Casa cheia para saudar Garrincha


24/10/2008


                                             Bernardo Costa

Jorge Vieira, Índio, Roberto Porto, Gilson e Luís Fernando

 O público lotou a Sala Belisário de Souza, no edifício-sede da ABI, nesta quinta-feira, para prestigiar o saudoso Mané Garrincha, que completaria 75 anos este mês. A mesa foi composta pelos jornalistas Roberto Porto e Luís Fernando, os ex-jogadores Índio e Gilson e o ex-técnico Jorge Vieira, que contaram histórias do craque botafoguense e relembraram momentos marcantes do futebol brasileiro.

Dando início à homenagem, José Rezende, Coordenador do Centro Histórico-Esportivo da ABI, vinculado à Diretoria de Cultura e Lazer da Casa, distribuiu cópias de uma charge do homenageado feita por Adail e anunciou a criação do MemoFut, “um grupo de pesquisadores e escritores que se ocupará do resgate e da preservação da memória esportiva brasileira, tendo como carro-chefe o futebol”. Em seguida, chamou à mesa o jornalista Roberto Porto, que foi logo exibindo uma cópia da certidão de nascimento de Garrincha, para desfazer mal-entendidos:
— Em primeiro lugar, ele não se chamava Manoel Francisco dos Santos, como dizem, apenas Manoel dos Santos. E nasceu em 18 de outubro de 1933, não no dia 28, e morreu em 20 de janeiro de 1983.

Botafoguense, o jornalista relembrou o primeiro jogo de Garrincha com a camisa alvinegra, em 19 de julho de 53, a que assistiu, ainda criança, em companhia de um tio. Após a partida, Roberto entrou em campo para pedir um autógrafo do jogador que, semi-analfabeto, assinou “Garrinha”. Depois, comentou as participações do craque no time carioca e na seleção brasileira:
— Ao todo, ele fez pelo Botafogo 613 jogos e marcou 242 gols. Sua última partida pelo time foi em 15 de setembro de 65, contra a Portuguesa. Pela seleção brasileira, seu primeiro jogo foi, curiosamente, um mês antes de completar 22 anos, no dia 18 de setembro de 55. Com a camisa canarinho, foram 60 jogos, 52 vitórias, sete empates e uma derrota, contra a Hungria na Copa do Mundo de 66, que não tinha Pelé e Garrincha juntos. Nessa partida, ele já estava mal, sofrendo de artrose nos dois joelhos e muito acima do peso. 

 Mané Garrincha

Bondade

Roberto passou a palavra a Gilson, que era goleiro do time principal do Botafogo quando Garrincha estreou marcando três gols na vitória de 6 x 3 contra o Bonsucesso, em General Severiano, em 1953:
— Estreei no time principal do Botafogo junto com Garrincha e me orgulho muito disso; é uma honra que guardo até hoje e conto sempre aos meus filhos e netos as aventuras dele. Como seu companheiro de equipe, posso dizer que ele tinha um coração bom, puro, sem maldade nenhuma, e jogava por prazer. Aqueles dribles desconcertantes que dava nos adversários, aquilo nunca foi para desmoralizar ninguém, ele jogava futebol com se estivesse brincando na praia ou num terreno baldio. Foi um grande sujeito e, para mim, o melhor jogador de todos os tempos. Tenho orgulho de ter jogado no mesmo time que ele e de ser botafoguense.

Companheiro de Garrincha na seleção carioca que jogou contra um time de paulistas, Índio — centro-avante que marcou época no Flamengo quando formou a linha de frente do primeiro ano do tricampeonato estadual de 53, junto com Joel, Rubens, Benitez e Esquerdinha, como lembrou José Rezende —, falou do amigo com carinho:
— Garrincha era meu camarada. Ele me chamava de “homem-espelho”, porque eu ficava espremendo espinhas no vestiário. Lembro que depois dos jogos nós ficávamos o dia inteiro jogando bilhar. O Mané foi único, era meio time do Botafogo e não tinha marcador para ele. Falar desse grande craque é maravilhoso. Que Deus o tenha em bom lugar.

Alegria

Gilson, Índio e Roberto Porto

Luis Fernando, “o repórter que sabe de tudo”, contou que Garrincha estava sempre alegre. Mesmo quando perdia uma partida, “ele se divertia jogando, a bola para ele era um brinquedo”, disse o jornalista, lembrando-se de um fato pitoresco ocorrido logo depois da Copa do Mundo de 62, no Chile, onde o Brasil sagrou-se bicampeão mundial, com Garrincha sendo o grande astro do título:
— Na volta, ele renovou o contrato com o Botafogo, que não lhe deu o dinheiro que havia prometido. Na época, o time estava indo para Recife, jogar três amistosos contra o Náutico, o Sport e o Santa Cruz. Naquele tempo, nos intervalos dos jogos de domingo pelos campeonatos, todos os grande times brasileiros faziam excursões para ganhar dinheiro, e é claro que nessas viagens era obrigatória a presença dos campeões do mundo, principalmente Garrincha. Na hora do embarque, no Aeroporto Santos Dumont, ele não apareceu. Então, os diretores Renato Estelita e Djalma Moreira chamaram Nilton Santos e disseram: “Nilton, vai a Pau Grande buscar o Mané, que nós vamos remanejar o vôo de vocês para as 18h.” Eu estava ao lado dele e perguntei se podia ir junto. Então entramos no carro e partimos para Magé. Quando chegamos na porta da casa, encontramos uns garotos jogando uma pelada com bola de meia. Nilton foi entrando e Dona Nair, que foi a primeira esposa do Garrincha, o recebeu e disse que o marido estava pescando com os amigos Swing e Pincel. Dona Nair chamou um dos garotos para nos guiar e, quando chegamos à beira do riacho, encontramos todos adormecidos ao lado de três garrafas de cachaça vazias. O Nilton acordou o Garrincha e disse: “Vai para casa tomar um banho gelado e botar um terno, porque você vai viajar comigo para Pernambuco.” E assim foi. Ele respeitava muito o Nilton Santos e disputou os três jogos.

 Luís Fernando e Jorge Vieira

Tática

O ex-técnico de futebol Jorge Vieira, que dirigiu o América no seu último título estadual, em 1960, e foi técnico de Garrincha na seleção carioca de 61, falou da tática que usava para tentar neutralizar a eficiência do craque quando seu time jogava contra o Botafogo:
— Treinávamos a semana toda uma tática que, pelo menos, impedisse que ele chegasse ao fundo com facilidade. No esquema, o Ivan fechava a lateral para não deixar ele partir com a perna direita, forçando-o a jogar com a esquerda, com a qual não tinha o domínio completo, e dava um drible mais largo, permitindo que o João Carlos pudesse roubar a bola. Às vezes dava certo, mas quase sempre o Garrincha arrumava um jeito de passar.

Terminada a mesa-redonda, a homenagem a Garrincha teve prosseguimento com a exibição do filme “1958, o ano em que o mundo descobriu o Brasil”, do cineasta José Carlos Asbeg.

* A última parte da série “Garrincha em fotos” será publicada na próxima sexta-feira, 31 de outubro