gesto, um olhar que nos deram força, que nos prestaram socorro. Como disse Clarice Lispector, talvez seja uma das experiências humanas das mais importantes: a de pedir socorro e, por pura bondade e compreensão do outro, este socorro ser dado.
 
No final de seu depoimento, Maria Cristina homenageou as pessoas que a acolheram nos momentos de dor:
—Quero expressar minha gratidão a todos que me socorreram, que me deram alento e esperança e fortaleceram a minha vontade de viver, em especial aos médicos do Hospital Souza Aguiar que me atenderam, as enfermeiras do Hospital Central do Exército, que cuidaram de mim e contaram histórias para eu dormir. As minhas queridas companheiras do hospital-prisão que me deram tanto amparo, força e alegria: Abigail Paranhos (in memoriam), Maria Dalva Leite de Castro, Regina Maria Toscano e muito especialmente ao Dr. José Luis Campinho Pereira(in memoriam), e ao capitão Moraes, que souberam ouvir os pedidos de socorro daquela garota de 19 anos, e, por pura bondade, compreensão e compaixão, estenderam a mão. A eles, a minha mais profunda gratidão.
 
Betinho
 
O terceiro e último julgamento da 62ª Caravana da Anistia foi o de Daniel Carvalho de Souza, filho de Irles Carvalho e Herbert José de Souza, o Betinho, irmão do cartunista Henfil. Nascido em São Paulo, em 23 de outubro de 1965, Daniel exilou-se com os pais em Cuba, em 1968. Voltou ao Brasil em 1969 na clandestinidade sem contato com familiares e amigos. Até os cinco anos de idade usou o nome falso de Mariano. Aos seis anos, seguiu com a mãe para o Chile, onde permaneceu durante 28 dias e, em seguida, partiu para a Suécia. O retorno ao Brasil aconteceu em 1979, após a anistia.
 
Daniel passou a infância e parte da juventude na clandestinidade em função da perseguição política a seus pais, já anistiados pela Comissão do Ministério da Justiça.
 
Paulo Abrão grifou que a concessão de anistia aos filhos dos perseguidos se justifica por eles também enfrentarem situações de privação de seus direitos fundamentais.
 
Daniel recordou a angústia dos 15 anos vividos na clandestinidade e a ausência de perspectiva em relação ao futuro:
—O meu caso é muito diferente dos dois anteriores apreciados nesta sessão. Na condição de filho de exilado a gente não tem muita história. Vamos aonde os pais nos levam. Vivíamos na clandestinidade com nome falso. Eu não sabia os nomes certos da minha mãe e do meu pai e também não sabia que o meu nome era falso. Passei o tempo todo mudando de casa, de escola, de amigo. A única certeza era de que algum dia, independente de onde eu estivesse, teria de sair dali.
 
Apesar de viver em outros países, a família Souza cultivava laços estreitos com o Brasil:
—Mantínhamos uma relação muito forte com a música brasileira, a culinária brasileira. Quando chegava feijão preto na Europa, saía logo uma feijoada. Quando Chico Buarque lançava um novo disco, era enviado para nós. É uma situação na qual você que estar e não pode, não cria raízes, não cria vínculos, não cria nada. Você tem apenas uma mala pronta para sair dali a qualquer momento.
 
O retorno ao Brasil foi uma experiência marcada pelo reaprendizado, descreve Daniel:
—Quando voltei ao Brasil em 1979, tirei nota 10 nas provas de inglês e matemática e nota zero nas provas de português, história e geografia. Você precisa reaprender a viver. Se hoje eu trabalho em Comunicação é por conta desta educação diferenciada, baseada na luta pelo Brasil, que hoje em dia, com a Comissão de Anistia, está reescrevendo a sua história da forma correta, sem deixar o passado cair no esquecimento.
 
Documentário
 
Logo após a sessão da Caravana da Anistia, o público foi convidado a participar do lançamento de “Eu me lembro”, que apresenta a luta dos perseguidos políticos por reparação, memória, verdade e justiça através de entrevistas, imagens de arquivo da Comissão da Anistia do Ministério da Justiça, incluindo julgamentos de processos de anistia, como os de Glauber Rocha, José Celso Martinez e Carlos Marighella, além de acervos pessoais.
 
O documentário recebeu recursos da primeira chamada pública do projeto Marcas da Memória, que reúne depoimentos, sistematiza informações, fomenta e financia ações culturais relacionadas à anistia, como exposições e documentários.
 
Produzido pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP) do Rio de Janeiro, o projeto foi produzido entre 2010 e 2012. 
 
 
Leia a íntegra do depoimento de Maria Célia de Melo Lundberg:
 
“Difícil é descrever o que senti nesses últimos dias antes de chegar da Suécia. É como um turbilhão de sentimentos e idéias confusas. Uma ferida aberta e profunda. O que mais fiz na vida foi tentar esquecer, mas as memórias voltam e me colocam cara a cara com o sofrimento do passado, que deixou marcas principalmente no corpo, mas também na alma. 

Em 1971 fui presa, muito torturada e violentada. Minha atividade foi pertencer à ALN. Nunca participei de ações armadas, mas sim dando aula de alfabetização para adultos analfabetos em Belo Horizonte. Depois tive uma trajetória difícil. Viver longe da família como exilada, primeiro no Chile, depois na Suécia, enfrentando uma sociedade, língua e costumes diferentes. 

Como venho de uma família muito unida do interior mineiro, fiquei impedida de manter contato e dar notícias sobre as amarguras, as tristezas e as angústias de uma exilada. Vivi em um desafio e, como muitos outros brasileiros exilados, tive de refazer toda a minha vida. Perdi meu referencial e os anos de estudo e de trabalho no Brasil foram deixados para trás. Sem nada a fazer e sem nada a ser aproveitado. 

Por todo esse tempo lutei imensamente com problemas de saúde que tinha e ainda tenho em conseqüência da tortura. Lembro-me ainda quando um médico sueco, após um longo tratamento ginecológico ao qual fui submetida, explicou-me que eu provavelmente nunca poderia ter filhos por causa das seqüelas do estupro na prisão, que resultou em um aborto espontâneo e difícil. Mas, casada com o sueco Lundberg, depois de vários anos, um milagre aconteceu: descobri que estava grávida. Tivemos dois filhos e hoje sou avó. Tenho uma netinha. 

De muitas formas tenho me realizado na Suécia, embora tenha sido um caminho de muita luta constante e dura. No entanto, sinto que não pude fechar o capítulo da tortura e da repressão. Aqui volto porque quero e espero fechar este capítulo doloroso para mim e minha família, que também sofreu com o que aconteceu comigo. Meu irmão, Hervê, aqui presente, foi torturado e eu ouvi os seus gritos. Eu era retirada da pequena cela onde estava para o quarto de trabalho dos policiais onde presenciei nomes como o de Dan Mitrione, que foi para o Uruguai, provavelmente com as mesmas incumbências de tortura. 

Quero sentir-me, juntamente com meus filhos e com meu marido, livre e sem medo de sentir represálias ao chegar e morar no Brasil. O reconhecimento do Estado pelos crimes cometidos durante a ditadura é importante para mim. Por insistência de amigos e de minha família brasileira e sueca entrei com este processo. Na realidade, originalmente, eu não queria remexer neste assunto, pois as recordações me reabrem a chaga profunda do mal que fizeram a mim. Nenhuma indenização pode ressarcir nem uma fração milésima do mal do terrorismo que o Estado brasileiro causou a mim e a muitos brasileiros, uns que até mesmo foram mortos. 

Esses terroristas, torturadores da ditadura continuaram a receber os seus salários sem ter que apresentar pedido ou requerimento para isso. Nunca precisaram ser julgados pelas torturas físicas e psíquicas que praticaram contra tantos brasileiros jovens e velhos, cujo único ideal era o sonho de fazer um Brasil livre, democrático e justo, onde o direito da expressão livre seria o direito do cidadão. Muitos desses criminosos foram promovidos e até hoje continuam vivendo com suas regalias, suas mordomias. 

Espero que a tortura física ou psíquica nunca, jamais seja usada contra nenhum brasileiro ou qualquer ser humano, independente de sua religião, grupo étnico ou ideal político. Assim, para que a justiça seja feita, não podemos esquecer que esses criminosos precisam ser punidos, mas não com a mesma moeda, não com a mesma desumanidade que impuseram a nós, mas punidos e castigados dentro dos direitos humanos.”

 
 
Leia a íntegra do depoimento de Maria Cristina da Costa Lyra:
 
“Pertenço a uma geração que sonhou com um mundo melhor e lutou de diferentes maneiras por uma sociedade justa , igualitária, um Brasil democrático. Essa luta para muitos de nós culminou na prisão onde conhecemos a crueldade, a brutalidade, a tortura. Um jogo perverso e nem sempre soubemos agir com a astúcia necessária. Muitas vezes, diante das armadilhas, oscilamos entre a astúcia e a ingenuidade. Muitas vezes fomos coagidos a agir contra as nossas vontades ao sermos colocados diante de cruéis escolhas de Sofia. A dor física foi, então, ultrapassada por uma grande dor moral que acompanhou alguns de nós por toda a vida. 

Mas, apesar de todos os infortúnios, vivemos, muitos de nós, momentos de grande esperança e motivo de celebração ao encontrarmos, até no ambiente hostil do cárcere, seres capazes de exercer a solidariedade, a bondade, a compaixão, o amor ao próximo. Até mesmo através de uma palavra, um gesto, um olhar que nos deram força, que nos prestaram socorro. Como disse Clarice Lispector, talvez seja uma das experiências humanas das mais importantes: a de pedir socorro e, por pura bondade e compreensão do outro, este socorro ser dado. Talvez possa valer a pena ter nascido para que um dia mudamente se implore e mudamente se receba. 

Quero expressar minha gratidão a todos aqueles que me socorreram, me deram alento e esperança, fortaleceram a minha vontade de viver, em especial aos médicos do Hospital Souza Aguiar que me atenderam, as enfermeiras do Hospital Central do Exército, que cuidaram de mim e contaram histórias para eu dormir. As minhas queridas companheiras do hospital-prisão que me deram tanto amparo, força e alegria: Abigail Paranhos (in memoriam), Maria Dalva Leite de Castro, Regina Maria Toscano e muito especialmente ao Dr. José Luis Campinho Pereira(in memoriam), e ao capitão Moraes, que souberam ouvir os pedidos de socorro daquela garota de 19 anos, e, por pura bondade, compreensão e compaixão, estenderam a mão. A eles a minha mais profunda gratidão.”

 
 
Leia a íntegra do depoimento de Daniel Carvalho de Souza
 
“O meu caso é muito diferente e, digamos, mais leve em relação aos dois anteriores apreciados nesta sessão. Na condição de filho de exilado a gente não tem muita história. Vamos aonde os pais vão. Vivíamos na clandestinidade, com nome falso. Eu não sabia o nome certo da minha mãe e do meu pai. E não sabia que o meu nome era falso. 

Passei o tempo todo mudando de casa, de escola, de amigo. Era uma época em que não havia Twitter e Facebook. Você simplesmente deixava para trás um pequeno universo e seguia adiante. No Brasil era um pouco mais fácil, mas no exterior, tudo se perde. O que ficou daquela época, talvez a parte mais complicada, é você passar 15 anos da sua vida sem pertencer àquele lugar. Eu sabia que algum dia, independente de onde eu estivesse, teria de sair dali. 

Ao mesmo tempo, mantínhamos uma relação muito forte com o Brasil, com a música brasileira, a culinária brasileira. Quando chegava feijão preto na Europa, saía logo uma feijoada. O disco novo do Chico Buarque era enviado para nós ouvirmos. É uma situação na qual você que estar e não pode, não cria raízes, vínculos, não cria nada. Você tem apenas uma mala pronta para a qualquer momento fugir. 

Cheguei no Brasil em 1979, tirei nota 10 nas provas de inglês e matemática e nota zero nas provas de português, história e geografia. Era assim que a gente chegava. Você precisa reaprender a viver. Hoje eu trabalho em Comunicação por conta desta educação diferenciada baseada na luta pelo Brasil, que hoje em dia, com a Comissão de Anistia, está reescrevendo a sua história da forma correta, sem deixar o passado cair no esquecimento.”