Juros altos e caso Americanas acendem alerta sobre crise de crédito no país


23/02/2023


Por José Paulo Kupfer, do Conselho Fiscal da ABI,  em UOL

Enquanto se prolonga o debate em torno da mudança da meta de inflação, a alta taxa de juros (Selic) por um longo período já afeta o volume de dinheiro em circulação e vai espalhando as sombras de uma crise de crédito na economia. Um alerta amarelo sobre a crescente dificuldade de empresas rolarem suas dívidas e financiarem suas atividades tem soado com estridência cada vez maior.

Estimativas para o Brasil apontam uma defasagem de seis meses a nove meses para que a política de juros produza efeitos máximos na contração do dinheiro em circulação e, em consequência, no crédito. Os juros básicos definidos pelo Banco Central, estão estacionados no pico de 13,75% nominais ao ano há sete meses desde agosto do ano passado.

Cenário é de dupla retração no crédito

As dificuldades na área de crédito já causavam preocupação pelo lado da demanda, da busca de dinheiro financiado pelas empresas. Depois do estouro do escândalo das Americanas, que quebrou com dívidas de R$ 40 bilhões, os temores se alastraram para o lado da oferta de financiamentos.

É que muitos bancos eram credores das Americanas e também de outras empresas que enfrentam dificuldades para saldar suas dívidas com as instituições. Tendo que fazer provisões elevadas para devedores duvidosos, os bancos terão lucros reduzidos e, em consequência, ficarão mais refratários a conceder créditos.

Em relatório enviado a clientes na terça-feira (14), a consultoria LCA, uma das maiores e mais influentes do mercado, chamava a atenção para o aumento “substancial”, nas últimas semanas, dos riscos de uma contração aguda do mercado de crédito.

“A desaceleração da atividade e o aperto monetário já são fatores importantes a conter a demanda por crédito. Já um ”efeito-dominó’ do episódio da Americanas poderia deteriorar o mercado de crédito pelo lado da oferta.”

Lista de devedores só tem crescido

São já muitos os casos de empresas com problemas para honrar suas dívidas que pipocaram nas últimas semanas, além das Americanas. Aqui uma lista com algumas delas, em levantamento publicado em sua conta no Twitter pelo economista Manoel Pires, professor da UnB (Universidade de Brasília) e pesquisador da FGV-Ibre (Fundação Getúlio Vargas-Instituto Brasileiro de Economia:

Oi – a telefônica, em processo de recuperação judicial, divulgou a lista de credores. A dívida soma R$ 29.75 bilhões e 14 bancos, alguns estrangeiros, são credores com valores pendentes.

Lojas Marisa – a varejista carrega dívidas de mais de R$ 550 milhões, com montantes 8% superiores ao que devia em 2021. Houve dança de cadeiras de executivos, numa tentativa de mostrar aos credores empenho em evitar inadimplência.

Via (Casas Bahia) – mais uma varejista em processo de renegociação de dívidas. São mais de R$ 3 bilhões a vencer entre 2023 e 2024.

Light – a distribuidora de energia no Rio de Janeiro chamou a atenção do mercado com a contratação de um escritório especializado em recuperações judiciais.

Azul e Gol – o mercado também está de olho no desempenho das companhias aéreas. A classificadora de risco Fitch rebaixou a nota de crédito da Azul, em razão da maior dificuldade observada na rolagem das dívidas. A Gol anunciou em fevereiro um plano de refinanciamento de dívidas que foi considerado pela classificadora de riscos Standard& Poor’s como uma reestruturação na prática “similar” a um calote parcial, já que será menor a remuneração dos novos títulos da dívida da empresa.

A consultoria Tendências, outra das grandes do mercado, informou a clientes uma revisão para o volume de crédito em 2023, prevendo agora queda de 2,8%, em relação a 2023, em termos reais.

No Boletim Focus publicado pelo BC nesta quarta-feira (22), a previsão para a expansão da economia em 2023 apresentou ligeiro aumento de 0,76% para 0,8%. Mas os analistas são unânimes em ressalvar que uma crise de crédito, se não for contornada, poderia derrubar essas projeções, levando até mesmo a fechar o ano com recessão.