ABI participa de ato ecumênico pela vacinação


21/01/2021


Ato ecumênico pela Vacinação Já, Imediata e para Todos

Foi realizado nesta terça-feira, 21,  em São Paulo, o Ato Ecumênico pela Vacinação Já, Imediata, Gratuita e para Todas e Todos, promovido pela OAB seccional de São Paulo, dirigida por Caio Augusto Silva dos Santos, com a presença do presidente do SBPC, Ildeu Moreira, o Reverendo Pedro Luiz, da CNBB e representantes das das religiões judaicas, afro brasileiras, evangélicas e budistas.

Durante a cerimônia, foi lido manifesto assinado por 400 entidades da sociedade civil organizada, exigindo do Governo Federal um programa de vacinação de toda a população brasileira.

Falaram no evento o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, o presidente do SBPC, Ildeu Moreira, o dirigente da CNBB, Dom Pedro Luiz, o  presidente da ABI, Paulo Jeronimo e o presidente da OAB-SP , Caio Augusto.

 

Vacinas, mentiras e fake news

 

Autores: Fernando Kokubun e Mateus Falco
Revisores: Isaac Schrarstzhaupt, Larissa Brussa Reis, Mellanie F. Dutra, José Gallucci.

No dia 10/11/2020, o site Estudos Nacionais publicou um texto com o título “Morto após tomar vacina pode ter sofrido alterações neurológicas graves; Entenda”, se referindo a um voluntário dos testes da fase III da vacina candidata CoronaVac contra a COVID-19, que infelizmente veio a óbito por motivos não relacionados à sua participação nos testes. O título chama atenção, nos induzindo a acreditar, mas será mesmo verdade? Antes de iniciar, lamentamos que os portais não assumam os devidos cuidados ao citar a causa do óbito do voluntário que participou da pesquisa sobre a vacina. A “notícia” faz uma mistura de pedaços de informações verídicas não relacionadas com opiniões do autor, com a intenção de guiar o leitor para sua visão do assunto. Resta fazer a análise do texto como um artigo de opinião ao invés de notícia, devido à intermitente intenção do autor.

Além da indevida utilização de um óbito para justificar uma batalha política que vem tentando ganhar espaço no meio da crise de saúde global, as mídias não se preocupam com a repercussão de divulgar abertamente termos “gatilhos” como no título das reportagens após o caso ficar em evidência. Fica aqui o alerta para todo divulgador/leitor de que existe um protocolo da OMS que deve nos  guiar para lidar com esse assunto tão delicado. Outro detalhe capcioso é o título da reportagem analisada: “Morto após tomar a vacina (…)”. Qual o sentido desse título? O paciente morreu imediatamente após tomar a vacina? O óbito não implica a causalidade com a vacinação, sendo que no próprio texto o autor cita “A Anvisa ainda aguarda o laudo que descarte relação de causalidade(…)”. Fica claro que o jogo de palavras tem o intuito de direcionar o leitor para associar o problema com a vacinação, mas precisamos nos respaldar em evidências ao tratar desse assunto, tanto em  relação ao óbito quanto à necessidade da vacinação. Não é seguro fazer deduções! Não vamos cometer os erros que estamos lutando para que acabem, o foco sempre será a desinformação, os divulgadores de informações não podem fazer um apanhado de palavras só porque querem afirmar o que pretendem.
Ao analisar o texto, encontramos a citação de um artigo, que comenta a morte de um voluntário, misturada com divagações do autor.  Apesar do aparente cuidado em citar “probabilidades”, a leitura do texto deixa explícita a sua mensagem, que é incorreta: de que a vacina é prejudicial e teria alguma relação com o ocorrido. O tom desejado pelo autor fica expresso logo no final do primeiro parágrafo: “Mas quais são as possibilidades da vacina chinesa estar por trás desse acontecimento misterioso?”
A partir deste ponto, o autor (re)constrói as informações, para que a ideia de “acontecimento misterioso” tenha uma explicação a partir do seu ponto de vista. Cita fatos como o SARS-CoV-2 sendo causador de danos no sistema nervoso, mas os utiliza de forma proposital e errônea para relacionar com a vacina, usando do viés de confirmação. Vacinas candidatas, atualmente em fase 3, para COVID-19 tem diferentes formulações: no caso da CoronaVac, a vacina utiliza do vírus inativado, ou seja, partículas virais que não têm capacidade proliferativa, sendo usadas para “treinar” nosso sistema imunológico para reconhecer uma infecção pelo vírus ativo. Ainda menciona os “diversos estudos” que relacionam as vacinas a danos cerebrais, mas não faz referência a um único possível artigo que corrobore uma causalidade entre as informações.
O artigo que o autor cita aqui estudou a influência de inflamação induzida por uma vacina contra o Tifo, e se vale de outros estudos relacionando estados inflamatórios com alterações psiquiátricas.  Sabemos que inflamação é um fator muito estudado dentro da neurociência dos transtornos psiquiátricos, como a depressão. No entanto, apesar de mecanismos inflamatórios serem hipoteticamente associados de forma não causal a depressão, a reação inflamatória causada por vacinas não tem causalidade comprovada com a depressão ou quaisquer outros transtornos psiquiátricos. Outro fato: o estudo é um teste de vacinação com 16 voluntários, sendo que 8 receberam a vacina para febre tifoide e oito receberam um placebo. A avaliação na mudança de estado psicológico foi medida através de um questionário (perfil do estado de humor), e este meio não é o mais preciso para se avaliar e confirmar um dado analisado em pesquisa, pois sofre o viés do sujeito analisado.
Um paralelo que pode ser feito sobre o efeito subjetivo em exames/testes é o de pacientes que não apresentam hipertensão arterial, mas quando estão em frente ao profissional de saúde portando jaleco (enfermeiro, médico, biomédico, farmacêutico) ficam sujeitos ao aumento de pressão arterial. É a famosa síndrome do Jaleco Branco, essa situação que causa alteração no resultado da aferição da pressão arterial em ambulatório é corrigida por meio da avaliação com o MAPA (Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial), esse exame é realizado pelo paciente fora do consultório durante um período de tempo determinado, é o famoso aparelho holter (Eletrocardiograma Dinâmico). Em todo momento, nós enquanto seres humanos dotados de sentimentos, estamos avaliando a possível ou não sensação de dor, afetando assim nosso estado de humor.
Portanto, as evidências propostas pelo autor não são suficientes para estabelecer uma causalidade entre os fatos recentes ocorridos no teste da vacina Coronavac contra a COVID-19, sendo uma forma perigosa de desinformação. No Manual de Vigilância Epidemiológica de Eventos Adversos Pós-Vacinação, podemos observar que não são mencionados transtornos psiquiátricos relacionados com eventos adversos pós-vacinação. As raras alterações neurológicas mencionadas não tem comprovação de causa-consequência em relação às vacinas, conforme mencionado nessa análise.
No mesmo artigo citado também foi analisada a interleucina-6 (IL-6), uma molécula que sinaliza informações do sistema imunológico, classificada como “citocina”, que tem atividade pró-inflamatória, produzida por linfócitos T e macrófagos. No caso do estudo, faz  completo sentido, pois a ação dessa citocina é esperada por quem recebe a vacina. A pessoa vai apresentar uma resposta inflamatória local controlada, e nessa fase os macrófagos e linfócitos T têm um papel importante nessa resposta.
A fadiga é outro sintoma apresentado pelo estudo que faz sentido, quanto a necessidade do sistema imune em entrar em ação para combater o agente vacinal. Resposta inflamatórias são observadas de forma comum em toda lesão causada por infecção. Seguimos então com a conclusão dos autores do estudo: “Essas descobertas sugerem que a infecção periférica influencia seletivamente a função do sistema nervoso central para gerar sintomas essenciais de doença e reorientar os estados motivacionais básicos” (tradução livre). Em termos simples, o autor sugere que a infecção causada pela aplicação da vacina e posterior resposta inflamatória irão influenciar o sistema nervoso central (encéfalo que compreende o cérebro e medula espinhal) para gerar sintomas da depressão  causando diversas alterações comportamentais do indivíduo. No entanto, novamente, não foram investigadas quaisquer relações de causalidade no caso desse artigo, tampouco existem comprovações científicas de causalidade entre os fatos.
Em outro trecho da notícia, o autor faz menção à pesquisadora Maria Toups que é psiquiatra na UT Austin Dell Medical School e tem como linha de pesquisa o efeito de doenças inflamatórias crônicas no humor dos pacientes, porém o título referido indica para uma entrevista relacionada ao setor de divulgação da Universidade na qual ela desenvolve seus estudos. O conteúdo é de extrema importância, mas é utilizado para fazer recortes de fatos para indicar o próprio ponto de vista (viés de confirmação).
E concluímos com a última pergunta da entrevista, na qual o autor da desinformação retira um trecho, dando impressão de que a pesquisadora entrevistada é contra a vacina da gripe. Contudo, a pesquisadora demonstra uma preocupação na utilização de seu estudo para desencorajar a vacinação. Desse modo, segue-se a pergunta feita a pesquisadora: quais são alguns dos conceitos errados associados a sua pesquisa? (“What are some misconceptions about your research?”), e ela responde com a demonstração de preocupação justamente a respeito das interpretações equivocadas: “Tenho medo de que as pessoas vejam isso como um motivo para evitar a vacina contra a gripe.”.
E a entrevistada ainda alerta sobre a possibilidade de efeitos colaterais que podem ser manejados com facilidade no atendimento do paciente que apresenta distúrbios psicológicos, ou simples medo de receber a vacinação e sofrer algum sintoma: “Penso que muitas vezes, quando as pessoas chegam dizendo: ‘Eu realmente sinto que a vacina contra a gripe me dá gripe’, os médicos descartam essa experiência subjetiva. Em vez disso, devemos reconhecer que isso acontece e descobrir como lidar com isso para que possamos encorajar as pessoas a irem em frente e se vacinarem.”.
O autor usa de outras duas fontes (um dos links não foi possível acessar) para reafirmar sua visão do assunto, mas fica claro que utiliza resultados de pacientes que apresentam distúrbios psicológicos. Contudo, são artigos que relacionam estados inflamatórios e depressão, não sendo possível a partir desses fatos correlacionar a vacinação como causadora direta da depressão e de desfechos ainda piores citados. Como mencionado anteriormente, estas são questões que precisam ser analisadas com cuidado e muita sensatez, evitando o sensacionalismo e a urgência política. Fica o alerta de que enfrentamos a maior crise de saúde pública do século e muitos estão se utilizando do tempo para criar confusão, paranóia e medo. Vamos trabalhar para resolver o problema, com a intenção de melhorar os estudos e entendimento, e não atacar pura e simplesmente a ciência.
Adendo: A Anvisa liberou a retomada dos testes com a vacina, pois o óbito do voluntário não está relacionado a vacinação. A decisão é suportada por laudo do IML. (Resultado liberado após finalização do texto).

Publicado na Rede Análise Covid-19 (https://redeaanalisecovid.wordpress.com/2020/11/13/vacinas-mentiras-e-fake-news/