Proliferação do ódio contra a imprensa


23/07/2019


Foto: Diário de Pernambuco /Facebook

Sérgio Caldieri (*)

A proliferação do ódio continua se alastrando por todos os lados no Brasil. Com as denúncias do jornalista norte-americano Glenn Greenwald recentemente, através da série Vaza Jato, pela qual ele publica conversas dos operadores da Operação Lava Jato, no site do The Intercept, ele vem sofrendo ataques constantemente. Nesses ataques chegam a defender a sua expulsão do país e agridem ao seu companheiro, o deputado federal David Miranda, os filhos adotados pelo casal.

Repetem os mesmos ataques desferidos nos Estados Unidos contra o jornalista Julian Assange, fundador do WikeLeaks e Edward Snodow, ex- agente da CIA, que repassou milhares de documentos confidenciais das atrocidades cometidas pelo governo americano no mundo, ao jornalista.

A prática de atacar a quem pensa diferente voltou a ser adotada contra a jornalista Míriam Leitão, das Organizações Globo (Jornal O Globo e Globonews) pelo presidente Jair Bolsonaro. Distorcendo fatos históricos, alegou que Míriam mentiu ao denunciar ter sido torturada, quando foi presa com seu companheiro – o também jornalista Marcelo Neto -, em 3 de dezembro de 1972, no 38º Batalhão de Infantaria do Exército, no Forte de Piratininga, em Vila Velha-ES.

Mirian estava grávida do hoje jornalista Vladimir Neto, sendo torturada barbaramente e encarcerada durante três meses. Aliás, quem mentiu foi o presidente ao alegar que a então militante do PCdoB foi presa quando se preparava para embarcar para a guerrilha do Araguaia, no sul do Pará. Mentira! Mentira! Ela era um quadro apenas de propaganda no partido. Jamais pegou em armas,

O teatro dos absurdo se expandiu e se repetiu com a própria Mírian e seu marido, o sociólogo Sérgio Abranches. Eles foram “desconvidados” para a participação da 13ª Feira do Livro de Jaraguá do Sul, no estado de Santa Catarina. A organização do evento justificou o cancelamento do convite como forma de “garantir a segurança o convidados”. Tudo por conta de uma suposta uma petição de repúdio à presença dos dois devido a seu “viés ideológico e posicionamento”.

Nenhum detalhe ou explicação justifica tal atitude, até por se desconhecer quem endossou a alegada petição, a qual, em sendo verdadeira, apenas demonstra o autoritarismo que ganha espaço na sociedade, ao impedir debates e exposições de quem pensa diferente.  Dificilmente tal posição refletirá o pensamento da maioria dos moradores da cidade.

Quando muito espelhará o pensamento de um grupo deles, muito provavelmente influenciados pelo radicalismo defendido por alguns empresários locais, como o proprietário da rede de lojas Havan. Este, como já ficou demonstrado nas camapnhas eleitorais, na base da pressão influencia parte dos trabalhadores no seus negócios.

Tais práticas autoritárias que além de impor a censura como em regimes autoritários – de triste lembrança para os brasileiros que viveram sob os coturnos militares na ditadura implantada em 1964 – ganham maior gravidade quando parte a ameaças físicas, ou retaliações “desmensuradas”, como ameaçar de expulsão um jornalista estrangeiro, legalmente residindo no país, como no caso de Greenwald.

Algo tão absurdo que prontamente mereceu o repúdio de diversas entidades, como a ABI e ainda dos jornalistas da imprensa estrangeira no Brasil, através de nota assinada pelo presidente da Associação dos Correspondentes da Imprensa Estrangeira no Brasil, Mário Osava. Na nota, ressaltam o óbvio, as ameaças a jornalistas nada mais é do que atentado à liberdade de imprensa e de expressão, garantidas pela Constituição brasileira.

A Associação dos Correspondentes da Imprensa Estrangeira, do Rio de Janeiro, e a Associação dos Correspondentes Estrangeiros, de São Paulo, manifestam sua solidariedade com o colega Glenn Greenwald e protestam contra as ameaças e pressões que ele vem sofrendo de certas forças políticas e inclusive de órgãos do Estado brasileiro.

Essas hostilidades atentam contra a liberdade de imprensa e de expressão, assegurada pela Constituição brasileira, e geram um ambiente negativo para o livre exercício do jornalismo, fundamental para a democracia.

Estendemos nossa solidariedade a Míriam Leitão, colunista do diário O Globo, impedida de participar da Feira Literária de Jaraguá do Sul, em Santa Catarina, e injustificadamente atacada pelo presidente Bolsonaro, numa intolerância que, em relação aos jornalistas, pode se degenerar em censura.”

 

(*) Sérgio Caldieri – Jornalista, escritor e diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Rio de Janeiro-SJPERJ