Clarice: a hora da estrela no CCBB


Por Cláudia Souza*

29/08/2008


“(…) Clarice por inteiro só os verdadeiramente íntimos conheceram e, ainda assim, com detalhes ciosamente protegidos por zonas de sombra. A verdade é que a escritora, que reconhecia com espanto ser um mistério para si mesma, continuará sendo um mistério para seus admiradores.”

As palavras de Pedro Vasquez, escritor, pesquisador e jornalista, sintetizam o espírito recôndito de uma das maiores escritoras da Língua Portuguesa de todos os tempos, de forte e reconhecido apego aos mistérios da alma, sua maior inspiração.

Trinta anos após sua morte, a exposição “Clarice Lispector — A hora da estrela” desvenda ao público segredos da escritora traduzidos em fotografias, manuscritos, correspondências, documentos e primeiras edições, que ocupam 600m² de oito salas do Centro Cultural Banco do Brasil. A exibição do material — confiado pela família à Fundação Casa de Rui Barbosa, no Arquivo-Museu de Literatura Brasileira — foi autorizada pelo filho de Clarice, Paulo Gurgel Valente. A TV Cultura cedeu um vídeo com as únicas imagens em movimento da escritora de que se tem notícia, gravadas durante uma entrevista concedida ao jornalista Júlio Lerner no programa “Panorama especial”.

Indizível

Após grande sucesso em São Paulo — onde atraiu 290 mil pessoas entre abril e novembro do ano passado — o evento, que celebra ainda os 30 anos do romance que o batiza, fica em cartaz no Centro do Rio até 28 de setembro. A curadoria é do poeta e escritor Ferreira Gullar e de Júlia Pellegrino e a cenografia, de Daniela Thomas e Felipe Tassara:
— Clarice tentou dizer o indizível, sabendo que não poderia fazê-lo — diz Ferreira Gullar, que era seu amigo pessoal.

Para aproximar o visitante da atmosfera de Clarice Lispector, imagens ampliadas da escritora estão presentes por toda a mostra, sobrepondo frases e escritos e integrando espaços íntimos como a sala de estar com o sofá e a máquina de escrever:
— O objetivo é oferecer ao espectador uma introdução à riqueza do universo de Clarice. Quem conhece irá desfrutar; quem não conhece será instigado a conhecer e tornar-se um novo leitor de Clarice — diz Júlia Peregrino.

 

Imprensa

Traduzida em 15 línguas, a autora de “Perto do coração selvagem”, “A paixão segundo G.H.” e mais 24 títulos costumava dizer que escrevia para se manter viva.

O amor pelo ofício expandiu a área de atuação de Clarice, que foi também tradutora e trabalhou ativamente na imprensa a partir da década de 40, passando pela Agência Nacional, os jornais A Noite, Diário da Noite, Comício, Correio da Manhã e JB e a revista Manchete.

Quando aceitou o convite de Rubem Braga, no início dos anos 50, para assinar a página “Entre mulheres” no Comício, um dos precursores da imprensa alternativa, Clarice era uma escritora consagrada e já havia trabalhado na imprensa carioca. Contudo, inaugurou ali uma nova fase no jornalismo como colunista feminina. Além dela, o inovador tablóide, que durou apenas quatro meses, teve outros colaboradores famosos, como Millôr Fernandes, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino e Sérgio Porto.

Pseudônimo

De agosto de 1959 a fevereiro de 1961, Clarice assumiu o pseudônimo de Helen Palmer para assinar o “Correio feminino — Feira de utilidades”, no Correio da Manhã. O espaço tinha o patrocínio da indústria de cosméticos Pond’s e dava dicas de beleza a partir dos produtos da empresa, sem citar a marca explicitamente.

Helen Palmer era uma conselheira de moda, beleza e etiqueta. Em colunas como “Cursinho de emergência”, “Cursinho sobre cabelos” e “Cursinho sobre perfume”, orientava as leitoras a serem discretas, pois “chamar a atenção não é a finalidade de uma mulher elegante e inteligente”.

De abril de 1960 a março de 1961, a convite do jornalista Alberto Dines, Clarice Lispector atuou como ghost-writer/EM> da atriz e modelo Ilka Soares na coluna “Só para mulheres”, do Diário da Noite. Os textos sobre moda, elegância e segredos domésticos, em tom de diário, eram publicados seis vezes por semana, em página inteira, com diagramação da própria Clarice.

 

Biografia

Clarice Lispector nasceu em 1925 em Tchetchelnik, na Ucrânia. Aos 2 meses de idade, chegou ao Brasil com a família e passou a infância em Recife. Em 1937, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde se formou em Direito.

Estreou na literatura ainda muito jovem, com o romance “Perto do coração selvagem” (1943), que teve calorosa acolhida da crítica e recebeu o Prêmio Graça Aranha.

Em 1944, recém-casada com um diplomata, viajou para Nápoles, na Itália, onde serviu num hospital durante os últimos meses da Segunda Guerra. Depois de uma longa estada na Suíça e nos Estados Unidos, separou-se do marido e passou a morar definitivamente no Rio, no fim da década de 50.

Em novembro de 1977, descobriu que sofria de câncer generalizado. No mês seguinte, na véspera de seu aniversário, morreu em plena atividade literária, prestigiada como uma das mais importantes vozes da literatura brasileira.