TJ-RS nega indenização a ex-agente da ditadura


26/05/2011


A 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negou na última quarta-feira, 25 de maio, por unanimidade, o pedido de indenização de João Augusto da Rosa, ex-agente da ditadura, por danos morais contra o jornalista Luiz Cláudio Cunha, autor do livro “Operação Condor: O seqüestro dos uruguaios”.
 
A obra publicada em 2008 conta a história do seqüestro do casal de uruguaios Lilian Celiberti e Universindo Dias e seus dois filhos menores, em Porto Alegre, por policiais do Dops da região Sul do País, em 1978. Na ocasião, Luiz Cláudio, repórter da Veja, e o fotógrafo J.B. Scalco flagraram o casal preso em um apartamento na capital gaúcha, vigiados por dois policiais: João Augusto Rosa (autor da ação na justiça), o Irno, e Orandir Portassi Lucas, o “Didi Pedalada”.
 
Em julho de 2010, a juíza Cláudia Maria Hardt, da 18ª vara cível de Porto Alegre já havia decidido em favor do jornalista e escritor, mas o ex-policial pediu a análise do recurso contra a sentença que reconheceu o interesse público sobre os casos de violência e abusos cometidos durante o período da ditadura contados no livro.
 
Em sua apelação, João Augusto, hoje servidor da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul alegou que a publicação utiliza vocabulário ofensivo e acusatório contra sua pessoa, e também acusa o autor de não citar sua absolvição em processo criminal de 1983, por falta de provas, além de não ter autorização para publicar as fotos.
 
Já a defesa do jornalista argumentou que o conteúdo do livro é baseado nas reportagens publicadas na Revista Veja, entre 1978 e 1980, portanto, nenhuma novidade em relação ao apelante foi apresentada (inclusive as fotos), e que a publicação limita-se a publicar os fatos ocorridos.
 
A relatora do recurso, a desembargadora Marilene Bonzanini Bernardi atestou que não há no livro a intenção de macular a imagem do servidor. A Desembargadora citou a decisão da juíza Cláudia Maria Hardt, e destacou também a importância de não limitar o espírito investigativo dos repórteres, e assim correr o risco de impedir que ‘‘informações necessárias para a fundamentação de nossa consciência crítica’’ venham à tona.
 
Por fim, ela reforçou ‘‘o interesse da sociedade e da própria história ao conhecimento, ainda que parcial, dos fatos ocorridos em recente período político, conhecido pelo lado negro da intolerância, da prepotência e da ausência de liberdade’’. O voto da relatora foi acompanhado com louvor pelos outros dois desembargadores.
 
 
Seqüestro
 
 
Luiz Cláudio Cunha lembra com clareza a cena com a qual se deparou, no apartamento onde os uruguaios estavam presos:
— Quando eu subi com o Scalco (fotógrafo), abriram a porta os dois, apontando armas pra gente, o “Irno” apontando uma arma na minha cara e o “Didi Pedalada” apontando pro Scalco. E como eu disse à juíza no tribunal, assim como diz aquela antiga propaganda de sutiã que diz  “o primeiro sutiã a gente nunca esquece”, eu nunca esqueci a cara dele porque a primeira pistola na cara a gente nunca esquece.
 
 
A denúncia da revista Veja em 1978, escandalizou a opinião pública mundial e evitou o assassinato dos sequestrados, mas não impediu que Lilian e Universindo fossem torturados e entregues clandestinamente a autoridades militares do Uruguai. O dois ainda permaneceram presos até 1984, enquanto as crianças foram entregues aos avós, em Montevidéu.
 
 
O seqüestro fez parte da ação orquestrada entre as ditaduras de Brasil e Uruguai, chamada “Operação Condor”, aliança político-militar criada nos anos 70 que tinha o objetivo de criar uma cooperação mútua entre os regimes militares da América Latina na repressão e captura de opositores e perseguidos políticos.
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Impunidade
 
 
Luiz Cláudio reafirmou ao ABI Online sua revolta diante da nova ação movida pelo ex-agente do Dops:
— Acho um absurdo um ex-agente da repressão querer intimidar desta maneira o trabalho de um repórter. Ele alega que eu não citei a absolvição dele, eu não a pus porque é irrelevante. Ele só foi absolvido por falta de provas, apesar de nossa certeza do envolvimento dele, porque as provas estavam nas masmorras do Uruguai.
 
 
O jornalista declarou-se envergonhado pelo tratamento dado pela justiça brasileira aos generais e torturadores do período ditatorial no País:
— É uma vergonha para nós, cidadãos críticos, enquanto aqui no Brasil um inspetor do DOPS tenta processar um jornalista, na Argentina e no Uruguai vemos Generais criminosos e torturadores sendo condenados.
 
 
Luiz Cláudio enumerou militares torturadores que seguem em liberdade, e que nunca pagaram por seus crimes:
— Pessoas como o Delegado Pedro Seelig, Comandante do Irno e do Didi; o Sérgio Fleury do Dops paulista, o Major Carlos Alberto Brilhante Ustra, coronel reformado, ex-comandante do DOI Codi do 2º exército onde 40 presos políticos foram mortos em 40 meses, inclusive o Vladimir Herzog, continuam soltos nesse Brasil hipócrita.
 
Luiz Cláudio conta que somente Didi Pedalada foi condenado em processo criminal e não recorreu. Apesar de indignado com o sistema judiciário brasileiro, Luiz Cláudio espera que a decisão de ontem seja um ponto de partida para um recomeço:
— Mais importante do que pra mim, esta sentença é importante para toda a imprensa brasileira, para garantir os lugares de liberdade de informação e dos repórteres, para que um dia a gente possa reverter essa impunidade, e trabalhar sem temer retaliação deste tipo de gente.
 
 
* Com informações do Consultor Jurídico.