Censura e racismo é
tema de debate na ABI


13/11/2019


Miro nunes, Sandra Martins, Muniz Sodré e Álvaro Caldas

A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) recebeu na terça-feira (12), jornalistas para discutir racismo e censura durante o período da ditadura militar. Mediado pela Conselheira da ABI Vera Perfeito, o debate contou com a presença dos jornalistas  Muniz Sodré, professor da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), de Álvaro Caldas, da Comissão da Verdade do Rio, de Sandra Martins e de Miro Nunes, ambos da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro (Cojira-Rio).

A jornalista Sandra Martins abriu o encontro prestando uma homenagem ao jornalista Carlos Nobre, professor do departamento de História da  PUC-Rio, falecido em 15 de outubro, aos 66 anos, que estaria presente no evento, pedindo um minuto de silêncio.

Álvaro Caldas falou sobre jornalismo e censura

“A nossa comissão presta homenagem a esse militante, Carlos Nobre, que lutava pela igualdade tanto nas cadeiras que lecionava na PUC, como nas lutas do dia a dia”, disse ela, contando ainda um pouco da história do Cojira-Rio, hoje um movimento nacional.

“Vamos continuar nossa militância em nome de Carlos Nobre. Existe racismo nas redações? Começamos em 2003, com o negro querendo falar e desenvolver suas ações. Essa mídia tem cor, e também tem que ter voz. Vamos formar nossa rede. O lugar do negro era muito restrito nas redações. Começamos a trabalhar no Rio e em são Paulo, falando sobre a invisibilidade do negro nas redações. Em 2006, fizemos o primeiro painel para jornalistas negros e hoje estamos em cerca de dez estados do país. Esse é um projeto que tem olhos para o futuro”, acrescentou.

Muniz Sodré focou no funcionamento da manutenção do status quo pelas classes dirigentes: Segundo ele, os jornais sempre preferiram manter  os profissionais negros em posição de retaguarda dentro das redações, evitando mandá-los para entrevistas, nas ruas.

Muniz Sodré disse que, no entanto, “para  disfarçar o racismo, a Rede Globo, que sempre teve  kwon how americano, abriu  espaços para o profissional negro”. Citou o caso da jornalista Ana Davis, uma das precursoras negras no vídeo.

“Os negros, através das décadas, foram ocupando os espaços nas ruas e redações, mas esse racismo não desaparece. Lembro que fui duramente criticado no programa Observatório da Imprensa, quando falei sobre a abolição da escravatura. Não se aboliu a forma de escravizar o negro. A forma escravagista não acabou. E hoje ela vai além da cor da pele, ela vai para o norte do país. O norte foi caracterizado como inimigo, também pelo sotaque. Racismo é uma forma de dominação que ultrapassa a cor da pele. Esse racismo hoje abrange o nordeste”, ressaltou  o jornalista.

Ainda assim, Muniz Sodré tem visão otimista. Em seu entender, houve um  progresso de baixo para cima, com a maior participação da mulher negra na mídia, resultado também de movimentos que vêm das classes sociais mais baixas.  “Não sou um pessimista;  acredito que essa escravidão vem sendo superada”.

Álvaro Caldas lembrou das conversas e debates sobre política e racismo  com o jornalista homenageado, Carlos Nobre, durante os intervalos das aulas, nos cafés da  PUC/RJ , onde os dois lecionavam.  Ao falar sobre jornalismo, ele citou o livro de Cláudio Abramo, a “Ética do marceneiro”, como exemplo de que a ética é única; deve ser  adotada por todos os cidadãos, independe de profissão.

Caldas ,que ingressou na imprensa ainda na década de  60, falou sobre a invisibilidade dos negros no jornalismo.  Não havia negro nas redações, havia os “quase negros”, que são os mulatos”, disse.

A militância política de  Caldas surgiu em sua terra natal, Goiânia. Aos 12 anos, quando voltava da escola, viu escrita na parede de um café, onde se discutiam ideais políticos, a frase que marcou sua vida: “Um dia aqui foi assassinado um jornalista defendendo a liberdade de imprensa”. A partir dali, definiu seu destino: a militância e o jornalismo.

O jornalista  também falou sobre a censura na grande imprensa durante a ditadura militar e contou como os jornalistas driblavam os censores, com alternativas criativas. Lembrou de manchetes do Jornal do Brasil, referindo-se ao “tempo nebuloso, sujeito a trovoadas”, e de outros expedientes  como a publicação de textos enormes sem títulos, como foi no caso do golpe no Chile,  ou de receitas culinárias na primeira página do Estadão. “Os repórteres escreviam, mas nem sempre as matérias eram publicadas. A censura é nojenta porque ela mente para a população e, com isso, deixa um buraco na história. A manipulação nos textos das matérias se dava também por ênfase ou omissão de conteúdo. A censura é o maior inimigo do repórter”.

O professor Muniz Sodré criticou os rumos dos  governos  do Rio de Janeiro e do Brasil, mas lembrou da resistência de jovens, em  grande parte mulheres, lutando pela democracia e pela igualdade de gênero e raça, nas universidades e na ONGs. “Esse movimento é uma força enorme”. Lembrou que a censura hoje está também na área cultural, no teatro, no cinema, nos editais públicos; e não só na imprensa.

Caldas falou sobre a diferença entre as redações da época em que trabalhava como repórter para as dos dias atuais,” mais parecidas com escritórios, silenciosas”. Disse  que a parte mais nobre do jornal, do ponto de vista da produção, “era a “cozinha”, onde se diagramava, editava as fotos, se fazia o lead, o título das reportagens de capa. Aonde ficavam os negros”. Lembrou ainda da vivacidade do ambiente de trabalho da época, com  redações sujas e barulhentas, onde todos fumavam, falavam, discutiam juntos.

O jornalista Miro Nunes finalizou o encontro com uma advertência : “Devemos ter cuidado para que novas formas de censura não voltem”. Para ele, um dos caminhos é  incentivar a maior representação  das diversidades.

Censura na ditadura militar

Nunes citou alguns atos da censura durante o regime militar:

Ato do governo Médici, de 10 de novembro de 1969, que  proibia a  publicação de notícias sobre conflitos com índios, esquadrão da morte, guerrilha, movimento negro e discriminação racial.

Decreto-Lei 898, mais conhecido como Lei de Segurança Nacional, de 29/09/1969;  Decreto-Lei 1077, de 26 de janeiro de 1970, que regulava a censura prévia em toda a mídia;  Lei 5250, de 9 de janeiro de 1967, em seus artigos 61, 62 e 63, que determinava, entre outros itens, a apreensão com ou sem ordem judicial nos casos considerados subversivos que vinculassem material sobre guerrilha ( chamada de propaganda de guerra)  e relacionados  a preconceito de raça ou de classe – temas então considerados incitação à ordem política e social do Brasil.