A ilusão da Lua e os riscos do negacionismo e da pseudociência


12/07/2021


Por Norma Couri


Você nunca mais vai enxergar o mundo do mesmo jeito se aceitar o convite do físico Marcelo Knobel para a aventura detetivesca do cientista. A missão é decifrar os mistérios do Universo. Depois do assombro da descoberta, a recompensa é a lâmpada iluminando o cérebro do gênio seguida, como nos desenhos animados, da exclamaçãoatribuída ao matemático grego Arquimedes de Siracusa (287-212 a.C.), Eureka!

Não se trata de desvendar os segredos da bomba atômica ou decifrar criptografias mas de perceber que a ciência está mais perto de nós do que imaginamos. A física e a química permeiam o nosso cotidiano. Por que a lua fica tão grande quando está próxima do horizonte e parece diminuir tanto quanto está alta no céu? pergunta Knobel, professor e ex-reitor da Unicamp, nascido na Argentina há 52 anos que chegou no Brasil aos 8 anos quando seus pais migraram para Campinas fugindo da ditadura militar. Ele responde com um livro inteiro, recém-lançado pela editora Contexto, A Ilusão da Lua.

O tamanho da lua permanece o mesmo e o mistério é descobrir por que o cérebro nos engana desse jeito. O livro explica mas Knobel admite, “não há um dia sequer, quando tenho a felicidade de ver uma enorme Lua no horizonte, que não pense sobre isso”. Quantas vezes você já pensou que somos as únicas criaturas na face da terra que comem alimentos processados e cozidos? E que a ciência culinária se confunde com a arte para o cozimento de um peru perfeito para o Natal? Ou por que, entre a sopa e o café, quanto mais denso é o líquido mais rapidamente ele esfria?

O truque do cobertor de lã : ele só nos aquece porque o nosso corpo é uma fonte de calor. E o método “cebola”, as camadas de roupas nos dias frios, funciona? sim, aquece mais porque aumenta a quantidade de bolhas no ar. Ondas só no mar?, estamos cercados de ondas por todos os lados sem falar na própria luz do sol. Uma emocionante corrida de 100 metros rasos vai explicar, mais do que a aula mal assimilada de Cinemática ou Dinâmica, a utilidade do movimento retilíneo acelerado. E pode parecer piada, mas um grupo de pássaros voando na incrível formação em V tem muito a ver com o controle de tráfego aéreo em estradas movimentadas.

Este é o instigante livro de Marcelo Knobel, que trata da física do canto do canário, da nossa Torre de Babel com 7 mil línguas vivas, do poder da audição e do mistério do magnetismo. Isso, até entrar na incrível jornada da Ciência, nas transformações tecnológicas tão aceleradas que nos legam a angústia do FoMo, fear of missing out,medo de perder alguma coisa. Knobel chama atenção para o desleixo tanto com o desenvolvimento de uma Ciência básica, da qual um país desenvolvido não pode prescindir, como com o desenvolvimento social, coletivo e humano. E para a falta de museus e centros de Ciência no Brasil, que se concentram no sudeste com 155 pontos, contra 11 no Norte do país.

Chegamos a meio milhão de mortos. Mas podemos escapar do negacionismo e da pseudociência embarcando com Marcelo Knobel na bela experiência do pensamento lógico. Para começar, fugir das leis baseadas em lendas urbanas, como a proibição de celulares em postos de combustíveis, ou uso de canudinhos plásticos. Boatos viram verdade como a exposição a campos eletromagnéticos responsáveis pela proliferação do câncer.Outros negacionismos da ciência são fatais, como omovimento antivacina, uma das dez principais ameaças à saúde mundial.

Marcelo Knobel tira a Ciência do escurinho dos laboratórios para o nosso dia-a dia. E alerta contra os truques de venda para atrair o consumidor com palavras mágicas, “salada quântica”, “sabonete limpeza de fígado”,“loops de realimentação cibernética”, que não significam nada.

Com o jornalista e escritor de ficção científica Carlos Orsi, Knobel faz uma dobradinha para popularizar a Ciência. Orsi é diretor do Instituto Questão de Ciência e questiona a mágica de elementos como a cúrcuma para dores e imunidade, ou pimentão amarelo para concentração de vitamina C. Junto com sua mulher e bióloga Natalia Pasternak, escreveu Ciência no Cotidiano (Contexto) explicando a ciência a partir do som do despertador ao céu que nos guia. Está para sair Contra a Realidade (Papirus)e o Livro dos Milagres (Unesp). Da cadeira onde nos sentamos à casa onde moramos, tudo existe por causa do conhecimento científico acumulado. “Tales de Mileto, lá na Grécia antiga, percebeu que ver a ação de deuses e ninfas em tudo podia ser bonito e poético, mas não ajudava muito na prática.