Jornalismo a serviço do meio ambiente


15/07/2009


Silvestre Gorgulho

Primeiro jornal publicado na América Latina inteiramente dedicado a questões ambientais, o jornal Folha do Meio Ambiente ainda está comemorando o aniversário de 20 anos de fundação, completados no mês de junho. Criado pelo jornalista Silvestre Gorgulho em 1989, o periódico mensal se destaca por manter durante duas décadas o caráter independente com que pauta suas matérias, “desvinculado de qualquer interesse político partidário ou ideológico”, como costuma afirmar seu fundador.

A publicação surgiu com a simples pretensão de ser o relatório final do seminário realizado naquele ano na sede do Banco Central, em Brasília, sobre a possibilidade de conversão da dívida externa do País em projetos de conservação do meio ambiente:
— Durante o evento, eu convidei os jornalistas que faziam a cobertura do que ocorria no Banco Central, para que documentassem as questões que estavam sendo debatidas. Passei uma pauta para cada um deles, e, no penúltimo dia, eles apresentaram o resultado.

Com o relatório pronto, Silvestre buscou apoio do Jornal de Brasília, que providenciou a impressão de mil exemplares, para serem distribuídos entre os participantes do seminário, e encartou o documento em uma de suas edições, sob a forma de suplemento especial:
— No dia seguinte, eu recebi 321 pedidos de assinaturas de um jornal que não existia, conta o jornalista. Então, consegui apoio da Vale para publicar os seis primeiros exemplares, e assim começou nossa história. 


Dificuldades 

Capa do jornal

Lançada quatro anos antes da Eco 92 — conferência realizada pela ONU, no Rio de Janeiro, que sedimentou a importância do desenvolvimento sustentável de todas as nações industrializadas—, a Folha do Meio Ambiente encontrou dificuldades para manter a circulação, pois o tema, na época, ainda era tido como irrelevante. Porém, os obstáculos enfrentados pelo jornal ainda são os mesmos. Também nos dias atuais, em que a questão ganhou força em todos os setores da sociedade, a ponto de algumas empresas se negarem a comercializar produtos com outras que não cumprem regras ambientais, por serem constantemente pressionadas pelos consumidores:
— Infelizmente, eu continuo tendo que pedir patrocínio quase que de joelhos — diz Silvestre. — As empresas preferem colocar anúncios em revista de mulher pelada ou de fofocas, do que em publicações de caráter educativo. Se não fosse pelos leitores, eu já teria desistido.

Com tiragem de aproximadamente 30 mil exemplares, o jornal alcança hoje 133 países e diversas escolas de todo o Brasil, que o utilizam como instrumento educativo e conscientizador dos jovens. Segundo Silvestre, o principal compromisso da Folha do Meio Ambiente é firmado justamente com esse público:
— Desde o início, nossa intenção foi sempre a de produzir matérias com uma linguagem que faça com que os adolescentes e as crianças entendam claramente aquilo que está sendo veiculado, sempre com a consciência de que não podemos errar, pois sabemos que há uma escola no interior do Amazonas que assina o jornal. 

Denúncia

Apesar de publicar matérias denunciando crimes ambientais, o fundador da Folha do Meio Ambiente, que também é Secretário de Cultura do Distrito Federal, conta que o jornal nunca foi processado:
— O mais perto que chegamos disso foi quando publicamos uma matéria denunciando o aterro do Rio Morado, no Paraná, realizado pela empresa de cosméticos O Boticário. Após a reportagem, a empresa foi multada pelo Ibama, e comprou duas páginas centrais do nosso jornal para criticar nossa atitude. Vendemos o espaço, mas quando o anúncio ia ser publicado eles voltaram atrás. 

Outro episódio que causou punição aos infratores, foi a série de reportagens sobre o programa Energia Verde e seus impactos negativos no ecossistema da chapada da Serra Vermelha, localizada na região sul do Piauí. Um dos principais objetivos dessa iniciativa era produzir carvão para abastecer as siderúrgicas do País. 

Levado a efeito pela empresa J.B. Carbon e pela Secretaria de Meio Ambiente daquele estado, o programa foi responsável por grilagens de terras da região, utilização de trabalho escravo nas carvoarias e destruição dos três biomas que compreendiam a chapada: o cerrado, a caatinga e a Mata Atlântica, como mostraram os repórteres Tânia Martins e André Pessoa. 

Após a publicação das matérias, que renderam o prêmio Amigo da Mata Atlântica, concedido pela Rede de ONGs da Mata Atlântica aos dois jornalistas, o projeto Energia Verde foi embargado pelo Ministério Público Federal e a empresa J.B. Carbon foi multada pelo Ministério do Trabalho:
— Na época, a então Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, designou a criação do Parque Nacional da Serra Vermelha, que não foi adiante. Com a mudança na pasta, que passou a ser comandada por Carlos Minc, o João Batista Fernandes (dono da empresa J.B. Carbon), juntamente com o Governador do Piauí, Wellington Dias (PT), que teve a campanha de reeleição financiada em grande parte pelo empresário, voltaram a fazer pressão. E a questão ainda está neste impasse, o Energia Verde está parado, assim como a proposta de criação do Parque — conta a repórter Tânia Martins. 

Em decorrência da publicação da série de reportagens, o jornal sofreu represálias:
— Fizeram diversas manifestações contra a Folha em Teresina, dizendo que fazíamos um jornalismo panfletário, que tínhamos relações com ONGs internacionais. Fomos boicotados e também perdemos diversos anunciantes. A censura política é fácil de driblar, mas a econômica não — diz Silvestre.

Para a repórter Tânia Martins, as conseqüências foram ainda mais graves. Desde a publicação da reportagem, a jornalista não conseguiu mais emprego na imprensa local:
— Alegaram que minhas reportagens estavam desagradando o Palácio do Planalto, cuja base tem como principal componente o PCdoB. Além de ser demitida do cargo que ocupava como assessora do Vereador João Cláudio Moreno (PCdoB), por exigência do próprio partido, fiquei impossibilitada de trabalhar como jornalista nos veículos de Piauí, já que o Governo estadual detém o monopólio de todos os meios de comunicação.