Depoimento da repórter Nathaly Ducoulombier


22/02/2005


Nathaly Ducoulombier

 

Era mais um dia de trabalho e a pauta de interessante não tinha nada. O então governador Marcelo Allencar faria uma visita a um policial que estava internado em um hospital de Niterói, havia sido ferido em um confronto com bandidos. A imprensa acompanhava, não pela visita em si, mas tínhamos alguma coisa para repercutir com o governador e no hospital talvez conseguíssemos gravar a entrevista. 

A polícia militar resolveu fazer uma operação no Morro da Lagoinha, também em Niterói, e os jornalistas que estavam na tal visita acabaram indo junto. Entramos atrás da polícia, tudo aparentemente calmo. Foi no alto do morro, um descampado, que a situação começou a complicar. Me lembro dos policiais correndo, atirando em direção aos bandidos, e nós tentando nos esconder atrás dos carros de reportagem. Um grupo de jornalistas de tevê e jornal acabou descendo um pouco até uma casa, que ainda estava em construção, e alguns policiais também entraram. 

A casa já tinha paredes e um telhado de amianto, mas não tinha janelas. Ouvíamos os tiros do lado de fora, mas por falta de experiência eu não fazia a menor idéia de onde eles vinham. Foram pelo menos 15 minutos de agonia, que pareceram horas…quando conseguimos sair da casa, vimos as marcas das balas nas paredes. Um tiro de fuzil perfurou o teto de um dos carros de reportagem. Uma colega do jornal O Globo, a Alba Valéria, brincava dizendo que a culpa era de um blazer vermelho que eu usava. Era só tirar ele do armário para ter confusão. No hospital, durante a visita ao policial, ela falou: “Ih, lá vem a Nathaly com o blazer vermelho…”. 

Argumentei que dessa vez, não tinha problema. “Não vai ter tiroteio aqui dentro do hospital , né?” Depois desse episódio, aposentei de vez uma das peças de roupa que eu mais gostava… A maioria dos coleguinhas tem boas histórias para contar, difícil cobrir cidade e nunca ter ficado no meio do fogo cruzado. Hoje, apesar da violência estar cada vez maior, a imprensa (pelo menos no caso de TV) em outra postura. Nem sempre entramos junto com a polícia, muitas vezes a favela já está ocupada e temos “um pouquinho” mais de segurança. Jornalista não é super-herói e o risco deve ser bem calculado.”