“À matroca, ou à deriva”


01/09/2011


               
Só um termo usado como o do título acima “matroca” pode definir o que se passa em nosso País. Poderíamos também empregar “à deriva”, palavra de origem náutica, que quer dizer “sem rumo”, entregue à correnteza, à força dos ventos ou das ondas.
 
Na verdade, qualquer desses termos que empregarmos para distinguir situações ou ocorrências nas quais vivemos demonstra a perda do controle da direção da navegabilidade, onde esse barco, cujo nome pode ser “República”, com tripulantes sem muita qualificação para operações de risco, acha-se quase ao léu da sorte, nos parecendo esteja fugindo dos escolhos, mas o seu novo comandante não confia muito na carta náutica que lhe foi deixada pelo seu ex-colega de profissão, ao transmitir-lhe os difíceis encargos, inclusive àqueles que repassados aos seus subordinados não estariam sendo cumpridos a contento, levando-o a temer possível naufrágio,
 
Deixemos, meus senhores, as metáforas! Não há como distingui-las das concepções verdadeiras que estão sendo divisadas a olhos vistos por toda a nossa sociedade. Como fugir dessa decomposição da ordem, da responsabilidade, dos trâmites legais que constituem o arcabouço das leis e regimentos nos quais se compõem a estrutura de uma nação, cuja segurança de ordem jurídica repousa em sua Carta Magna, cada vez mais desrespeitada?
 
Quem somos nós, meros escrevinhadores, para ir além de gravarmos, com mãos trêmulas,os nossos desenganos? Nossas vozes, transmudadas em letras, publicadas em nossas mídias, não têm acesso aos gabinetes dos órgãos principais da nação, onde estão os êmulos que não podem ser levados a tomar conhecimento de assuntos triviais, ou acusações que possam molestar as suas digníssimas personalidades.
 
Face a essas considerações, como sobreviver ante tal máquina, que há muito foi criada para estagnar reações? Mas a mídia possui uma linguagem permanente sempre transformada em historias que relatam tanto os feitos que elevam o conceito de uma nação, como críticas que devem ser dirigidas a todos aqueles que infringem o respeito e a dignidade.
 
E vamos agora ao homem, o jornalista, aquele que muitas vezes se exprime através de certas dificuldades; que expõe sua própria vida quando ainda, como mero repórter, é designado para cobrir assuntos ligados à facções criminosas a mando de diretores de redação de órgãos da imprensa onde exerce sua profissão.
 
O foca de ontem, alegre e sorridente, pretendendo galgar patamares outros, pode vir a ser o casmurro de hoje e até o indiferente de amanhã, ao concluir que na bagagem que carrega sobre os ombros só logrou armazenar decepções, tristezas e rancores,
 
Por que, ao invés de escrever romances de ficção, histórias infantis ou crônicas sociais do dia-a-dia, decidiu ele abranger sua visão profissional na crítica de atos mesquinhos, da corrupção desenfreada aos descompassos dos poderes que comandam a administração do País, mostrando pela clareza do verbo os crimes perpetrados contra a sociedade cada vez mais inerme?
 
Acredito que, em sua maioria, esses esplendidos profissionais da imprensa, ao serem interrogados, nos diriam:
 
“Obrigado por terem pensado em nós! Dizer por que parei não é fácil para mim! Acredite que a imprensa sempre foi a minha diretriz de estudante quando participava do jornalzinho da minha escola, mas àquela época o painel da imprensa não cobria essa enxurrada de fatos escabrosos que preenchem as páginas da nossa mídia de hoje, invadindo os nossos lares e desviando a visão dos nossos filhos da beleza que nos cerca, para projetar em suas páginas torpes imagens de crimes de toda sorte, sem que venham acompanhados de noticias das soluções e punições aos criminosos, os quais se distribuem desde a chamada ralé até os cognominados “colarinhos brancos”, estes últimos cercados sempre da mais ampla defesa, de vez que quase sempre contam com bons advogados, conhecedores dos meandros da Justiça e dos seus escorregadios degraus.
 
Vai daí que o bom jornalista, o homem de fé em sua profissão, aquele que ao apresentar uma matéria ao editor, por melhor que a julgue, a vê cortada por não condizer com as recomendações da Direção, sente que terá que optar ou por deixar de escrever, procurando outra função ou atividade, ou curvar-se ante o poder, tornando-se, doravante, um energúmeno, sem brios e sem desejo profissional.
 
E, na maioria das vezes, com raras exceções, o homem curva a sua coluna vertebral ante as conseqüências que poderão advir de suas reações; amolda-se e passa apenas a ser o escrevinhador de notícias pré-julgadas.
 
Resta todavia um recurso – o povo.
 
O povo, sim, representado em seu mais alto grau pela sociedade que o distingue, que a diferencia, daí a dificuldade em manter-se um certo equilíbrio ao considerarmos ações que demandam das castas mais desprovidas como aquelas que há poucos dias deflagraram em Londres, motivadas, ao que cremos, pelo desfile de riquezas que não têm, “no dizer do sociólogo Zigmunt Bauman, radicado em Londres (O Globo, chamada de 1ª página, sábado 13/11/2011).
 
Os atos e fatos do mundo diferem, mas parece que estão a nos mostrar como devem ser norteados os nossos procedimentos. A dificuldade está, a nosso ver, em concluir-se os motivos dos distúrbios em Londres, calcados nas observações reais das suas origens, segundo informações internacionais das mídias.
 
E o fato se deu em Londres, palco da mais alta organização sócio-política e econômica do mundo…
 
Todos nós devemos, pois, observar que a evolução cada vez mais significativa do mundo obriga-nos a um condicionamento de atividades administrativas que tendam a equilibrar aspectos sociais contundentes, que podem levar à reações como as que se deram em Londres.
 
Causas e efeitos devem ser objeto de profundos estudos dos dirigentes das nações, os quais, hoje, se obrigam até a ajudar sistemas bancários prestes a ruírem, visando assim, procurar reduzir conflitos gerados, evidentemente, por uma frustração de desejos, quando se constata a desigualdade social entre a miséria e a riqueza, como bem disse Bauman.
 
Jamais poderemos navegar à matroca, se quisermos nos aprofundar em planejar nossos atos, a fim de evitarmos derivas perigosas.
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Bernardino Capell, sócio da ABI, é jornalista, economista e membro titular do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil.