Macri decreta fim da “mordaça” ao jornalismo


01/01/2016


2015-11-23T134912Z_1229102698_GF20000070831_RTRMADP_3_ARGENTINA-ELECTION_0O governo do presidente Mauricio Macri decretou, no último dia 30, a extinção do principal órgão regulador dos meios de comunicação na Argentina. Ao anunciar a medida, Macri celebrou “o fim da guerra do Estado contra o jornalismo”, iniciada em 2009, ainda no primeiro mandato da ex-presidente Cristina Kirchner (2007-2015). O Grupo Clarín foi o mais afetado pelo sistema.

Formalmente, o governo Macri criou um novo órgão regulador dos meios de comunicação. A Entidade nacional de comunicações (Enacom) vai fundir as funções dos anteriores reguladores, a Autoridades federais de serviços de comunicação audiovisual (AFSCA) e a Autoridade federal de tecnologias da informação e das comunicações (AFTIC). As duas entidades funcionavam como um Ministério da Propaganda oficial e eram os responsáveis por disciplinar a imprensa crítica ao governo Kirchner.

“Hoje termina a guerra do Estado contra o jornalismo e começa uma política pública de comunicações do século XXI”, anunciou o ministro-chefe do Gabinete, Marcos Peña. “O jornalismo deve ser sempre independente e crítico do poder. Essa é a sua tarefa e esse é o sentido que tem (o jornalismo) numa democracia”, completou Peña. A guerra tinha um alvo principal, o Grupo Clarín, um dos maiores conglomerados de comunicação da América Latina.

Para a decisão, o governo vai usar um decreto até que a Lei de Meios – oficialmente denominada Argentina Digital e popularmente conhecida como Lei Mordaça – seja alterada pelo Parlamento. Será criada ainda uma comissão bicameral (Câmara de Deputados e Senado) para dar seguimento às modificações. O texto tinha o propósito oculto de calar vozes críticas.

Em questão estão basicamente dois artigos que impediam a transferência ou a venda de licenças. O governo também vai retirar da Lei a regulação da TV por assinatura, impedida hoje de operar em mais de 24 municípios. Os artigos recortavam a dimensão e abrangência dos grupos de comunicação, forçados a um desmantelamento.

As novas regras visam unificar todos os atores da comunicação (TV, rádio e operadoras telefônicas) e propiciar uma onda de investimentos num setor paralisado devido ao conflito constante entre o governo Kirchner e as empresas da área. As alterações têm o aval dos principais atores privados do mercado e da oposição, com exceção do “kirchnerismo” que, agora na oposição, questiona a constitucionalidade de “governar por decreto” do presidente Macri, que fez campanha baseada na necessidade de valorizar as instituições.

A partir do novo quadro de regulação e de controle, o ministro das Comunicações, Oscar Aguad, espera anunciar ainda em janeiro fortes investimentos das empresas de telecomunicações em infraestrutura de conectividade.

Lei Mordaça

Em 2013, após quatro anos de batalhas judiciais, o Supremo Tribunal argentino declarou constitucional a polêmica Lei de Meios audiovisuais, que afetava basicamente o grupo Clarín. O texto obrigava o maior grupo de comunicação do país e principal voz crítica ao governo a encolher drasticamente. O Clarín seria desmantelado, pois teria de vender canais de TV e estações de rádio líderes em audiência e, junto com as licenças, os edifícios e os equipamentos.

Pela Lei, uma empresa não podia ter, num mesmo município, uma TV aberta e uma TV a cabo. Não podia estar em mais do que 24 municípios. E como apenas a área metropolitana de Buenos Aires já conta com 28 municípios, nem mesmo a principal zona urbana do país poderia ser coberta.

Em todo o território argentino, uma empresa somente podia ter uma TV por satélite e até 10 rádios. Nenhuma empresa privada podia cobrir todo o território nacional. O máximo de cobertura era de 35% dos habitantes do país ou do total de assinantes para o caso da TV a cabo. Sozinha, a área metropolitana de Buenos Aires já concentra 37% da população argentina.

A lei não reconhecia direitos já adquiridos ou licenças já concedidas pelo próprio Estado e, ironicamente, pelo próprio ex-presidente Néstor Kirchner. O texto também não tratava da TV digital. Com isso, os grupos estrangeiros concorrentes do Clarín não eram afetados e podiam ter uma única licença para todo o território argentino. Os donos do principal jornal do país afirmava que a Lei tinha sido feita unicamente com o propósito de desmantelar o grupo, obrigado também a se desfazer da distribuição de Internet em 134 cidades.

Enquanto isso, 83% dos meios de comunicação na Argentina eram submetidos ao governo. Essa dependência acontecia por três vias: meios públicos que são usados pelo governo como instrumentos de propaganda política, meios privados adquiridos por empresários amigos do governo em troca de concessões, ou negócios com o Estado e meios de comunicação disciplinados em troca da milionária publicidade oficial, para a qual o governo Macri promete agora criar regras.

O grupo Clarín foi um refúgio para as denúncias de corrupção ou investigações políticas que envolvem os governos Kirchner. O Clarín e o governo argentino travam uma guerra desde 2008, quando a empresa passou a ter um perfil claramente crítico à presidente Cristina Kirchner.